Pseudociência gera pseudoinovação Disruptiva

quinta-feira, 26 setembro 2024
Até grandes empresas escorregam em projetos fracassados.

Sem método científico, sem inovação. Simples assim!

Muito além das questões sobre criação de negócios que já botamos até em formato de manual no Guia Definitivo do Empreendedor dessa Galáxia, onde sugere-se seguir a sequência de criar uma oportunidade, montar um time, desenhar um modelo de ideia, redesenhar corretamente o cliente, elaborar um modelo de negócio âncora para os modelos de ideia, validar qualitativamente e, finalmente, verificar quantitativamente, há um fator primordial que é, na maioria das vezes, ignorado por quem diz praticar o empreendedorismo inovador, aquele baseado em propostas de valor corretamente pensadas e trabalhadas: o método científico!

Para continuar funcionando, o Nossa Ciência precisa do apoio de seus leitores. Faça um pix para contato@nossaciencia.com

Sim, esse mesmo. Já Deixamos claro por essas bandas que as startups são um evento científico, acadêmico e necessário. Daquela AC, trago esse trecho e grifo aspectos do método científico:

Pessoas, com objetivos em comum, reúnem-se e formam um time. Observam necessidades de Mercado e levantam hipóteses sobre elas. Validam conceitos e, com base nisso, realizam experimentos com o intuito de verificarem se a solução proposta resolve a necessidade inicial. Se sim, refinam ainda mais suas hipóteses, melhoram os experimentos e os produtos. Se não, refutam aquelas hipóteses ou as readequam. Para isso, utilizam um background que repousa nas áreas das Exatas, Humanas, Sociais, Ciências da Vida, do Ambiente etc.

Alguém consegue diferenciar o processo de uma startup daquele praticado no método científico? Claro que não. O problema é que muita gente boa não tá seguindo esse bê-a-bá e a consequência é óbvia: se já é difícil funcionar com método, imagine sem ele?

Na AC de hoje, exploro os furos na aplicação – ou falta de – do processo científico no desenvolvimento de um negócio. Observo que, aliás, não é exclusividade das startups.

Método científico

O método científico foi desenvolvido ao longo do tempo por vários pensadores. Roger Bacon (1220-1292) foi um dos primeiros a defender a experimentação como fonte de conhecimento. Francis Bacon (1561-1626), considerado o pai do método científico moderno, enfatizou a observação sistemática e a experimentação. Na sequência, Galileu Galilei (1564-1642) contribuiu significativamente para o desenvolvimento do método científico através de suas descobertas e popularização do conhecimento, assim como faz o Nossa Ciência, quase indo parar numa fogueira por isso. Por fim, René Descartes (1596-1650) estabeleceu os fundamentos do método científico moderno com sua obra “Discurso do Método”.

Essa moçada ralou um bocado e ajudou a construir, para o bem ou mal, o mundo que temos hoje. O suprassumo do que eles fizeram descrevem as etapas do que considero o método científico: (1) observação, (2) geração de hipóteses, (3) experimentação, (4) validação e (5) generalização ou conclusão.

Agora que definimos o método, podemos entender sua versão fake.

Pseudociência

Da Wikipédia:

“Uma pseudociência é qualquer tipo de informação que se diz ser baseada em factos científicos, ou mesmo como tendo um alto padrão de conhecimento, mas que não resulta da aplicação de métodos científicos. É uma reivindicação, crença ou prática que se apresenta como científica, mas não adere a um método científico válido, carece de provas ou plausibilidade, não podendo ser confiavelmente testado, ou de outra forma, não tem estatuto científico. A pseudociência é frequentemente caracterizada pelo uso de afirmações vagas, exageradas ou improváveis, uma confiança excessiva na confirmação, em vez de tentativas rigorosas de refutação, a falta de abertura para a avaliação de outros especialistas, e uma ausência generalizada de processos sistemáticos para desenvolver teorias racionalmente”.

Pseudofato e pseudoinformação

O texto acima é ou não é a descrição da maioria das (pseudo)informações que obtemos todos os segundos da WEB, sejam informes de mercado, de moda, esportes ou sobre a vida das pessoas? Obviamente, não faz sentido esperar que toda notícia veiculada na mídia (antiga ou moderna) venha balizada pelo método científico. Porém, há itens que podem ser trocados para que ela se mantenha íntegra. Refiro-me, principalmente, à etapa (3) do método, à experimentação. Quando não se pode gerar fatos por experimentos sérios, eles deveriam ser substituídos por fatos inquestionáveis.

Infelizmente, o que vemos corriqueiramente é que os fatos são substituídos por pseudofatos, geralmente para confirmar nossos vieses, tornar aquela notícia mais atrativa ou mais “virulizante”, já que a vida hodierna parece chata e analógica, embora real, é muito menos dinâmico e mais monótono. E é aí que mora o perigo: ausência de qualquer uma das etapas, transforma o método em um pseudométodo; a informação em uma pseudoinformação. Num mundo em que a quantidade de informação gerada no ano em que se está é maior do que a soma do acumulado nos anos anteriores, quem tem tempo – ou interesse – de checar se o que foi lido é ou não baseado em fatos ou pseudofatos?

Como resultado, um mar de pseudoinformações que, além de tudo o que foi dito, são ainda alteradas?

O abismo das inovações

Daria até título de filme! Vamos aos protagonistas:

Estrelando. Theranos , empresa fundada por Elizabeth Holmes. Prometia revolucionar o diagnóstico de doenças com uma tecnologia que supostamente poderia realizar uma ampla gama de testes com apenas algumas gotas de sangue. No entanto, a tecnologia nunca funcionou como prometido. Além disso, centenas de especialistas alertavam para a impossibilidade de se extrair tanta informação de uma única gota de sangue. Em 2015, começaram a surgir investigações que revelaram que os testes da Theranos eram imprecisos e que a empresa havia enganado investidores e pacientes.

Atriz convidada. New Coke. Lançada pela Coca-Cola em 1985, tratava-se de uma nova fórmula para o refrigerante, mas a reação dos consumidores foi tão negativa que a empresa teve que trazer de volta a fórmula original em poucos meses.

Ator coadjuvante. o Segway. Lançado em 2001 foi promovido como uma revolução no transporte pessoal. No entanto, o alto custo, a falta de regulamentação e a percepção de ser um produto de nicho limitaram seu sucesso.

(D)efeitos tecnológicos especiais. O Windows Phone, plataforma de sistema operacional móvel da Microsoft, lançada em 2010, não conseguiu competir com o Android e o iOS, levando à sua descontinuação. Ator coadjuvante nesse quesito, o Iridium, potencial telefone celular global (1998). Depois de gastarem bilhões colocando 77 satélites em órbita, o que garantiria que o celular Iridium teria sinal em qualquer canto do mundo, as coisas não deram muito certo para a Motorola. O produto era absurdamente caro e o minuto de ligação estratosférico. Ideia mal pensada, planejamento malfeito e, como consequência, desenvolvimento mal-executado.

No figurino. Roupas de baixo da BIC (1988). Utilizando a vibe de sucesso da BIC com produtos descartáveis (canetas, isqueiros, giletes etc.), não conseguiu reproduzir o mesmo efeito nas roupas de baixo. A BIC descobriu, depois de lançar o produto sem testes, que a maioria das mulheres não buscava comprar roupas de baixo descartáveis. Hilário, né?

(Não) indo para a cozinha. Comidas congeladas da Colgate (1982). A empresa tentou entrar no mercado de alimentos congelados. Imaginem aí a associação: marca de creme dental vendendo comida? Só se o CEO da Colgate fosse dentista com interesses estratégicos de médio prazo.

Pseudoinovações

Esses cases demonstram que até as grandes empresas falham feio ao lançar produtos que não atendem às expectativas dos consumidores. Na verdade, faltou o método científico ser executado e, do outro lado, ser observado por nós. Quando de boa fé, às vezes concentraram suas premissas de mercado em pseudoinformações provenientes de amostras equivocadas. Quando de má fé, tentam empurrar para os nichos concepções próprias, apostando na desatenção dos consumidores pra ver se a coisa cola. Na AC Inovações hipertrofiadas comentamos sobre a impossibilidade de algumas inovações de laboratórios sobreviverem às ruas. Exemplos não faltam; o que faltaram foram algumas – em alguns casos todas – etapas do método científico.

Como podemos nos proteger?

Não precisamos ser cientistas profissionais. Tendo noção do método científico, procure entender se as etapas foram aplicadas para gerar a potencial inovação. Quanto mais pretensiosa for a inovação, maior terá de ser o espaço amostral e temporal de observação. Vou deixar um exercício para reflexão, pois as amostras já estão bem difundidas: você acredita nas promessas relacionadas ao carro elétrico? Pra ficar mais fácil, foque apenas na bateria…

Finalizando…

A qualidade de uma ciência, base de qualquer inovação, está relacionada ao tamanho da amostra, ao tempo de observação e ao estrito cumprimento do método científico, principalmente num mundo inundado por uma quantidade infinita de pseudoinformações. Ter conhecimento do método científico gera clareza, principal característica que devemos treinar para viver bem nesse mundo. Observar, filtrar, garantir que só os fatos cheguem a nós e sejam repassados com fidelidade, nos trará autoridade e transformará tudo que fazemos numa espécie de ciência congelada, sobre a qual poderá repousar uma cultura. Do contrário, continuaremos inundando o mundo com pseudoinovações.

Leia o texto anterior: Afinal, por que tanto preconceito com a palavra “negócio”?

Gláucio Brandão é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e gerente executivo da incubadora inPACTA (ECT-UFRN)

Gláucio Brandão

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Site desenvolvido pela Interativa Digital