O humor pode ser conservador, mas pode também ser revolucionário
(Cellina Muniz)
Infelizmente, na quarta-feira, dia 6 de novembro de 2024, vimos com certo horror a vitória de Donald Trump nas (estranhas) eleições à Presidência dos EUA. É difícil tentar articular o que é pensar em ter de volta no posto mais importante do mundo um misógino, racista, negacionista, exemplo máximo, enfim, da extrema-direita.
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Quando a notícia se confirmou, um dos primeiros comentários que li foi este, pretensamente jocoso: “Eu torci pela Pepsi, mas a Coca-Cola ganhou”. Em seguida, logo percebi que essa era uma forma de lidar com esse novo acontecimento, fazendo uso de uma antiquíssima prática: o humor.
Existe uma infinidade de trabalhos, em diferentes áreas de conhecimento, que tratam do fenômeno humorístico. Um que vale a pena ser citado, pelo seu ótimo poder de síntese, é Humor: o papel fundamental do riso na cultura, de Terry Eagleton (2020), lançado no Brasil pela editora Record, com tradução de Alessandra Bonrruquer.
Em determinado trecho, por exemplo, Eagleton define bem a natureza ambígua: “O humor pode ser conflituoso ou comunitário, difamador ou celebratório, mas tais qualidades não precisam ser lados da mesma moeda” (p. 113).
Com efeito, o humor pode ser conservador, mas pode também ser revolucionário. Pode se manifestar em atitudes de zombaria e em piadas homofóbicas, por exemplo. Mas também pode se expressar em práticas de comunhão e em chistes que invertem e contestam a ordem (nada natural) das coisas.
Assim, se a vitória de Trump sugeria, a princípio, uma atitude de “desalento” por parte de seus opositores, as muitas inúmeras reações humorísticas demonstram outra atitude:
Esses e outros casos demonstram, mais uma vez, como certas práticas de linguagem, fazendo uso de procedimentos típicos – a paródia e a comparação, por exemplo – ilustram o apelo a um riso de resistência na igualmente antiga – e difícil – relação entre humor e política. Afinal, do comediógrafo grego Aristófanes ao chargista potiguar Amâncio, inumeráveis outros casos já ilustraram como essa relação não pára de se reatualizar.
Por fim, talvez possamos ver aí também rastros do que o filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) designou como humor carnavalesco, uma ligeira suspensão da triste realidade, quando se fundem crítica e utopia. A representação de Trump como um corpo grotesco acena, talvez, para essa possibilidade: sim, o mundo é cruel, mas a luta continua.
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Cellina Muniz é escritora e professora do Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Cellina Muniz
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