Jornalista Dal Marcondes propõe movimento da empatia universal para salvar a vida humana
Entrevista com Dal Marcondes, presidente da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental. É também diretor executivo e diretor chefe da Agência Envolverde, que tem por missão ampliar o conhecimento social da sustentabilidade através do Jornalismo e da comunicação. A conversa ocorreu por ocasião do 8º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, realizado em Fortaleza (CE), de 19 a 21 de setembro.
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Dal atuou em grandes empresas de comunicação em São Paulo e desde o começo do Século tem se dedicado à cobertura jornalística de meio ambiente. Nessa entrevista, o jornalista fala dos grandes problemas que envolvem o planeta, mas se diz otimista. Para ele, a humanidade será capaz de resolver os problemas que são capazes de extinguir a sua própria existência.
Nossa Ciência: Há pelo menos 32 anos, desde a Eco 92, a sociedade vem sendo avisada de que estamos em condições perigosas no planeta. O Jornalismo falhou, ele não conseguiu alertar a população?
Dal Marcondes: Acho que o Jornalismo até tentou avisar, alertar. Teve grandes jornalistas que trabalharam em grandes jornais e conseguiram mobilizar um pouco a sociedade, mas, principalmente, conseguiram mobilizar outros jornalistas a atualizar essa pauta. O Randau Marques, por exemplo, começou com a cobertura ambiental nos anos 70, ainda antes da Eco 92. O Washington Novaes fez um trabalho maravilhoso, mas o Jornalismo foi uma voz solitária nessa busca pela conscientização da sociedade em relação às mudanças climáticas, à perda de biodiversidade, a todos esses problemas ambientais que hoje se tornaram problemas agudos. Tem aquilo que já se chama de uma tragédia de muitas perdas de biodiversidade, poluição de ecossistemas, perda de florestas, poluição das águas, mudanças climáticas, o antropoceno, como os cientistas gostam de definir.
Precisamos de uma explosão de disrupção que vai transformar a humanidade em uma outra coisa.
Da mesma forma que os jornalistas não conseguiram se mobilizar o suficiente e não formaram uma massa crítica suficiente para atingir a grande parte da sociedade, da economia e do poder político, a ciência também não conseguiu. Porque esse alerta vem sendo dado por cientistas há mais de 50 anos. Nem começou na Rio 92.
Temos os primeiros grandes alertas dos anos 60, com o livro A Primavera Silenciosa, da Rachel Carlson, que detectou que o uso de pesticidas estava acabando com pássaros, com insetos e pássaros. Foi publicado em 1962. A pesquisa foi feita nos anos 50.
Então, estamos com aproximadamente 60, 70 anos de alertas que estão sendo feitos sucessivamente e cada vez com maior intensidade.
NC: É possível reverter a situação atual?
DM: Agora, o alerta é da própria natureza. É o planeta que está dizendo que não dá mais. Nesse momento, temos incêndios e secas no Brasil, tivemos as enchentes na região sul, tem um incêndio enorme em Portugal, a Europa Central está alagada, a Califórnia está pegando fogo, ou seja, não é mais uma coisa localizada aqui e ali. Há tem um desequilíbrio planetário, a Sibéria tem temperaturas acima de 30 graus, teve temperaturas na Antártida acima de 20 graus. Então, são coisas que eram impensáveis há 20, 30 anos.
A Amazônia, que é uma floresta úmida, que, apesar de ter a questão do fogo há muito tempo, era diferente. O fogo que tinha na Amazônia era o fogo de que se derrubava uma parte da mata, deixava secar e punha fogo para limpar o terreno. O fogo não penetrava na mata, porque a mata era úmida, a floresta era úmida.
Hoje, a floresta amazônica está pegando fogo, ela não tem mais a umidade necessária para bloquear o fogo. Os rios amazônicos, que são rios verdadeiros mares de água doce escorrendo pela floresta, estão secos. Rios que, normalmente, de uma margem se não enxergava a outra, se transformaram em córregos. E alguns nem isso. Então, o nosso papel hoje como jornalista mudou, não é mais o papel de conscientizar. Isso a natureza já está fazendo, ela não precisa mais da nossa voz, ela tem a voz dela nesse momento.
O que o Jornalismo e a Ciência precisam fazer agora é promover a resiliência e a regeneração. O modelo de desenvolvimento político-econômico que a humanidade adotou nos últimos, 200, 300 anos, conseguiu resolver questões incríveis. A ciência que temos hoje se aproxima da mágica.
NC: Isso quer dizer que a sociedade industrial deu certo?
DM: Tanto a ciência, como a economia, como o mundo político, só conseguiu resolver mais ou menos plenamente os problemas de um terço da população planetária. Dos oito bilhões de pessoas, só três bilhões têm os seus direitos considerados universais mais ou menos supridos. Um terço tem uma ou outra pauta de direitos, ou não tem educação, ou não tem alimentação, ou não tem habitação. Um terço da humanidade não tem direito nenhum, é absolutamente fragilizado frente às questões ambientais, climáticas, econômicas, políticas.
Eles são quase considerados não humanos. Eles são invisíveis e, mesmo quando aparecem em horário nobre na televisão, é como se fosse um objeto de ficção. (Tem a notícia de que) um barquinho que estava trazendo refugiados climáticos afundou no meio do Mediterrâneo e morreram 80 pessoas. Aquilo é uma coisa que as pessoas não são capazes de elaborar.
Não estamos preparados para elaborar o que fazer com esse terço da humanidade. Agora há pouco, por exemplo, em uma das palestras, um professor economista estava dizendo que o mercado financeiro é capaz de resolver alguns problemas através da financeirização de processos de assistência, de forma que você crie modelos de negócios, por exemplo, com resíduos que você investe e aquele resíduo vai trazer um retorno financeiro. É ótimo, só que mais de um terço das questões a serem resolvidas não são resolvidas nem a partir da financeirização e nem a partir da dotação de verbas do poder público.
Se colocar em uma equação, por exemplo, tem três terços. O terço que já está resolvido, o terço que tem já uma parte dos problemas resolvidos e o terço que não tem nada. Então tem um terço que o capital privado resolve, ajuda. Tem um terço que o capital público, aliado ou não ao capital privado, vai acabar resolvendo. E tem um terço que nenhum desses dois capitais resolve.
Eu sou otimista, eu me obrigo a ser por que a gente tem uma responsabilidade com o futuro.
NC: De onde virão os recursos para resolver essa questão desse terço invisível?
DM: É uma questão de consciência social. A sociedade tem que se mobilizar e dizer que queremos que um terço de tudo o que se produz vá para lá. Porque, enquanto não resolvemos isso, não poderemos nos considerar uma espécie civilizada.
NC: Como resolver na perspectiva jornalística? Como o Jornalismo pode mediar, usando o termo que foi usado ali, essa situação social?
DM: O Jornalismo precisa entender que o papel dele mudou. O papel do Jornalismo não é mais relatar o fato ocorrido. Isso ainda acontece, mas o papel do Jornalismo é a busca permanente pela inovação disruptiva, que é capaz de resolver uma situação que antes não tínhamos a percepção dela. O jornalista tem de estar muito mais preparado para lidar com a ciência, com a economia, para lidar com o fato não facilmente percebido. Porque a maioria das soluções virão daí, virão de eventos disruptivos.
Até um determinado momento, um computador era uma coisa de grandes corporações e governos que ficavam dentro de prédios e eram enormes. De repente, um bando de garotos entra em uma garagem e transforma o computador em um eletrodoméstico. Aí vem um outro cara e enfia um cabo de telefone nesse computador e o transforma em um ponto de uma rede universal e a internet vira uma realidade global. Isso foi absolutamente disruptivo.
Então, tem elementos disruptivos que são capazes de transformar uma civilização. E, normalmente, eles não são previsíveis. E, como não são previsíveis, não se consegue planejá-los.
Mas tem uma coisa que dá para fazer. Dá para transformar, dá para oferecer o máximo de ciência e informação para a sociedade. Porque, a partir desse máximo de ciência, conhecimento, informação, curiosidade, a disrupção acontece.
Então, se você me perguntar como é que dá para resolver, eu digo que precisamos de uma explosão de disrupção que vai transformar a humanidade em uma outra coisa. Para conseguir alimentos universais, educação universal, água, despoluir a água, parar de acabar com a biodiversidade. Tem questões que são civilizatórias e tem questões que precisamos resolver que são científicas, tecnológicas. Espero que esse período que estamos atravessando, em que estamos, que tem muito a ver também com a ciência. A ciência explica um monte de coisas.
NC: E aqui chegamos às soluções que a ciência pode encontrar, mas há muita resistência…
DM: Somos uma sociedade altamente científica e tecnológica. O que estamos fazendo hoje de ideologizar a ciência é um absurdo, porque isso tolhe a ciência. Isso parece um pouco aquela coisa da Inquisição do século XV, que a Terra não gira em torno do Sol.
Se você pegar e fazer o Galileu dizer que não gira. Ela gira, e precisamos deixá-la girar, porque é disso que vêm as soluções, é disso que vem a nossa capacidade de ser o melhor da humanidade.
NC: A humanidade é capaz de conviver com as demais espécies no planeta?
DM: Não dá mais para você conviver com o desastre ecológico, conviver com o desastre da miséria, com o desastre das desigualdades. Precisamos ter um pouco de empatia com o planeta, até porque quando dizem que vamos trabalhar para salvar o planeta… Bobagem! O planeta não precisa da gente para absolutamente nada. Ele chacoalha e se livra da gente e vai dar oportunidade para outra espécie.
Quantas espécies não destruímos ao longo da nossa curta existência? O planeta tem 4 bilhões de anos. A humanidade tem 10 mil anos de civilização. A sociedade industrial tem 200 anos. A sociedade tecnológica tem 60 anos. Os répteis, os dinossauros, ficaram 100 milhões de anos sobre a Terra, evoluíram 100 milhões de anos.
Se não fosse o meteoro, provavelmente a gente hoje em dia seria meio verde com escamas. A espécie dominante, a inteligência dominante, seria uma espécie verde com escamas, porque teria tido tempo para desenvolver a inteligência. Porque a inteligência demanda tempo.
Isso me leva a outra coisa. Talvez a gente ainda não tenha tido o tempo necessário para chegar ao nível de inteligência que a gente imagina que…
NC: Será que teremos esse tempo, como espécie?
DM: Pois é! Eu sou otimista, eu me obrigo a ser. Porque a gente tem uma responsabilidade com o futuro. Precisamos de empatia que é sentimento mais importante do mundo. E é a empatia, mesmo com quem você não gosta muito. Porque, se não construirmos a capacidade de tomar decisões a partir da empatia e não a partir do dinheiro, a partir do interesse político, não vamos resolver os problemas.
E é a empatia universal, a empatia com a natureza, com as árvores, com as pessoas, com os bichinhos, com a formiga, com a onça, com o elefante, com tudo. Então, acho que o movimento mais importante que nós deveríamos ter é o movimento da empatia universal.