Nossa Ciência: O senhor tem reforçado que o Ministério da Saúde é o grande financiador do Certbio. Está faltando o MCTI chegar perto ou não é necessário?
Marcos Fook: Não. Na verdade dentro do Ministério da Saúde tem uma secretaria de C&T, mas também tem a Anvisa como órgão regulador. O Certbio forma mão de obra qualificada. Nós já formamos 20 técnicos de materiais de uso em saúde da Anvisa, foram formados aqui pelo Certbio, pelo PPGCEM da UFCG. Então, pela vocação do Certbio ele tem tido um apoio muito forte do MS.
NC: Como está a produção científica?
MF: Nós entendemos que a produção científica e tecnológica num programa como o nosso, de um laboratório de pesquisa, se expressa de várias formas. Primeiro, as patentes, registro de patentes para dar domínio à universidade, dar reconhecimento acadêmico, científico, social à universidade, Outro é quanto a criação de empresas, nuclear aqui jovens que possam ingressar no mercado, com mão de obra qualificada – e eu tenho a satisfação de registrar que uma das maiores empresas de biotecnologia da América Latina e é nacional, o Laboratório Cristália, contratou o primeiro engenheiro daqui da PB. Sob a minha orientação, já formamos mais de 40 médicos em nível de Mestrado. São mais de 15 teses de Doutorado desenvolvidas todas voltadas para materiais de uso em saúde. Esse é o compromisso social do Certbio, essa é a nossa vocação. Também formamos mestres que são da Engenharia, Química, Física, Biologia, Farmácia. Já são mais de 60 orientações em mestrado.
NC: Na sua avaliação, qual é a grande contribuição do Certbio o Nordeste, para o país, para o SUS?
MF: Primeiro eu queria destacar a vocação do polo tecnológico de Campina Grande. Eu sou fruto desse polo tecnológico, não é uma coisa que foi criada com o Certbio. Campina Grande é um polo tecnológico, eu fiz Engenharia Química aqui nessa universidade, então Universidade Federal da Paraíba. A primeira grande contribuição do Certbio foi trazer para Campina Grande um laboratório de referência. Os olhos dos órgãos públicos, da iniciativa privada estão voltados para um laboratório de produtos aqui em Campina Grande e isso, na minha opinião, é uma das grandes contribuições, ter na região nordeste um laboratório de referência. Há um esforço de pesquisadores agora, mais recentemente, da Universidade Federal do Maranhão de criar uma rede de biomateriais em todo o nordeste.
NC: Como ocorrem as conexões?
MF: Essas conexões se dão numa iniciativa como essa. Nós já recebemos professores, pesquisadores de várias regiões. Os pesquisadores de biomateriais, nessa área estão incluídos biomateriais, órgãos artificiais e tecidos de engenharia. Nesse tripé. Nesse contexto, dessa importância é que trazer pesquisa nessa área promissora, inovadora, que o Brasil tem carência, fez com a secretaria da Sociedade Latino-Americana de Biomateriais, Órgãos Artificiais e Tecidos de Engenharia (SLABO) tivesse sua sede em Campina Grande. Eu presidi a SLABO até agosto de 2016 e trouxemos o congresso da Sociedade de 2018 para a Paraíba. Então, a consequência se dá no ponto de vista de trazer pesquisadores, temos aqui pesquisadores de várias partes do Brasil e temos uma inserção internacional também. Temos financiamento do CNPq e da Capes, PaqTC-PB, Fapesq. Esse caldo de conhecimentos multidisciplinares e interdisciplinares traz uma referência e essa é a importância, porque desloca a referência em pesquisa dessa área, deixa de ser apenas do sul e sudeste para vir para o nordeste, para o norte do país – eu tenho a esperança de que nós possamos transpor essa barreira, identificar as potencialidades, esse país é um país de talentos.
NC: Como resolver o problema gerado pelo gap entre a academia e a indústria?
MF: A nossa universidade deve entender que há uma barreira virtual, que não é culpa da universidade e nem é culpa da sociedade. O que nós podemos fazer enquanto universidade é transpor.
NC: Como fazer isso na prática?
MF: Desde as iniciativas mais elementares, dialogar com as organizações de classe, nas diversas áreas do conhecimento, do ensino de engenharias, do ensino de ciências naturais, da atividade pedagógica, da área de saúde. Particularmente, na área de Engenharia de Materiais, dialogar com a Federação das Indústrias, com quem investe nessa área e promover internamente o empreendedorismo. Nós temos que mostrar para os jovens que é possível empreender, que é possível sonhar e, na minha compreensão, a universidade deve fazer isso.
NC: Ela não está fazendo?
MF: Eu não acho que ela não faça, há carências. Qual é a primeira iniciativa? A empresa júnior. Isso tem que fazer parte até da assistência estudantil. Orientar o jovem quando ele entrar aqui, mostrar a ele as possibilidades porque potencial ele tem. A universidade tem que mostrar os caminhos que são vários, que começa na formação, não é apenas uma formação técnica, mas uma formação cidadã, humana, social, empreendedora, comprometida com a sua região. Eu entendo que para diminuir o gap, a universidade tem que tomar a iniciativa, ela não pode falar que o mercado não quer. Isso até pode ser verdade, mas nós temos que tomar a iniciativa, principalmente, nós como universidade pública, que temos o compromisso social, que recebemos da sociedade para formar. Eu sou pago pela sociedade e como tal eu tenho que prestar contas à sociedade, porque o meu salário é fruto do suor dos outros. Eu acho que é assim que a gente vai fazer essa inserção, quebrar esse gap. É assim que a gente trabalha, tentando dialogar, tentando fazer. Nós da UFCG somos uma universidade multicampi, então precisa dialogar um campus com outro, um curso com outro e esse diálogo, eu devo reconhecer que é muito pouco, quase não existe. Nós do Certbio fazemos isso muito pouco. Eu acredito que o caminho da inserção, primeiro passa por nós mesmos, de darmos aos nossos alunos, aos nossos professores, aos nossos técnicos esses mecanismos de diálogo e depois preparadas com forma de completar a nossa formação e o nosso compromisso social dialogar com a sociedade.
NC: Qual é a grande dificuldade de se fazer ciência no Brasil e no nordeste em particular?
MF: Eu identifico os problemas e não culpados. Eu identifico problemas que devem ser vencidos por todos os agentes. Localmente, por exemplo, nós precisaríamos ter mecanismos internos que possibilitassem a inserção dos alunos em todas as atividades da Universidade, todos os serviços da universidade. Nós temos uma cidade universitária, que necessita da intervenção de engenheiro civil, de engenheiro mecânico, de administradores, de pedagogos, de enfermeiros, farmacêuticos… Aumentar essa endogenia é fundamental para diminuir essas barreiras. Do ponto de vista municipal e estadual, a minha compreensão é que a universidade deveria se fazer mais presente no Estado, no Município, dialogando. Por exemplo, a política industrial do estado da Paraíba. Qual é o planejamento estratégico dos distritos industriais da Paraíba? Porque a gente sabendo quais são as empresas que vão se instalar, podemos direcionar os nossos formandos, os nossos profissionais. Do ponto de vista nacional, eu diria que, independentemente da crise que estamos passando, e é verdade que estamos em crise, mas a minha forma de enxergar as coisas é uma forma proativa. Vamos buscar interação, vamos buscar mecanismos de romper isso. Também não adianta a universidade se fechar porque não tem dinheiro ou porque a indústria não quer nada. É verdade. Nós somos um país onde as tecnologias ainda vem muito de lá pra cá, do exterior para dentro do Brasil, mas nós temos que nos fazer presente. A universidade deve procurar os empresários. São eles que estão do outro lado, no mercado e conversar sobre o que podemos fazer em qualquer segmento. No segmento de biomateriais, eu tenho a esperança de que nós vamos mudar isso. Vai demorar, há barreiras, mas há esforços e reconhecer os esforços e buscar potencializá-los é o compromisso que uma universidade pública deve ter. Ela deve combater algumas outras práticas quando há que se reconhecer que existem mecanismos. Eu percebo no MS, MCTIC, MEC mecanismos, por exemplo, os editais têm cotas para fomentar algumas regiões. Talvez seja pouco, mas eu prefiro olhar esse potencial. O maior desafio nosso é não só ter a percepção de potencializar as nossas virtudes locais e regionais, mas buscar a inserção internacional. Esse conjunto de local e internacional resultará no que nós chamamos de termodinâmica de entropia, que dá exogenia, que valoriza, dá visão de mundo aos jovens, aos professores, aos pesquisadores. Eu dialogo com o mundo, mas faço minha inserção local. É assim que eu vejo, que eu trabalho, que eu acredito que nós vamos à frente.
NC: E o que falta para que esse conjunto local seja visto?
MF: Eu acho mesmo que falta divulgação, falta reconhecimento, não faltam talentos, nem nas universidades, nem nos colégios públicos, o que falta é essa interlocução. Eu diria para os jovens que é possível sonhar, o país deve criar mecanismos de incentivo aos jovens, de mostrar que as ciências tem um valor importante na formação até do caráter das pessoas. Precisamos ter laboratórios crescentemente nas escolas públicas. Trazer para os colégios, pesquisadores reconhecidos para dialogar com esses alunos, para dar palestras. Um programa itinerante que levasse referências nas diversas áreas para mostrar o que é a ciência. Seria um convite para observar o mundo. Essa seria uma iniciativa que caberia, estimular o jovem a olhar para um pesquisador como ele olha para um cantor que faz sucesso, ter nele uma referência.
Leia aqui a primeira parte dessa entrevista.
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