Para o jornalista Cássio Leite Vieira a divulgação científica é importante para que as pessoas participem das decisões políticas
Em meio a muitos físicos e matemáticos que compareceram ao XXXIII Encontro de Físicos do Norte e Nordeste (EFNNE), realizado em Natal, entre os dias 9 e 13 de novembro, um palestrante causou estranheza aos desavisados: Cássio Leite Vieira, jornalista do Instituto Ciência Hoje (ICH). Especializado em ciências exatas, ele é editor da área de internacional e também de forma e linguagem da revista Ciência Hoje. No evento, ele apresentou uma palestra sobre a vida do célebre físico Albert Einstein, autor da Teoria da Relatividade, que, há um século, aboliu os conceitos clássicos de tempo e espaço e revolucionou a Física.
Cássio é autor de vários artigos e cerca de 10 livros sobre jornalismo científico, divulgação científica e história da Física, entre eles o Pequeno manual de divulgação científica; Einstein (O reformulador do Universo) e a coletânea História da Física (disponível aqui ). Em sua passagem meteórica pela capital potiguar (menos de 24 horas), ele conversou com o Nossa Ciência sobre os rumos da mídia impressa, globalização x regionalismo e a importância do conhecimento científico ao alcance de todos.
NC: Por que é importante divulgar ciência?
CV: Se você não dá o mínimo de conhecimento científico para as pessoas, elas se tornam vítimas de demagogos. Por exemplo, aquecimento global é algo tão complexo que a única coisa que você consegue dizer é se é contra ou a favor, porque é um assunto extremamente complexo. Os problemas estão se tornando tão científicos e tecnológicos que estamos perdendo a capacidade de discutir além do sim ou não. Por isso é preciso ensinar para as pessoas, porque senão cada vez mais elas vão deixar de participar das decisões políticas. É como Roald Hoffmann, Nobel de Química de 1981, disse certa vez: “Cada vez mais as decisões políticas do mundo são decisões baseadas em ciência.”
NC: Então, só a ciência importa?
CV: As pessoas acham que eu penso que é importante apenas divulgar ciência. Ciência é uma das formas de cultura da vida. A vida inclui várias formas, inclui a visão da ciência, das artes, da literatura e até mesmo da religião. Muitas vezes a visão da ciência é a mais sem graça de todas, é uma forma de se fazer cultura. O problema é que desde o século XVII, quando Francis Bacon abordou o que é fazer ciência, Galileu matematizou a ciência, surgiu o antropocentrismo, a Royal Society disse que era importante se estudar esse novo approach para o mundo. De lá para cá, até o século XX, a ciência se tornou a “cultura vencedora”, essas são palavras do historiador marxista Eric Hobsawm. No século XX, a ciência foi a forma de cultura mais importante, sem sombras de dúvidas. Eu gosto de dizer que ciência também envolve artes e humanidades.
NC: E qual a função do jornalista nesse cenário?
CV: A função da imprensa é mostrar os detalhes, chamar atenção para certos detalhes. Os jornalistas devem abrir as caixas pretas e mostrar para todos o que descobriu lá dentro.
NC: O jornalismo científico mudou muito?
CV: Eu passei por duas grandes transformações, a primeira foi da máquina de escrever para o computador, que foi uma transformação basicamente técnica, a gente sabia de onde estava saindo e para onde estava chegando. Simplesmente o computador é uma máquina de escrever metida a besta, não é mais do que isso. E a segunda transformação foi a internet. No jornalismo impresso em determinado momento alguém teve uma grande ideia e imaginou assim: a gente cobra a assinatura para o jornal impresso e essa “coisa” na tela [versão do veículo na internet]a gente dá de graça. Só que eles não esperavam que uma nova geração de leitores fosse aparecer e que nem encostaria no papel. O jornalismo impresso está em crise.
NC: Você acha que o jornal impresso vai acabar?
CV: O jornal New York Times, há uns dois anos, constatou que eles tinham o mesmo número de assinantes que em 1967. Então, a mudança é muito mais do que aquela da máquina de escrever para o computador. A gente via no horizonte o computador. Essa mudança da internet é algo que vai além de uma mudança tecnológica, ela é também social. E com isso o jornalismo impresso está sofrendo. Em alguns grandes jornais e revistas brasileiras a tiragem caiu muito, mas esse é um fenômeno mundial.
NC: A globalização ajuda ou atrapalha o jornalismo?
CV: Com essa globalização da notícia é muito difícil que assuntos de interesse local, regional, ganhem notoriedade. Um exemplo disso é como divulgar ciência do nordeste brasileiro? Vamos considerar o Brasil um país em desenvolvimento, no hemisfério sul etc. Como fazer isso? O Google vai se interessar por algum desdobramento da Federal do RN ou por um grande projeto da Fundação de Apoio à Pesquisa do RN? Provavelmente não. Podem ser projetos muito legais, não tirando o mérito das notícias, mas as coisas se tornaram globais. Eu acredito que em determinado momento nós vamos ter que voltar ao local, ao regional, porque senão nós só vamos ter as notícias das grandes estruturas. A crise na Ucrânia, por exemplo, tem sua relevância geopolítica, mas o que nos interessa mais é saber se o pãozinho da padaria da esquina vai subir. Nós podemos até pensar globalmente, mas o que nos afeta é nossa cidade, nosso bairro, nossa região.
NC: Esse caminho regional também se aplica à divulgação científica?
CV: Acho que o grande mérito do Nossa Ciência é justamente esse, voltar o olhar para o local. E não só para a ciência, mas em termos de cultura também. Cada vez mais acho que devemos olhar localmente as coisas, cobrir localmente e nunca esquecer que ciência é um tipo de cultura. Eu gosto de dizer que a ciência é um tripé: história, filosofia e a política. No Brasil há um certo descredito em relação a política científica, e o que achei legal de vocês do Nossa Ciência é a cobertura da política científica. Vou dar um exemplo nacional: quantas vezes o nordeste brasileiro é contemplado no Jornal da Ciência? Em geral, ele repete o mesmo ranço da história no Brasil: é o eixo Rio-São Paulo, daí você sobe um pouco e pega Belo Horizonte e desce um pouco para o Rio Grande do Sul e acabou. É essa cruz, sendo que o braço forte é o horizontal.
O nordeste brasileiro é muito mal contemplado na revista Ciência Hoje em termos de autores, várias pessoas já me disseram isso, porque querendo ou não a gente entra numa inércia de acompanhar o eixo RJ-SP. Por isso, eu acho bacana da parte de vocês (Nossa Ciência) essa cobertura da política científica regional. Parabéns e sucesso.
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