Cientistas brasileiros lançam manifesto contra adoção do horário de verão
Cientistas brasileiros da área de Cronobiologia fizeram um manifesto contra a volta do horário de verão por causa dos efeitos negativos na saúde humana. A cronobiologia é a ciência que estuda os ritmos biológicos, como o ritmo circadiano e ciclo sono e vigília.
Ao solicitar que o horário de verão seja definitivamente descontinuado, o documento ressalta que sua adoção no Brasil teve a justificativa de economizar energia, ao alinhar as atividades sociais com mais horas de luz natural no final do dia. “No entanto, vários estudos científicos apontam que os malefícios à saúde provocados por essa mudança superam os supostos benefícios econômicos esperados, sendo crucial a abolição definitiva do horário de verão”, garante.
No Brasil, a adoção do horário de verão teve início em 1931. A medida foi implementada como uma tentativa de economizar energia elétrica, aproveitando melhor a luz solar nos dias mais longos do verão. Mais recentemente, o horário de verão foi adotado de forma contínua no Brasil a partir de 1985. Essa medida foi implementada anualmente até 2019, quando o governo federal decidiu suspender a prática após estudos que apontaram a diminuição de sua eficácia na economia de energia.
Um dos signatários do Manifesto é o professor John Fontenelle de Araújo, professor titular do Departamento de Fisiologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Ele afirma que o Horário de Verão promove uma perturbação no ritmo circadiano e por isso pode induzir doenças crônicas não transmissíveis. Pesquisas indicam que essa perturbação pode ocasionar doenças cardiovasculares, como infartos, pressão alta e acidentes vasculares cerebrais; doenças metabólicas como a diabetes e doenças tumorais, como câncer.
“Embora possamos considerar que o horário de verão seja uma alteração de apenas uma hora, um grande percentual das pessoas nunca se ajusta a esse novo horário, e assim ficam com os ritmos de sono desajustados”, considera.
Araújo enumera os grupos mais prejudicados a adoção do horário de verão. “Quem mais tem prejuízos são aqueles trabalhadores que iniciam a jornada do trabalho pela manhã e são obrigados a baterem ponto. Já para quem tem um horário de trabalho flexível, o efeito do Horário de Verão é quase nenhum. Para os adolescentes, que estão no ensino médio, com o início das aulas às 7h, o efeito prejudicial é muito grande. Piora a privação de sono que os adolescentes já têm”, assegura.
Há ainda os problemas de ordem social com a implantação da medida. “Outro aspecto é o momento da implantação do horário de verão. No domingo e segunda feira após a mudança de uma hora, com a perturbação de sono, poderá ocorrer mais acidentes de trânsito e de trabalho”, conclui.
Para o cientista, o horário de verão cria problemas até nas regiões onde o horário de verão não é adotado, como Nordeste e Norte. Ele explica que as pistas temporais sociais, relacionadas a alguns serviços, como banco e até os horários dos programas de TVs abertas acabam levando também a desajustes nestas regiões.
O retorno do horário de verão para 2024 está em discussão e ainda não foi oficialmente confirmado pelo governo. Caso seja adotado, a previsão é que comece no segundo domingo de novembro, dia 3, e termine no terceiro domingo de fevereiro de 2025. Os cientistas encaminharam o Manifesto aos Presidente da República, da Câmara de Deputados e do Senado, e também aos Ministros de Minas e Energia e à Ministra da Saúde.
Assinam o manifesto pesquisadores das Universidades Federais do Rio Grande do Norte, Goiás, São Paulo, Paraná, Regional da Bahia, Rio Grande do Sul, Alagoas, Tocantins, Uberlândia e Minas Gerais; da Universidade de São Paulo, Universidade Estadual de Minas Gerais. Além destes, assinam também cientistas ligados à Fundacentro e à Fiocruz e a duas instituições internacionais: Charité Universitätsmedizin, de Berlim (Alemanha) e Northumbria University.
Leia o Manifesto na íntegra, publicado em primeira mão por Nossa Ciência
Manifesto contra o retorno do Horário de Verão no Brasil
O horário de verão foi historicamente introduzido sob a justificativa de economizar energia, ao alinhar as atividades sociais com mais horas de luz natural no final do dia. No entanto, vários estudos científicos apontam que os malefícios à saúde provocados por essa mudança superam os supostos benefícios econômicos esperados, sendo crucial a abolição definitiva do horário de verão.1, 2
Ao longo de milhares de anos, os ritmos biológicos humanos estiveram alinhados ao ciclo natural de luz e escuridão, regulando funções essenciais como sono, apetite, funções cárdio-respiratórias, desempenho cognitivo e humor. A exposição à luz natural, especialmente pela manhã, é crucial para sincronizar nosso “relógio biológico” com o ambiente.
Com o avanço da vida urbana e o uso de luzes artificiais, especialmente de dispositivos eletrônicos, esse alinhamento natural tem sido prejudicado. A introdução do horário de verão agrava ainda mais essa dessincronia entre o ritmo biológico e os horários social e ambiental. A mudança repentina no “horário social” interfere na sincronização do corpo com o ciclo natural, forçando o organismo a se reajustar.
Esse processo de adaptação nem sempre é fácil. Enquanto algumas pessoas conseguem se ajustar, outras permanecem fora de sintonia, o que pode gerar sérios problemas de saúde. Entre os efeitos negativos do horário de verão estão distúrbios do sono, aumento de eventos cardiovasculares adversos, transtornos mentais e cognitivos, além de um crescimento no número de acidentes de trânsito e no local de trabalho nos primeiros dias após a mudança.1, 2 Além disso, o impacto negativo dessa dessincronia não é revertido facilmente, podendo levar a problemas crônicos de saúde. No Brasil, um estudo com 12.467 voluntários, mostrou que mais de 45% da população estudada apresentou desconforto relacionado ao horário de verão.3
Portanto, para preservar a saúde e o bem-estar da população, recomenda-se a adoção do horário padrão durante todo o ano, sem ajustes sazonais (horário de verão). Isso evitaria os efeitos negativos promovidos pelo horário de verão e promoveria um maior alinhamento entre os nossos ritmos biológicos e os horários social e ambiental, contribuindo para uma sociedade mais saudável e segura.
O presente manifesto reflete a posição de cientistas e especialistas em cronobiologia que, com base nas evidências científicas mais consolidadas, endossam a abolição do horário de verão. Esse posicionamento é coerente com aquele apoiado por sociedades científicas internacionais, que têm defendido, de maneira consistente, a eliminação dessa prática ao redor do mundo.4
Vale ressaltar que o manifesto independe de qualquer posição político-ideológica partidária, sendo fundamentado exclusivamente no conjunto de pesquisas que demonstram os impactos negativos do horário de verão sobre a saúde humana, o bem-estar e a produtividade.
1. Rishi, M. A. et al. Permanent standard time is the optimal choice for health and safety: an American Academy of Sleep Medicine position statement. J. Clin. Sleep Med. (2024) doi:10.5664/jcsm.10898.
2. Roenneberg, T. et al. Why Should We Abolish Daylight Saving Time? J. Biol. Rhythms (2019) doi:10.1177/0748730419854197.
3. Alencar, J. C. N. de et al. Self-reported discomfort associated with Daylight Saving Time in Brazilian tropical and subtropical zones. Ann. Hum. Biol. 44, 628–635 (2017).
4. Save Standard Time. Position Statements. https://savestandardtime.com/statements/.
Assinam este manifesto os seguintes pesquisadores:
Cibele Aparecida Crispim (UFU)
Carolina Virginia Macêdo de Azevedo (UFRN)
Claudia Roberta de Castro Moreno (USP)
Daniel Alves Rosa (UFG)
Eduardo Henrique Rosa Santos (UFU)
Elaine Cristina Marqueze (Fundacentro)
Felipe Gutiérrez Carvalho (HCPA)
Fernando Mazzilli Louzada (UFPR)
Fernanda Gaspar do Amaral (UNIFESP)
Giovana Longo-Silva (UFAL)
Gisele Akemi Oda (USP)
Jefferson Souza Santos (UFPR)
John Fontenele Araújo (UFRN)
Leandro Lourenção Duarte (UFRB)
Lúcia Rotenberg (Fiocruz)
Luísa Klaus Pilz (Charité Universitätsmedizin Berlin)
Luiz Menna-Barreto (USP)
Maria Nathália Moraes (UNIFESP)
Maria Paz Loayza Hidalgo (UFRGS)
Mario André Leocadio Miguel (Northumbria University)
Maristela de Oliveira Poletini (UFMG)
Michael Jackson Oliveira de Andrade (UEMG)
Paula Bargi de Souza (UFMG)
Rodrigo Antonio Peliciari Garcia (UNIFESP)
Tatienne Neder Figueira da Costa (UFT)
Tiago Gomes de Andrade (UFAL)
Mônica Costa
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