Nas varandas do Sun River Geral

sexta-feira, 6 dezembro 2024
A atual revitalização do bairro está distante do ideal, mas é um avanço. (Foto: Paiva Rebouças / Nossa Ciência)

Novos moradores da Ribeira vivem o contraste de um bairro que encanta pela história, mas falta no cotidiano

(José de Paiva Rebouças, Laura Medeiros, Ananda Miranda e Mônica Costa)

Todos os dias, ao olhar pela janela do quarto do neto e ver o Sol refletido no Rio Potengi, Ana Maria Tavares, de 70 anos, relembra o motivo para ter escolhido a Ribeira como seu lar desde 2013. “Eu vejo o pôr do sol mais bonito da cidade”, conta, exibindo certo orgulho. Mas as belezas naturais e históricas do segundo bairro mais antigo de Natal contrastam com sua realidade.

Bernardo Tavares, neto de Ana, tem 11 anos e mora com ela no condomínio Sun River desde que nasceu. Ele costuma frequentar a área comum, brincar com os amigos e aproveitar a piscina e o salão de jogos. Já que a sua avó não permite que ele brinque na rua, por causa da insegurança, a vida de Bernardo é quase toda restrita ao universo dentro dos muros do condomínio onde os limites para a liberdade também representam uma garantia de segurança.

Bernardo Tavares brinca sozinho na quadra de esportes do Sun River (Foto: Ananda Miranda / Nossa Ciência)

Avó e neto representam duas gerações de habitantes de um dos bairros mais emblemáticos de Natal. Ali, onde estão localizados o Teatro Alberto Maranhão, a Capitania dos Portos, a Casa da Ribeira e a lendária Rua Chile, a história da capital potiguar é contada em cada esquina. Seja pelo perfil dos prédios históricos ou pelo movimento das pessoas que vão lá para trabalhar, cada detalhe reflete a rica narrativa da cidade.

Mas não é só de memória que vive o bairro. A região que abrigou importantes personalidades do passado, como o ex-presidente da república Café Filho (1899 – 1970), o primeiro governador do RN, Pedro Velho (1856 – 1907), o historiador Câmara Cascudo (1898 – 1986) e o médico Januário Cicco (1881 – 1952), há um ano é o lar de Mariana Maia, 19 anos. Estudante de medicina na Universidade Potiguar (UnP), a jovem mora no Sun River desde quando começou a faculdade. “Vim para cá porque meus avós moram aqui desde 2015. Para eles, é um condomínio bem localizado e sem contar na parte histórica do bairro. Meu avô é um amante da Ribeira”, relata.

Do condomínio Sun River é possível ver toda a Ribeira (Imagens: Laura Medeiros / Nossa Ciência)

Localizado na rua Teotônio Freire, já entrando na Avenida Tavares de Lira, o condomínio Sun River foi inaugurado em 2013 e representa um dos poucos movimentos de resistência pela reocupação desta parte da cidade. Embora seja o segundo bairro menos populoso de Natal, com apenas 2.699 habitantes, segundo dados do IBGE, a Ribeira oferece boas condições para habitação, mas falta ação para tornar o local um atrativo para moradores. Por conta disso, os que chegaram mais recentemente em sua história enfrentam grandes desafios.

A estudante de psicologia Yane Rocha, 20 anos, mora no condomínio Sun River há 8 anos. Curiosamente, sua família escolheu o local em busca de maior segurança. “Eu morava em uma casa nas Rocas. Um apartamento era a opção mais segura por conta dos porteiros, vigilantes e o controle na entrada e saída de carros”, explica Yane. Além disso, a proximidade com a escola, o Colégio Salesiano São José, um dos mais tradicionais de Natal e outro patrimônio da Ribeira, foi um fator decisivo na escolha dos pais de Yane.

Mariana e Yanne são moradoras recentes da Ribeira e percebem os mesmos problemas (Foto: Laura Medeiros / Nossa Ciência)

Mariana e Yane já carregam consigo o amor pelo lugar onde vivem, embora ainda estejam se acostumando com desafios antigos. Além de não contarem com serviços essenciais como farmácia ou supermercados próximos, elas não se sentem seguras para pegar o transporte público, por isso gastam parte do orçamento com carros de aplicativo. “Teve até um período em que ia para a faculdade de ônibus, mas parei por uma questão de segurança. Ia para a parada muito cedo, mas me sentia insegura”, confidencia Yane.

A segurança também é a principal preocupação de Dona Rubina Fambra, 62 anos. Para ela, ir à missa na Paróquia Bom Jesus das Dores, ao lado do condomínio Sun River, onde mora com seu marido há 11 anos, é um compromisso inegociável. Rubina expressa seu prazer em morar na Ribeira, mas confessa preocupação com a segurança. “É um bairro muito movimentado, vejo as pessoas na igreja, em festas; tem infraestrutura, mas poderia ser mais bem cuidado”, reflete.

O que Dona Rubina observa é resultado de um passado significativo, quando a maioria das instituições e autarquias públicas era sediada no local. Mesmo com o esvaziamento, ainda permanecem, entre outros a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), a Companhia de Processamento de Dados do Rio Grande do Norte (Datanorte), a Junta Comercial do Rio Grande do Norte (Jucern), o Juizado Especial Cível, a Fundação Procon e o Instituto Técnico-Científico de Polícia (ITEP-RN).

Paróquia Bom Jesus das Dores com o Sun River ao fundo (Foto: Paiva Rebouças / Nossa Ciência)

A infraestrutura elétrica e hidráulica é um fator crucial que mantém o empresário Ivan Carvalho Jr. no bairro há mais de uma década. Devido à baixa densidade habitacional, esses serviços são subutilizados, proporcionando uma vantagem competitiva à sua empresa, a Offset Gráfica, localizada em frente ao Sun River. “Meus colegas que têm gráficas em outros bairros enfrentam muito mais problemas com quedas de energia e falhas estruturais do que a gente aqui”, comenta.

Ivan trabalha na Ribeira há mais de 40 anos, tendo começado sua trajetória aos 16, no antigo prédio da livraria Clima, onde também funcionou a Galeria de Arte B-612. Foi ali que ele aprendeu seu ofício e desenvolveu a paixão pelos livros. Após tantas décadas dedicadas ao velho bairro, ele afirma que, apesar dos problemas de insegurança e deterioração, nunca pensou em sair de lá.

Ivan Jr., trabalha na Ribeira há 40 anos (Foto: Paiva Rebouças / Nossa Ciência)

O Cais da Tavares de Lira, localizado no final da rua onde o editor trabalha foi, durante muito tempo, o principal porto de Natal, atuando como ponto de entrada e distribuição de produtos vindos do Agreste. Uma nova personagem por ali é Janaína Lucena. Quando ficou desempregada há dois meses, decidiu empreender e montar sua própria barraca para vender batata frita, churrasco e almoço aos pescadores da região e, no porto, como tantas outras pessoas do Rio Grande do Norte, recomeçou sua história. “O turista até passa por aqui, mas são poucos. Meus clientes são principalmente os moradores locais, pescadores e quem chega de barco”, conta ela com orgulho.

Apesar do evidente abandono e dos inúmeros problemas urbanísticos, a vibrante cena cultural e artística da Ribeira mantém viva a alma do bairro para a maioria dos moradores de Natal. Porém, é um erro pensar que essa imagem é apenas uma percepção bucólica. O bairro pulsa com vida e criatividade, como mostra a bailarina carioca Bárbara Luz, que há cinco anos ilumina a Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão (Edtam), um dos muitos tesouros culturais potiguares à beira do rio Potengi. “Muitos eventos artísticos na cidade incluem performances de dança, como o espetáculo ‘Um Presente de Natal’, para o qual os ensaios já começaram”, revela Bárbara.

Janaína Lucena em seu novo trabalho cultiva um novo sonho (Foto: Ananda Miranda / Nossa Ciência)

Localizada na Rua Chile, a Edtam movimenta a arte erudita da capital, atraindo diversos alunos e profissionais. A escola conta com aproximadamente 400 alunos, organizados em 25 turmas, oferecendo uma variedade de estilos, incluindo Ballet Clássico, Dança Contemporânea, Jazz e Sapateado. Além disso, mantém viva a memória arquitetônica do antigo Palácio da Ribeira, restaurado nos anos 1990. Neste prédio histórico, antiga sede do governo e atual Museu de Arte Popular, foi onde o ex-governador Pedro Velho proclamou a República no Rio Grande do Norte em 17 de novembro de 1889. Curiosamente, em agosto do mesmo ano, dormiu em um de seus quartos o Conde d’Eu, marido da Princesa Isabel.

Resiliência e esperança de revitalização

Do condomínio Sun River é possível ver boa parte da Ribeira. Situado às margens do rio Potengi, um dos bairros mais antigos de Natal, viveu seu auge entre os séculos 19 e 20, quando se consolidou como um pólo portuário, econômico e cultural, abrigando armazéns, estaleiros e o efervescente Teatro Alberto Maranhão. A partir da década de 1980, o lugar perdeu relevância com o deslocamento do comércio para outros bairros e shoppings, sofrendo esvaziamento populacional e abandono, agravados pela falta de investimentos públicos e políticas de preservação do patrimônio.

A construção do Sun River aconteceu num período em que a especulação imobiliária apostava que a revitalização da Ribeira traria de volta parte da efervescência que um dia se viu por lá. Porém, apenas em 2022, ou seja, quase 10 anos depois da inauguração do conjunto de edifícios, o município iniciou um projeto de recuperação do bairro, com fachadas e pintura em 17 prédios ao redor da Praça Augusto Severo.

Orçado em R$ 30,8 milhões, o projeto de requalificação da parte velha de Natal iniciou em 2022 e vem sendo executado em quatro etapas, sendo que apenas duas delas são no bairro da Ribeira: as etapas 1 (requalificação da Rua Ulisses Caldas e Largo Junqueira Aires até o entorno da Praça Augusto Severo) e 3 (requalificação da Avenida Tavares de Lira, ruas adjacentes e trechos da Avenida Duque de Caxias até a Praça Augusto Severo). Segundo a Prefeitura de Natal, esse trabalho está entrando na reta final com recapeamento asfáltico, novas calçadas e iluminação LED.

Aos poucos, a revitalização da Ribeira modifica as paisagens. Veja outras fotos do bairro feitas pelo jornalista Paiva Rebouças.

“Essa meta iniciou posteriormente devido à necessidade de aguardar a Caern (Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte) concluir alguns serviços de trocas de redes de água e esgoto. O objetivo das obras é garantir uma melhor infraestrutura ao bairro histórico para sua população, bem como criar condições atrativas para novos investimentos e para visitação de turistas” disse Shirley Cavalcanti, secretária de Planejamento da Prefeitura de Natal.

Embora as metas 2 (requalificação da Avenida do Contorno, áreas adjacentes e praças Djalma Maranhão e Walfredo Gurgel) e 4 (construção da Estação Turística e Religiosa Pedra do Rosário) não aconteçam na Ribeira, sua realização favorece muito o bairro. A expectativa é que a revitalização da Avenida Monsenhor Walfredo Gurgel e a reforma da Pedra do Rosário, localizada no bairro Cidade Alta, às margens da Ribeira, amenizem essa desconexão.

A obra, que vai custar R$ 13,6 milhões do orçamento total, prevê ainda a construção da Estação Turística e Religiosa da Pedra do Rosário, fortalecendo o turismo, requalificando a região e beneficiando as atividades religiosas. Vale lembrar que neste local acontece, todo dia 21 de novembro, a tradicional missa da padroeira de Natal, Nossa Senhora da Apresentação.

A questão pendente neste projeto diz respeito à comunidade Passo da Pátria, cuja parte está à margem do Potengi, abaixo do monumento da Pedra do Rosário. Em denúncia, o Ministério Público Federal (MPF) apontou que a Prefeitura não consultou adequadamente os ribeirinhos da comunidade que será impactada pela obra religiosa. O Município de Natal afirmou, no entanto, que a intervenção proposta está limitada à Pedra do Rosário e não inclui a área da comunidade Passo da Pátria, que deve ser impactada positivamente.

Integração de moradores no bairro é fator fundamental para sua revitalização, dizem cientistas (Foto: Ananda Miranda / Nossa Ciência)

A ausência de integração das comunidades periféricas que não são incluídas nesses grandes projetos são uma preocupação do arquiteto Caio Flávio Dantas de Faria. Em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), defendido junto ao Departamento de Arquitetura da UFRN (Darq), o então estudante disse que esse tipo de comportamento limita os esforços de revitalização. Faria ressalta que projetos dessa natureza devem ser acompanhados por estratégias de integração que garantam a permanência das comunidades locais em seus territórios, priorizando o acesso à infraestrutura e à inclusão social.

No caso do Passo da Pátria, ele sugere a implementação de um Sistema de Espaços Livres (SEL) para conectar fisicamente as áreas de interesse cultural e turístico com as comunidades periféricas, promovendo uma relação mais equilibrada entre as demandas urbanas e sociais. Em seu trabalho, o arquiteto sugere que, sem essa abordagem, tais intervenções correm o risco de aprofundar a exclusão socioambiental e perpetuar a segregação entre os bairros centrais e as populações marginalizadas.

Caio Faria defendeu em seu TCC que espaços públicos bem planejados e integrados promovem ambientes mais seguros e acolhedores para a comunidade. Isso teria um impacto importante em um dos principais problemas abordados pelos moradores do Sun River: a insegurança. Relatos de vulnerabilidade em ruas mal iluminadas e pouco movimentadas à noite desestimulam a reocupação por moradores e empreendimentos, perpetuando o ciclo de abandono.

Propostas para uma reocupação da Ribeira

Para a professora Ruth Ataíde, do Departamento de Arquitetura (Darq) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), somente a reocupação da Ribeira é o que pode efetivar sua “reanimação”, do contrário os esforços empreendidos serão em vão. Isso inclui uma série de ações que vão além de pavimentação e monumentos. Em outras palavras, a pesquisadora diz que se não houver atração de moradores e espaços de convivência seguros, a tendência é que o bairro siga esvaziado.

Ruth Ataíde Comenta sobre a importância de uma reanimação do bairro

Em 2017, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) lançou a primeira edição do concurso nacional de ideias UrbanLab Brasil para a revitalização da Ribeira. Diversas iniciativas concorreram ao prêmio, incluindo várias da UFRN. No entanto, foi a professora Ruth Maria da Costa Ataíde, junto com seus estudantes, quem levou o prêmio com o projeto Olhos da Ribeira. Fizeram parte da equipe Nicholas Saraiva Martino e Marcela Lorena Farkat, então estudantes do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU/UFRN) e Dmetryus Targino Marques de Souza, naquela época estudante de graduação em Arquitetura.

A proposta, que foi pauta para matéria do Nossa Ciência em 2018, tem como objetivo revitalizar o bairro histórico de Natal com ações integradas que incluem a renovação de espaços públicos, ligação com o Rio Potengi e melhorias na mobilidade urbana, como ciclovias e uma rota hidroviária. Além disso, o projeto respeita o patrimônio histórico local e incentiva a participação comunitária. Acontece que, até onde Ruth sabe, o projeto não foi considerado na atual revitalização do bairro. “A prefeitura, embora faça a apresentação da proposta sistematizada em e-book, nunca publicou no site”, diz a pesquisadora.

Pela iniciativa, edifícios abandonados seriam restaurados e ocupados com usos mistos, incentivados por benefícios fiscais. O plano também valoriza o patrimônio histórico, com destaque para a Rua Chile, introduz iluminação inteligente e fiação subterrânea. Estratégias de urbanismo tático revitalizariam becos e travessas com arte e mobiliário sustentável. Um fundo financeiro e uma plataforma online garantiriam a participação comunitária e a transparência na gestão.

Imagem retirada do projeto Olhos da Ribeira (Fonte: BID)

O concurso UrbanLab Brasil deu ainda prêmio para o segundo e terceiro lugar, além de menção honrosa para outras propostas entre as várias concorrentes. Todas elas destacam-se por apresentarem soluções integradas focadas na recuperação do patrimônio histórico e na promoção da diversidade de usos, como habitação, cultura e economia. Além disso, visam enfrentar problemas como o esvaziamento populacional, infraestrutura precária e falta de espaços públicos.

O renascimento do pôr do sol

Se durante o dia a Ribeira é marcada pelas lembranças do passado e pelas imagens de decadência, à noite, a esperança de que o bairro possa, um dia, ser desfrutado por toda a população, renasce. A vida boêmia dos anos antigos se faz viva, em pequenas doses, no presente. A Rua Chile é um retrato desse desejo de recomeço. Rosas na Cartola, Ateliê Bar, Galpão 292, Ribeira Music e Club Frisson são exemplos de que ainda existe boêmia na Ribeira. Samba, choro, música eletrônica e funk convivem harmoniosamente na mesma rua.

Rua Chile interditada para realização do Festival DoSol (Foto: Paiva Rebouças / Nossa Ciência)

“Gosto de frequentar a Rua Chile porque o ambiente aberto me deixa bastante confortável. O pessoal de lá é bem amigável, sempre conversa comigo ou com meu grupo de amigos. Acho que tudo isso acaba se combinando e criando um bom lugar”, disse Gabriel Riquelme, estudante de jornalismo na UFRN, que costuma frequentar o Club Frisson na Rua Chile nos finais de semana. Natural de Santa Cruz (RN), seu primeiro contato com a famosa rua se deu neste ano. “Senti como se viajasse no tempo, pelos prédios enormes e lindos. Depois de um tempo, tudo isso acaba sendo desolador. Acho que o abandono pesa bastante, mas é lindo ver que o povo ainda resiste a esses obstáculos”, reflete.

A analista de sistemas Ana Carla Cabral Medeiros, 50 anos, costuma ir à Ribeira com bastante frequência. A Rua Chile, Casa da Ribeira e o Teatro Alberto Maranhão estão no topo de sua agenda semanal.  “Todo mês, visitamos aquele lugar e sempre há algo acontecendo. Eu gosto muito de ir porque é uma verdadeira imersão cultural. Lá, as pessoas podem se sentir à vontade, sem as pressões e cobranças da sociedade. Todo mundo se veste como quer e o ambiente é muito acolhedor. É fácil estacionar e tudo é maravilhoso. Eu realmente adoro ir”, conta.

Ribeira Music, também na rua Chile, é uma das casas de shows mais movimentadas da Ribeira (Foto: Paiva Rebouças / Nossa Ciência)

Para José Marcos Cordeiro, 56 anos, uma das companhias de Ana nos passeios pela Ribeira, visitar o bairro lhe traz uma percepção do passado e o faz imaginar como Natal deveria ser nos melhores tempos. “Tenho a impressão de férias”, divaga. “Os eventos gratuitos e o público ‘alternativo’ que frequenta o local, gente de tribos variadas, são motivos que me fazem gostar de lá”, reforça Marcos.

O interessante é que a visão sobre os frequentadores da Ribeira não é recente. O bairro sempre foi conhecido por sua boemia, seus bares, festas e casas de entretenimento privadas. Tanto é que, segundo o professor e historiador Henrique Lucena, mesmo no seu auge, não era frequentado pela chamada “elite” natalense que só ia até o teatro Alberto Maranhão. Esse público só passou a visitar restaurantes e outros lugares dali a partir de 1960, por influência de governos que já discutiam a revitalização do lugar.

Memória, história e poesia

“Nasci à margem do Rio Potengy, onde o mangal rumoreja ao sopro do vento salso”. A frase do poeta natalense Ferreira Itajubá (1877 – 1912) é um retrato de umas das memórias mais antigas do bairro da Ribeira. Em seu livro “História da cidade do Natal” o historiador Câmara Cascudo explica que a Ribeira era um lugar quase todo ensopado, pantanoso, enlodado. “Apenas alguns trechos ficavam a descoberto nas marés altas de janeiro. As águas lavavam os pés dos morros. Onde está o teatro Carlos Gomes (atual Alberto Maranhão) tomava-se banho salgado em fins do século XIX. O português julgava estar vendo uma ribeira”, relatou.

Pessoas passeiam no largo do Teatro Alberto Maranhão onde um dia foi um pântano (Foto: Paiva Rebouças / Nossa Ciência)

Outro que registrou a Ribeira em sua arte foi o artista plástico e escritor Newton Navarro (1928 – 1992). No texto “Beira Rio”, publicado na década de 1970, o autor retrata o cotidiano das pessoas que habitavam o bairro. De acordo com Henrique Lucena, em sua dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em História (PPGH/UFRN), Navarro acreditava que o bairro, junto com as Rocas, compunham um território social especial e de boemia. Em seu poema “Ribeira”, publicado em 1979 no “Breviário da Cidade do Natal”, do escritor Manoel Onofre Júnior, Newton Navarro já relatava o esvaziamento do lugar: “Nesse trem das madrugas/ Ou neste porto do rio…/ É sempre a mesma tristeza/ Bairro vazio…”.

Essa marca de despovoamento da Ribeira faz parte de sua contradição. O bairro, que guarda alguns dos equipamentos culturais mais relevantes da capital potiguar, é também onde os moradores atuais têm mais carência de espaços de convivência. Por ali, em 1898, ao menos três ações artísticas foram iniciadas, sendo o primeiro deles o início da construção do Teatro Alberto Maranhão. Em um texto para a revista “Nós, do RN”, o poeta e jornalista Anchieta Fernandes (1939 – 2022) lembrou que neste mesmo ano foi fundado o Grêmio Polimático, uma associação de estudos literários que lançou a “Revista do Rio Grande do Norte”, destacando-se nas letras potiguares e também realizada a primeira exibição de cinema pelas mãos de Nicolau Maria Parente (1847 – 1911).

Casa da Ribeira em noite de programação (Foto: Paiva Rebouças / Nossa Ciência)

Mas não há mais cinema na Ribeira e mesmo sediando o histórico Teatro Alberto Maranhão, as pautas nacionais da arte cênica acontecem agora em outro espaço. Os shows e restaurantes que resistem em algumas de suas ruas ainda são boas opções, mas caminhar por essas ruas não é recomendado por causa da insegurança. A solução é ir de carro próprio ou de aplicativo.

A atual revitalização do bairro está distante do que propôs a professora Ruth Ataíde e os demais participantes do concurso do BID e não promete alterar esse cenário, mas é um avanço. As obras em curso promovem alterações visuais importantes e devolvem um pouco do brilho perdido pelo velho bairro. Talvez, quem sabe, quando concluída, possa cumprir uma parte, ainda que pequena, do que foi prometido à maioria das pessoas que, antes de 2013, decidiram comprar um dos 240 apartamentos do Sun River.

José de Paiva Rebouças, Laura Medeiros, Ananda Miranda e Mônica Costa

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