Encerrando a semana em homenagem ao Dia Internacional da Mulher o artigo de Luciane de Souza e Adriana Ximenes da Silva para o Nossa Ciência, relembrando a trajetória das mulheres na ciência brasileira
Na clássica foto da Conferência de física de Solvay de 19271 observamos apenas uma única mulher entre vários homens cientistas. Esta se chamava Marie Curie2, cientista polonesa com naturalização francesa, que além de ter sido a primeira mulher a lecionar na universidade de Sorbonne, foi laureada duas vezes com o prêmio Nobel. No primeiro, trabalhou junto com seu marido e recebeu o prêmio de física, e após sua morte, conquistou o Nobel de química. Ela filha de professores, sempre foi incentivada por seu pai, Wladyslaw, a aprofundar nos estudos e a cultivar o interesse pela ciência. No entanto, apesar do grande feito de ganhar duas vezes o prêmio, apenas 48 mulheres conquistaram o nobel no total de 881 indivíduos que ganharam desde sua concepção em 19013. Esta diferença já notada em premiações foi constatada por um estudo recente, em que pesquisadores de Yale4 publicaram um estudo mostrando que físicos, químicos e biólogos tendem a aprovar de forma mais positiva a seleção de um homem cientista do que de uma mulher, com as mesmas qualificações. Interessante notar, que tanto professores quanto professoras optavam mais pela seleção de estudantes do gênero masculino do que feminino, além de oferecerem também um maior salário a eles. De acordo com os resultados, ambos os “contratantes” julgavam as estudantes menos competentes do que os estudantes.
No Brasil, um estudo realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE)5 observou que além do número de doutores ter quase triplicado em 12 anos, as mulheres brasileiras passaram a ser maioria a partir de 2004, sendo 51% do total. Conforme este estudo, o Brasil é pioneiro na obtenção deste feito, indicando assim um grande crescimento de mulheres com alto grau de escolaridade. Outra pesquisa mais recente6, gerada de informações coletadas da Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), também indicou crescimento da participação feminina na formação acadêmica e na realização de pesquisas científicas. Dentre as pesquisadoras brasileiras cadastradas observa-se o desenvolvimento de Teses predominantemente nas áreas de Ciências Biológicas, Ciências da Saúde e Ciências Humanas; sendo a área de Engenharias em menor número. Mas embora os dados do CNPq entre 2001 e 2015 indiquem que as bolsas de Doutorado e Pós-doutorado tenham uma distribuição igualitária entre os gêneros, quando se avalia em relação aos bolsistas de Produtividade em Pesquisa*, apenas um terço é destinado às mulheres7. De fato, conforme o primeiro levantamento realizado pelo CGEE5, o viés de gênero favorecendo o masculino, que estão em maior número (52,7%) no mercado de trabalho do que as mulheres doutoras (47,3%) já era observado. Os últimos censos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP-MEC)8 indicaram que apesar da educação ser a principal fonte de emprego dos doutores, são os homens a maioria dos contratados; este fato pode ser facilmente observado em cargos administrativos e de maior projeção, tais como diretores e reitores de universidades.
Estes estudos revelam que apesar dos esforços empreendidos para estimular a participação das mulheres nas áreas de Ciência, Tecnologia e Inovação, as posições de liderança científica, quer sejam avaliadas pelo critério produtivista das agências de pesquisa, quer pela inserção de mulheres em postos de direção, ainda precisam ser grandemente melhorados e apoiados pela comunidade acadêmica e pela sociedade em geral. Os motivos que levam a essa inequidade entre os gêneros em posições de destaque e comando na Ciência, Tecnologia e Inovação podem ser atribuídos a uma chegada quantitativamente mais tardia do gênero feminino nestas áreas, associada à falta de incentivos que permitam a pesquisadora conciliar sua carreira acadêmica com a maternidade, e igualmente à cultura sexista que exclui e limita a participação efetiva de um maior número de mulheres em áreas científicas.
Nos últimos anos foram constatados alguns avanços para promover a visibilidade e a participação das mulheres na ciência, por exemplo, através do Programa do Governo Federal denominado Mulheres e Ciência, cujos objetivos são “estimular a produção científica e a reflexão acerca das relações de gênero, mulheres e feminismos no País; promover a participação das mulheres no campo das ciências e carreiras acadêmicas”9. No entanto, mais programas e maior investimento na educação e pesquisa serão necessários para promover a inserção de pesquisadoras em todas as áreas do conhecimento, particularmente pontuando objetivos para que o desenvolvimento científico alcance todas as regiões do Brasil, onde apenas 9,08% das Teses de Doutorado foram desenvolvidas em Universidades do Nordeste, a região Sudeste sendo responsável por 64,34% da formação das doutoras no Brasil6.
Apesar de algumas pesquisas indicarem que homens e mulheres tenham pequenas diferenças em domínios cognitivos, com homens se destacando mais em tarefas visuoespaciais e mulheres em tarefas verbais, evidências científicas que comprovem maior aptidão masculina para a matemática e ciência são pequenas ou inexistentes4. Desta forma, sugerimos que a menor participação de mulheres na produtividade em pesquisa, mesmo com o grande crescimento do número de doutoras da última década, deve-se ao abandono de suas carreiras, mesmo sendo qualificadas para tal. Se isto ocorre devido o tratamento desigual recebido por elas pelas “políticas acadêmicas” ou se por escolha influenciada, como por exemplo, pelo casamento e a maternidade, mais investigações deverão ser realizadas. Mas na prática, assim como o professor Wladyslaw, se o estímulo à ciência iniciar dentro dos lares, com pais incentivando seus filhos e filhas à leitura e à ciência, estaremos despertando em cada um o desejo pelo conhecimento, e quiçá pelo surgimento de um cientista em seu lar.
*É uma bolsa destinada aos pesquisadores que se destaquem entre seus pares
Luciane de Souza é doutora, pesquisadora do programa de Desenvolvimento Científico Regional (DCR/CNPq-FAPEAL) – Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Adriana Ximenes da Silva é doutora, professora associada de Fisiologia do Instituto de Ciências Biomédicas e da Saúde (ICBS) – UFAL.
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