Quatro universidades nordestinas estão entre as 30 mais produtivas
A América Latina, apesar de contribuir com uma parcela menor na pesquisa global em comparação com outras regiões em números absolutos, é três vezes mais ativa em pesquisa sobre biodiversidade do que a média global. Ou seja, proporcionalmente à sua produção científica considerando todas as áreas de estudo, os latino-americanos dedicam uma atenção significativamente maior à biodiversidade. É o que revela novo relatório da editora acadêmica Elsevier publicado nesta terça (15).
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Segundo o levantamento, a América Latina é responsável por 11% da produção científica mundial em biodiversidade, com Brasil e México como os principais expoentes, respondendo por 58% da pesquisa latino-americana. Entre as 30 universidades mais produtivas em biodiversidade na América Latina, 20 são do Brasil e dessas, 4 são do Nordeste.
Nossa Ciência conversou com pesquisadores do Programa de Pós Graduação em Ecologia (PPgEco) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) para uma avaliação desses indicadores.
Para Alexandre Souza, professor associado do PPgEco e do Curso de Ecologia, alguns fatores importantes levam o Brasil a ter uma produção muito relevante na área de biodiversidade. Um desses fatores é a política nacional de fomento à pesquisa e formação de programas de pós-graduação que vem ocorrendo no Brasil a partir da década de 90 do Século passado. Esses programas de pós-graduação com seus professores pesquisadores e bolsas de mestrado e doutorado se multiplicaram pelo país atendendo a necessidade de formação de pessoal de nível superior na área de Ecologia e Conservação da Biodiversidade. “Completar os estudos da graduação fazendo pesquisas em nível de mestrado e doutorado passou inclusive a ser um relevante caminho de ascensão social para muitos alunos”, garante.
Outro aspecto desatacado pelo pesquisador é o fato de o Ministério da Educação também ter passado pelo que ele chama de uma mudança de cultura. O velho modelo de produção científica monográfico e descritivo do passado foi substituído por um modelo de produção voltado para artigos científicos, inclusive internacionais. “O formato das teses de doutorado e dissertações de mestrado hoje em dia, por exemplo, já ocorrem muitas vezes no formato de capítulos das revistas científicas. Isso tudo ajudou a criar uma cultura de publicação de artigos que não existia tanto antes”, esclarece.
Além disso, reforça, é importante lembrar que o Brasil é um país campeão em biodiversidade sendo um dos países chamados megadiversos em escala global. “Portanto, temos um campo muito vasto e estimulante para descobertas nesta área que permite que pessoas em diferentes pontos do país façam descobertas diferentes ao mesmo tempo”, afirma.
É semelhante a opinião de Juliana Deo Dias, também professora adjunta do PPgEco e lotada no Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFRN. O Brasil na condição de detentor da maior biodiversidade no planeta, desperta o interesse dos pesquisadores brasileiros e de todo o mundo. “A maior parte da biodiversidade brasileira ainda permanece desconhecida apesar de estar sob constantes ameaças, por exemplo, pelas mudanças relacionadas ao clima, desmatamento, queimadas e superexploração, gerando uma necessidade de entender e mitigar os impactos dessas ameaças”, relata.
A pesquisadora acrescenta que a maior parte da produção científica no Brasil é concentrada nos programas de pós-graduação e que a área de Biodiversidade é uma das maiores áreas de avaliação na CAPES. “São 140 programas de pós-graduação nessa área espalhados por todas as regiões brasileiras, contribuindo significativamente para o fortalecimento da pesquisa científica”. Dias sabe bem do que está falando, ela é coordenadora adjunta de todos os programas de pós-graduação do Brasil da área de Biodiversidade na Capes.
Na lista das mais bem colocadas estão as universidades federais de Pernambuco (UFPE – 12ª colocação), da Paraíba (UFPB – 20ª), do Rio Grande do Norte (UFRN – 22ª) e da Bahia (UFBA – 29) figuram entre as mais produtivas em biodiversidade. Além da graduação e do PPG em Ecologia, a UFRN tem atualmente uma graduação em Ciências Biológicas.
A UFRN está nessa lista devido à biodiversidade e os serviços ecossistêmicos prestados pelos seus diferentes ecossistemas, como Caatinga, Manguezal e reservatórios de água doce do Rio Grande do Norte. É o que afirma a professora Dias.
“Além disso, destacam-se a formação de pesquisadores e a produção científica de excelência dos programas de pós-graduação em Ecologia (nota máxima na Capes) e Sistemática e Evolução (nota 5) da UFRN”, relata.
Para o professor Souza, a UFRN tem um grande mérito nessa trajetória porque abraçou a todas as oportunidades que surgiram de crescimento e expansão ao longo das últimas décadas, como, por exemplo, o programa REUNI. Este programa foi uma iniciativa do governo federal brasileiro que visava ampliar o acesso à educação superior. No Rio Grande do Norte o REUNI foi muito bem sucedido, garantindo recursos para a contratação de muitos professores especialistas na área de biodiversidade. “A UFRN se tornou um polo nacional de produção científica de alta qualidade nesta área nos últimos anos”, comemora.
Mas o professor ressalta que esses indicadores são “mérito de toda a comunidade de pesquisadores de todas as áreas inclusive na área ambiental diante dos maciços cortes de recursos que aconteceram entre os anos 2016 e 2022, que prejudicaram muito este processo de crescimento”, desabafa.
Porém nem todas as notícias são boas. Apesar dos dados apresentados, Alexandre Souza lamenta o subfinanciamento crônico por que passa a pesquisa em Biodiversidade no Brasil e mais agudamente ainda no Rio Grande do Norte.
Na repartição de responsabilidades entre os entes federativos, são exigidos dos governos estaduais contrapartidas em geral de 25% dos valores repassados pelo governo federal. No Rio Grande do Norte, no entanto, a Fapern é quase ausente, o que inviabiliza o acesso dos pesquisadores potiguares, por exemplo, em Programas de Pesquisa de Longa Duração (Peld), nos programas articulados entre vários pesquisadores e também no aumento de bolsas de pós-doutorado, que são estratégicas para obter bons resultados em projetos de pesquisa de maior dimensão.
O pesquisador entende que o ideal seria que o RN destinasse um percentual do seu orçamento maior do que a atual para financiar a pesquisa no estado através da Fapern. Ele cita o estado de São Paulo como um bom exemplo. Há mais de 50 anos, 1% do orçamento do estado é destinado por lei à Fapesp. “Os grupos que governam o Rio Grande do Norte de diferentes partidos precisam ver a pesquisa científica como um motor de desenvolvimento social e ambiental do estado, jamais como um luxo ou uma curiosidade ou algo externo aos interesses do povo potiguar. É importante lembrar que as pesquisas científicas na área de Ecologia e Biodiversidade fazem parte das soluções para os problemas socioambientais do estado”, ressalta.
Para a pesquisadora, é preciso investimento público e privado para a aquisição de equipamentos modernos, melhoria da infraestrutura de laboratórios e fomento a realização de coletas em campo ou experimentos. Todos esses fatores podem contribuir para melhorar ainda mais a produção científica, tanto em quantidade, quanto em qualidade.
Ela garante que é preciso também investir na formação de pesquisadores na área de Biodiversidade e na manutenção dos jovens cientistas atuando no Brasil. “Além de investimento em ações de internacionalização que possibilitam que parcerias possam ser estabelecidas aumentando a visibilidade das pesquisas realizada no Brasil e possibilitando acesso a recursos e financiamento”, enumera.
O estudo baseou-se na análise da produção científica de diferentes países e regiões, utilizando indicadores como o número de publicações e citações em periódicos acadêmicos. A metodologia considerou também a participação em colaborações internacionais, um aspecto crucial para a pesquisa em biodiversidade.
A Europa contribui com 32% de toda a pesquisa em biodiversidade, muito à frente de Estados Unidos e Canadá (17%) e do Leste Asiático (16%, incluindo a China). Em termos relativos, além da América Latina, também se destaca a África, que publica duas vezes a média global.
A pesquisa em biodiversidade tem um impacto significativo na formulação de políticas ambientais globais. Esses trabalhos são citados em 10% dos documentos de políticas, o que é três vezes maior do que para pesquisas em todas as disciplinas. Destacam-se neste quesito a Austrália (com 20%) e os Estados Unidos e Canadá (com 15%). Na América Latina, 8,5% das pesquisas em biodiversidade são citadas em documentos de políticas, substancialmente superior aos 3,7% de todas as pesquisas originadas da região.
A América Latina está em uma posição única para liderar os esforços globais de conservação, avalia o pesquisador Mauro Galetti, do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças Climáticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Com a maior diversidade biológica do planeta, os pesquisadores latino-americanos são essenciais para o desenvolvimento de novas políticas que protejam efetivamente essa biodiversidade inestimável”, comenta.
O relatório antecipa as discussões previstas para a COP 16 de Biodiversidade, que ocorrerá em Cali, na Colômbia, a partir de 21 de outubro, sobre o papel da América Latina na produção de conhecimento nessa área. “É uma ótima notícia que a pesquisa em biodiversidade na América Latina reflita a riqueza da natureza da região. O grau de citação em políticas públicas acima da média geral também é algo a ser celebrado, trazendo a esperança de uma crescente conscientização pela sustentabilidade, tão necessária”, completa Dante Cid, vice-presidente de Relações Acadêmicas da América Latina da editora Elsevier.
Mônica Costa, com informações da Agência Bori
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