Do conceito à ação: o poder dos protótipos e objetos de fronteira Disruptiva

quinta-feira, 10 outubro 2024

Clientes articulam melhor suas necessidades interagindo com protótipos

Proponho a seguinte hipótese: O início de qualquer empreendimento não se dá pela ideia, mas sim por um protótipo. Uma ideia, ou mesmo um conjunto extenso delas, possui o mesmo valor: nenhum.

Por que acredito nisso? A resposta é simples e pode ser dada com outra pergunta: Quão flexível ou rígida é uma ideia? Por outro lado, se tivermos algo concreto para avaliar, a situação assume outra dimensão. Esse algo é uma ideia materializada. Esse algo é um objeto de fronteira. A Aula Condensada (AC) de hoje tem esse objetivo: convencer você desse meu lema.

Ideia

No contexto da inovação, uma ideia é o ponto de partida para o desenvolvimento de novos produtos, serviços, processos, times ou modelos de negócio. O velhoP2S3, lembra? É uma concepção inicial que surge da criatividade negocial e da capacidade de pensar de forma diferente, desafiando o status quo.

Entretanto, a ideia por si só não é suficiente para ser uma inovação; ela precisa ser implementada e gerar valor significativo para o negócio ou para a sociedade. Trocando em miúdos, uma ideia se transforma em inovação quando é acompanhada de um bom modelo de negócios, o que pode resultar em melhorias tangíveis, como aumento de eficiência, redução de custos, ou satisfação de necessidades não atendidas.

Assim, pra que uma ideia tenha força, ela precisa ser “tangibilizada”. Em outras palavras, ela tem de poder ser sentida e compreendida por outras pessoas. E aí que entra o B.O. Não o boletim de ocorrências, mas o boundary object.

Conceito formal de B.O.: Objeto de Fronteira

Adaptando o conceito de objetos de fronteira conforme descrito em “Boundary Object: Reflections on the Origin of a Concept”:

“Em sociologia e estudos de ciência e tecnologia, um ‘Boundary Object’ (objeto de fronteira) é um modelo de informação utilizado de maneiras distintas por diferentes comunidades para facilitar a colaboração em diversas escalas. Esses objetos são plásticos, ou seja, adaptáveis às necessidades e restrições locais das várias partes envolvidas, mas também robustos o suficiente para manter uma identidade comum em diferentes contextos. Eles podem ser tanto abstratos quanto concretos. A interpretação desses objetos varia entre diferentes mundos sociais, mas sua estrutura é suficientemente comum para permitir a tradução e a coordenação entre esses mundos”.

Um exemplo de objeto de fronteira se dá no uso de espécimes, anotações de campo e mapas em diversos contextos. Por exemplo, tanto colecionadores amadores quanto profissionais de museus podem utilizar um mapa de um território, embora com objetivos bastante distintos. Essa flexibilidade interpretativa é o que caracteriza esses objetos como “boundary objects”.

Coerência

Esses objetos desempenham um papel crucial no desenvolvimento e na manutenção da coerência entre diferentes mundos sociais. Eles possibilitam a coordenação sem a necessidade de consenso, permitindo que a compreensão local de um ator seja recontextualizada em uma atividade coletiva mais ampla. Além disso, os “boundary objects” têm a capacidade de conectar diferentes comunidades, facilitando a colaboração em tarefas comuns.

Assim, os “boundary objects” são uma espécie de ponte entre diferentes grupos, permitindo que eles trabalhem juntos, mesmo quando suas perspectivas e objetivos são distintos. “E então, para começarmos a realizar iterações e interações, precisamos ou não de algo, de um objeto de fronteira? Precisamos ou não de um protótipo?”.

Dessa forma se dá o início de um negócio. A plasticidade das ideias é necessária para qualquer começo, mas ela constrói mundos muito instáveis. Com objetos de fronteiras em mãos, podemos eleger por qual tijolo começar a construção. Por qual elemento podemos reprototipar tudo.

Prototipe para coletar especificações

Um equívoco que a geração pré-startup cometia estava na sequência de desenvolvimento de um produto: elegiam uma ideia, colhiam especificações e desenvolviam o produto. Observe que nesse modo de operação, nas reuniões com clientes, os desenvolvedores debatiam e discutiam com o cliente apenas os requisitos que impunham – e somente esses requisitos. Como consequência, quem desenvolvia aumentava enormemente a probabilidade de enviesar a produção.

Mas, e se os desenvolvedores, com base apenas em ideias incipientes levantadas pelo cliente, iniciassem o desenvolvimento rápido de um objeto de fronteira, com o objetivo de apresentar ao cliente como um protótipo preliminar em, digamos, quinze dias, o que aconteceria?

Respondo: seria muito mais fácil para os clientes articularem suas necessidades interagindo com protótipos do que enumerando requisitos. A metáfora é simples: as pessoas não pedem ingredientes de um menu; elas pedem refeições. Um protótipo preliminar (objeto de fronteira) pode ser sentido e compreendido; é um meio de codesenvolvimento com o cliente.

Proprietários

Assim, em vez de um protótipo orientado por especificações, o resultado são especificações orientadas por protótipos. Os clientes são capazes de demonstrar e interagir com o que desejam, não apenas a descrevê-lo.

Repetidamente, essa abordagem alcança resultados produtivos, economizando tempo e dinheiro, ao mesmo tempo em que eleva o moral de todos os envolvidos. Clientes que interagem com objetos de fronteira sentem-se “proprietários” do que virá a se tornar o produto final, praticamente eliminando a rejeição de “seu projeto”. Todos são mais propensos a colaborar quando têm um objeto de fronteira em mãos.

Como de costume, transformei o texto acima em um objeto de fronteira na forma de um desenho. Para mim, um desenho é um dos melhores e mais acessíveis objetos de fronteira que temos. Diga se não ficou muito mais fácil passar a ideia deste parágrafo numa imagem do que em todos os caracteres que utilizei?

Objeto de fronteira representando o ciclo “especificação orientada por protótipo”.

Finalizando

Em questões de negócios, até os sociais, busque primeiro criar objetos de fronteira, seja na forma de protótipos ou simulações (físicas ou virtuais), e não do modo contrário, para ter sentimento do que virá por aí. A operação reduzirá drasticamente o tempo e o custo envolvidos, e aumentará a confiabilidade dos resultados. Você deve dar início a qualquer conversa – ou solução – utilizando ideias, claro. Mas elas, por si só, têm pouco valor, pois são flexíveis e abstratas. Porém quando materializadas, tornam-se concretas e avaliáveis, facilitando a colaboração e a compreensão.

Um protótipo sempre inicia a construção de qualquer negócio, e um objeto de fronteira dá origem a esse protótipo. De maneira peremptória, indelével e aplicada a qualquer área, acredite em mim quando escrevo que contra protótipos, não há argumentos! E mais: seu futuro como inovador(a) terá de passar por um B.O., um objeto de fronteira!

Leia o texto anterior: Quero meu produto completo

Gláucio Brandão é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e gerente executivo da incubadora inPACTA (ECT-UFRN)

Gláucio Brandão

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