Isso dependerá de empreender de forma eficiente e de uma postura ativa para atuar no entorno
(Gláucio Brandão)
Não, não me refiro às questões ambientais que estão sempre em voga. Falo do ambiente descrito por Kurt Lewin, psicólogo alemão (1890 – 1947) criador da Teoria de Campo. “Lewin entendia campo como ‘um conjunto de realidades físicas e psicológicas, em mútua interdependência’. Esse campo pode ser denominado espaço de vida, onde coexistem pessoas (P) e ambiente (E). É nele que pode se observar dinâmicas e observação de ambas as categorias. (…) A maior contribuição de Lewin vem de sua demonstração de que é possível estudar a interdependência entre o sujeito e o grupo no qual ele está inserido. Ele preocupou-se em construir uma sólida ponte entre o concreto e o abstrato, a ação e a teoria social”. (De acordo com Wikipedia). Bacana, né não?
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Entretanto, qual a relação dessa lei com a vida hodierna, a inovação e o empreendedorismo? Por que cargas d’água GBB-San visita uma lei psicológica que o remete há quase um século? Pra responder de forma canônica, invoco Sir. Charles Darwin, quando argumentou que, “embora os seres humanos tenham revolucionado o mundo através de suas invenções e avanços tecnológicos, isso não significa necessariamente que tenham evoluído biologicamente”. Ou seja: revolucionamos, mas não evoluímos.
Assim, com o intuito de compreender porque “continuamos inovando sem evoluir” (Sir. GBB-San, 1968 – 20AA), e já que me referi a Darwin, vou utilizar Lewin, Desmurget e Flynn para embasar meu pedido de socorro urgente, numa busca insana em direção a uma solução: Precisamos inovar no ambiente que nos contém já, ou a vaca não sairá do brejo!
Adoro metáforas! Elas enriquecem o que expressamos, facilitam a compreensão, adicionam (meu) estilo e criatividade, e o principal: criam conexões emocionais e identificação. Alerta, alerta, alerta: não tô chamando ninguém de macaquinho, beleza?
Já que as metáforas ajudam a comunicação, vamos começar gravando no mindset de vocês uma imagem muito famosa, a dos três macacos sábios que representam um provérbio visual japonês, frequentemente utilizada para simbolizar a ideia de evitar o mal em todas as suas formas: Mizaru, com as mãos sobre os olhos, representado “não ver o mal”; Kikazaru, com as mãos sobre os ouvidos, representando “não ouvir o mal”; Iwazaru, com as mãos sobre a boca, representando “não falar o mal”. E, claro, minha contribuição, o quarto macaquinho: Kinishinai (não me importo em japonês), com as mãos “soldadas” ao celular, representando “Que mal?”. Eu o apelidei de Karanatela. Fica mais fácil de lembrar.
Metáfora posta, peço que, doravante, a carreguem na mente.
Invocação #1: Kurt Lewin.
Lewin defendia arduamente duas ideias. Segundo ele:
A lei de Lewin possui diversas aplicações em áreas como psicologia, administração, educação e marketing. Na psicologia, ela é utilizada para compreender o comportamento dos indivíduos em diferentes contextos. Na administração, a lei ajuda a observar o comportamento dos funcionários dentro de uma organização. Na educação, permite analisar o comportamento dos alunos em sala de aula, explicando por que estão interessados ou desinteressados em determinados assuntos. No marketing, auxilia na compreensão do comportamento dos consumidores. Assim, a lei de Lewin é uma ferramenta valiosa para entender os fatores que influenciam o comportamento humano e pode nos ajudar a prever e influenciar esse comportamento.
Reconhecido como um conceito essencial da psicologia social, Kurt Lewin acreditava na possibilidade de sistematizá-la. Partiu do princípio de que o comportamento humano (C) é determinado pelo campo psicológico, um conjunto de forças e fatores que influenciam o indivíduo em um momento específico. Essas influências incluem tanto as forças internas à pessoa (P) – necessidades, desejos e crenças –, quanto as forças externas (A) – ambiente físico, relações (e redes!!!) sociais e normas culturais. Lewin definiu que o comportamento é uma função do campo existente no momento em que ele ocorre. Em termos algébricos, essa lei ficou com essa cara: C = f(P, A), que ganhou o nome de Teoria de Campo, “um conjunto de realidades físicas e psicológicas em mútua interdependência”.
Filando da Wikipedia, de forma resumida, a teoria defende que: (i) o comportamento é influenciado pelo campo atual, em vez de ser determinado pelo passado ou futuro; (ii) o campo representa a totalidade das circunstâncias coexistentes, consideradas como interdependentes; (iii) os indivíduos agem de maneira distinta com base em como as tensões entre a percepção de si mesmos e o ambiente são gerenciadas; e (iv) para compreender o comportamento, é essencial considerar o campo psicológico ou espaço vital (lifespace) onde as pessoas atuam. Assim, os indivíduos participam de uma série de espaços vitais (ex: família, escola, trabalho, igreja, redes sociais etc.) e esses foram construídos sob a influência de inúmeros vetores de força. Brabo e explicativo, né não?
Invocação #2 e #3: Desmurget e Flynn
Há quatro anos, escrevi a Aula Condensada (AC) A Era da Deformação Antenada, inspirado na matéria do neurocientista Michel Desmurget, que “acredita que infância de hoje está exposta a uma ‘orgia digital’”. Lá há um link para a entrevista de Desmurget à BBC:
BBC News Mundo: Os jovens de hoje são a primeira geração da história com um QI (Quociente de Inteligência) mais baixo do que a última?
Michel Desmurget: Sim. O QI é medido por um teste padrão. No entanto, não é um teste “estático”, sendo frequentemente revisado. Meus pais não fizeram o mesmo teste que eu, por exemplo, mas um grupo de pessoas pode ser submetido a uma versão antiga do teste.
E, ao fazer isso, os pesquisadores observaram em muitas partes do mundo que o QI aumentou de geração em geração. Isso foi chamado de ‘‘efeito Flynn’’, em referência ao psicólogo americano que descreveu esse fenômeno. Mas recentemente, essa tendência começou a se reverter em vários países.
É verdade que o QI é fortemente afetado por fatores como o sistema de saúde, o sistema escolar, a nutrição etc. Mas se considerarmos os países onde os fatores socioeconômicos têm sido bastante estáveis por décadas, o ‘‘efeito Flynn’’ começa a diminuir.
Nesses países, os “nativos digitais” são os primeiros filhos a ter QI inferior ao dos pais. É uma tendência que foi documentada na Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda, França etc.
BBC News Mundo: E o que está causando essa diminuição no QI?
Desmurget: Infelizmente, ainda não é possível determinar o papel específico de cada fator, incluindo por exemplo a poluição (especialmente a exposição precoce a pesticidas) ou a exposição a telas. O que sabemos, com certeza, é que, mesmo que o tempo de tela de uma criança não seja o único culpado, isso tem um efeito significativo em seu QI. Vários estudos têm mostrado que quando o uso de televisão ou videogame aumenta, o QI e o desenvolvimento cognitivo diminuem.
Os principais alicerces da nossa inteligência são afetados: linguagem, concentração, memória, cultura (definida como um corpo de conhecimento que nos ajuda a organizar e compreender o mundo). Em última análise, esses impactos levam a uma queda significativa no desempenho acadêmico.
BBC News Mundo: E por que o uso de dispositivos digitais causa tudo isso?
Desmurget: As causas também são claramente identificadas: diminuição da qualidade e quantidade das interações intrafamiliares, essenciais para o desenvolvimento da linguagem e do emocional; diminuição do tempo dedicado a outras atividades mais enriquecedoras (lição de casa, música, arte, leitura etc.); perturbação do sono, que é quantitativamente reduzido e qualitativamente degradado; superestimulação da atenção, levando a distúrbios de concentração, aprendizagem e impulsividade; subestimulação intelectual, que impede o cérebro de desenvolver todo o seu potencial; e o sedentarismo excessivo que, além do desenvolvimento corporal, influencia a maturação cerebral.
Talvez (e espero que sim) eu esteja errado. Mas simplesmente não há desculpa para o que estamos fazendo com nossos filhos e como estamos colocando em risco seu futuro e desenvolvimento
E no final da entrevista, que é longa, Desmurget vaticina sobre o que ele espera (recomendo aos fracos de coração que parem por aqui):
Um aumento das desigualdades sociais e uma divisão progressiva da nossa sociedade entre uma minoria de crianças preservadas desta “orgia digital” — os chamados alfas do livro de Huxley —, que possuirão, através da cultura e da linguagem, todas as ferramentas necessárias para pensar e refletir sobre o mundo, e uma maioria de crianças com ferramentas cognitivas e culturais limitadas — os chamados gamas na mesma obra —, incapazes de compreender o mundo e agir como cidadãos cultos.
Os alfas frequentarão escolas particulares caras com professores humanos “reais”. Já os gamas irão para escolas públicas virtuais com suporte humano limitado, onde serão alimentados com uma pseudolinguagem semelhante à “novilíngua” de (George) Orwell (em 1984) e aprenderão as habilidades básicas de técnicos de médio ou baixo nível (projeções econômicas dizem que este tipo de emprego será super-representado na força de trabalho de amanhã).
Um mundo triste em que, como disse o sociólogo Neil Postman, “eles vão se divertir até a morte”. Um mundo no qual, através do acesso constante e debilitante ao entretenimento, eles aprenderão a amar sua servidão. Desculpe por não ser mais otimista.
Talvez (e espero que sim) eu esteja errado. Mas simplesmente não há desculpa para o que estamos fazendo com nossos filhos e como estamos colocando em risco seu futuro e desenvolvimento.
Vou parar por aqui, pois acredito que já entenderam o que quis fazer: compor o perfil de Karanatela.
Que tal começar a ler um livro hoje?
Vamos sumarizar nossos axiomas em equações:
GBB-San chega às seguintes hipóteses óbvias:
A conclusão que chegamos com base no modelo acima, é que, para salvar Karanatela “do mal”, teremos que modificar o ambiente! Ou inovamos no ambiente (A) ao redor de Karanatela, ou nenhuma inovação valerá a pena. Criar um app “não_use_a_tela.exe” não vai ajudar. Temos que olhar para fora, desenvolver programas de intervenção focados no desenvolvimento pessoal e na melhoria daquilo que nos rodeia. Terapias e treinamentos podem alterar o estado pessoal ao mesmo tempo em que mudanças no ambiente social (sem redes sociais), como políticas organizacionais e melhorias na infraestrutura, podem, com certeza, influenciar positivamente nosso comportamento. A forma de como conseguir isso não é trivial, mas posso utilizar da maiêutica (responder perguntando), para a audiência: como tornar o ambiente (A) mais atraente do que a tela?
Como parte da resposta, posso garantir que inovar no ambiente dependerá de empreender de forma eficiente. Não falo em criar negócios, mas ter uma postura ativa para atuar no entorno.
É imperativo investir em educação e bem-estar cognitivo, incentivando hábitos saudáveis, atividades ao ar livre, nutrição adequada e estimulação intelectual, além da volta ao trabalho artesanal e manual. Promover o uso crítico e consciente da tecnologia é essencial para evitar que o uso excessivo comprometa ainda mais nossas capacidades cognitivas. Se não tomarmos essas medidas, esta geração correrá o risco de se tornar dependente das anteriores. A próxima nem se fala, enfrentará uma situação ainda mais precária: poderá não ter nem de quem depender, exceto das máquinas de Elon. Passamos da geração Nutella para a Karanatela. A permanecer nesse ritmo, a próxima geração poderá ser de silício, ao invés de carbono.
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Gláucio Brandão é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e gerente executivo da incubadora inPACTA (ECT-UFRN)
Gláucio Brandão
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