A afirmação é da reitora Margareth Diniz, que ao lado da vice Bernardina Freire (dir), forma a reitoria da UFPB que é feminina em dose dupla
Nessa semana especial em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, Nossa Ciência destaca mais uma reitora que atua no nordeste: Margareth de Fátima Formiga Melo Diniz, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Ela é graduada em Farmácia (1981) e Medicina (1987) pela UFPB, tem mestrado e doutorado em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos também pela Federal da Paraíba (2000) e pós-doutorado pela Rede Nordeste de Biotecnologia -RENORBIO. Além de seu lado acadêmico, é Professora Titular da UFPB, Margareth Diniz pesquisa e orienta mestrado e doutorado na área de Farmacologia. Ela faz parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Fármacos (INCT – INOFAR/UFRJ), é membro da International Society for the Promotion of Health Technology Assessment – HTA e do Conselho Administrativo da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) representando a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior). Nessa entrevista, Margareth Diniz fala dos desafios de ser a primeira reitora numa instituição com mais de 60 anos de fundação.
Nossa Ciência – Com 60 anos de fundação, a UFPB tem na senhora a primeira reitora. Como é ser gestora de uma universidade tão importante e tão longeva como essa?
Margareth Diniz – Para mim é de grande importância e para a instituição também. O fato de eu ser mulher, uma pesquisadora do CNPq, uma pessoa que conseguiu juntar a parte administrativa com a parte acadêmica no seu dia-a-dia, isso fez a diferença. Nós já tivemos 18 reitores anteriores e agora eu faço parte dessa 19ª gestão da instituição. Mas é uma instituição predominantemente de mulheres, nós temos cerca de 30 mil estudantes, cerca de 54% são do sexo feminino, dos servidores técnico administrativos nós temos praticamente metade e dos professores também. Então eu digo que agora é uma mulher representando a maioria do segmento universitário da UFPB.
NC– A senhora está no segundo mandato. Que característica destacaria na sua gestão do ponto de vista acadêmico e administrativo? Qual é o grande marco da “administração Margareth”?
MD – Nós fizemos na universidade uma reorganização acadêmica. Hoje, temos novos processos no ordenamento acadêmico na graduação, na pós-graduação, novas resoluções. Criamos novos cursos de pós-graduação, alavancamos os conceitos desses cursos. Na pesquisa somos referência em nível nacional, por exemplo, a Finep é um órgão de fomento à pesquisa, ao longo dos últimos quatro anos e nos últimos editais da Finep nós somos primeiro lugar no nordeste, quinto no Brasil. Na extensão, ao longo dos últimos quatro anos, no Proext que é um edital nacional, nós somos primeiro lugar em obtenção de recursos e em número de projetos em nível nacional. Criamos a Agência de Inovação Tecnológica, resgatamos o antigo Laboratório de Tecnologia Farmacêutica que era uma referência internacional e que foi extinto pelo antigo reitor, criamos o Instituto de Desenvolvimento em Fármacos e Medicamentos. Então, acho que esse reordenamento do banco de professor equivalente, do banco de servidores foi importante. Quando chegamos aqui não tínhamos crédito nem códigos para que o nosso professor pudesse sair para fazer mestrado e doutorado. Hoje, qualquer professor da UFPB que queira sair para fazer mestrado, doutorado ou pós-doutorado, tem a garantia de um professor substituto. Então, essa é a dedicação de uma equipe, é um trabalho coletivo, de pessoas que tem o compromisso com a educação, com a instituição e por isso ela vem dando certo.
NC – A UFPB tem três patentes. No Brasil, a indústria e a academia não se falam, como a senhora lê essa realidade, concorda que há esse distanciamento?
MD – Concordo, mas digo que é preciso desmistificar essa questão da relação público-privada. Hoje, no mundo inteiro tem três letrinhas – ppp – parceria público privada que é de grande importância para o desenvolvimento da inovação tecnológica das universidades como um todo. Nós temos várias parcerias e convênios com instituições privadas, é preciso que se derrube o muro das instituições e levemos tudo o que é aqui produzido para a sociedade. Eu sempre brinco dizendo que não tem a menor graça se o que a gente produz e põe no nosso lattes para que a gente continue pesquisador do CNPq, para que a gente continue recebendo recursos dos órgãos de fomento, se isso não servir para a sociedade. Então, esse é o trabalho da nossa agência, da nossa assessoria internacional, é buscar as parcerias e os convênios em nível nacional e internacional com as instituições privadas para que juntos possamos entregar à sociedade o produto que é criado, feito, que nasce no bojo da instituição.
NC – A senhora se mantém bastante atuante na carreira de pesquisadora, inclusive com orientações de mestrado e doutorado. Como concilia a função de gestora com a de pesquisadora?
MD – Eu sou farmacêutica e médica, mas fiz uma opção na minha vida profissional pela academia, na universidade. Aqui, na nossa instituição, eu fui diretora do Hospital Universitário por oito anos, fui diretora do maior centro, a época, que é o Centro de Ciências da Saúde, durante oito anos. Estou aqui na segunda gestão da reitoria, continuo sendo pesquisadora do CNPq, conseguimos implantar um programa de educação tutorial, o PET, que é bem exitoso no nosso centro. Já orientei mais de 40 doutores, sou casada, tenho uma filha especial e digo que dá tempo de conciliar, é só objetivar, colocar as coisas dentro de um planejamento, que tudo vai acontecendo e dando certo. Eu sou bem realizada no que faço, na minha vida pessoal e profissional.
NC – A sua condição de ser mulher interfere ou orienta sua atividade de gestora? Em quais aspectos?
MD – Claro que interfere, interfere para os dois lados: o bom e o ruim. No lado ruim, na época (na primeira gestão) nós sofremos misoginia, discriminação e agora nessa segunda gestão em que a vice-reitora também é mulher, o que me incomoda é que os órgãos que defendem os direitos, que defendem as mulheres, os direitos humanos, as minorias, não se pronunciaram em favor dessa dupla de mulheres. É preciso que o discurso que se faz de defender, de participar, que ele saia do papel e vá efetivamente para a prática. A visão da mulher, você ser uma profissional que se desdobra em “n” atividades, essa visão, essa humanização, esse trato também se reflete no dia-a-dia da gestão.
NC – A UFPB tem dados sobre a participação de mulheres na pesquisa dentro da universidade? Em caso positivo, como avalia isso?
MD – Em questão de bolsas de produtividade, que são as bolsas do CNPq, sobressai um quantitativo masculino ainda, mas em nossas bolsas de iniciação científica a gente tem isso mais ou menos equivalente, masculino e feminino, e olha que temos mais de mil bolsas de iniciação científica. Nós somos uma universidade em que a própria instituição financia mais cotas de iniciação científica no mesmo valor do CNPq do que o próprio CNPq, daí esse quantitativo, de estudantes do sexo masculino e feminino, ser mais ou menos equivalente aqui na nossa universidade. Pela própria contextualização do país essa questão do feminino ainda tem várias nuances: são meninas que engravidam e não tem onde deixar os bebês, elas tem outra responsabilidade, as vezes o marido não ganha o suficiente para que ela possa continuar estudando e também tem que estudar. E daí, de fato, há fatores que interferem verdadeiramente no dia-a-dia. Mas, acho que com a evolução, a criação das creches nas universidades, com as bolsas, nós temos hoje bolsa para estudantes carentes. O perfil hoje dos estudantes das universidades federais é bem diferente, antes do Reuni, da expansão das universidades. Nós vamos conseguir fazer a inserção de muitas mulheres pelo potencial que elas tem, de dedicação, de tudo.
NC – Que ações afirmativas em favor da mulher a UFPB tem realizado?
MD – Criamos na nossa gestão a bolsa creche para os estudantes. Nós temos inclusive uma escola de Educação Básica, com mais de 100 crianças, filhos de servidores ou de estudantes da UFPB. E estamos trabalhando para aprimorar isso, nós a princípio tínhamos uma creche, hoje temos o Ensino Fundamental I e isso permite que as mães possam deixar suas crianças lá. Mas, além disso, temos aqueles que são atendidos pelo PNAE – Programa Nacional de Assistência Estudantil, a gente tem bolsas para os estudantes, que é a nossa bolsa creche.
NC – Quais são os grandes desafios que a senhora ainda considera para sua gestão?
MD – Desafio é que nós pretendemos internacionalizar a universidade. É preciso que a gente abra os horizontes. É preciso que professores, servidores e estudantes possam fazer intercâmbio fora do país, vivenciar outras culturas e voltar para o Brasil e trazer a inovação possível de ser feita aqui no nosso país. Eu tenho insistido muito em fazer muitos convênios com boas universidades, que a gente possa apoiar e participar efetivamente da ida de professores para cursos de pós-graduação fora do país ou em universidades de ponta dentro do próprio país para que tenhamos uma universidade diferenciada, uma universidade de referência. Para que a gente possa entregar um profissional extremamente competente, porque o mundo está tão competitivo que se você não tiver um diferencial, aqui na universidade, para que ele chegue para competir no mercado bem qualificado, isso faz toda a diferença. E nós estamos trabalhando nesse propósito e principalmente formando cidadãos, é preciso que a gente veja a parte acadêmica, mas também veja isso. A extensão na nossa universidade é muito forte e estamos batalhando, por incrível que pareça na matriz orçamentária das universidades a extensão não conta. Apesar do MEC ter um programa, o Proext, de abrir editais para projetos de extensão, a matriz orçamentária das universidades nós não recebemos para fazer extensão. Essa é uma reivindicação que nós lutamos há algum tempo e espero que tenhamos êxito.
Hoje já somos 21 mulheres a frente de universidades brasileiras, um quantitativo bem significativo e que tem feito a diferença. Tanto que nas duas últimas gestões da Andifes as presidentes são reitoras, foi a professora Maria Lúcia, do Mato Grosso e agora a professora Ângela Cruz da UFRN. Isso é bacana, pois até pouco tempo o quantitativo era só masculino. Estamos caminhando, estamos unidas, queremos a parceria com os homens, mas na nossa visão é preciso fazer uma maior inserção das mulheres na educação, na política, para que a gente consiga dar os encaminhamentos que se quer.
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