Um dos primeiros professores da Universidade Federal do Vale do São Francisco narra uma parte do processo de interiorização da universidade no Brasil
O texto relata a trajetória da Univasf, desde seu início desafiador em 2004 até seu impacto transformador no Vale do São Francisco. Descreve o cenário inicial de especulação imobiliária e a falta de compreensão sobre o papel da universidade, destacando o esforço para implantar ensino, pesquisa e extensão integrados na região. O texto também celebra a criação de programas de pós-graduação e o fortalecimento da pesquisa, ressaltando o impacto social e econômico na vida da população sertaneja.
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Era um segundo domingo de maio de 2004, um dia das mães, e aconteciam no campus da Universidade de Estado da Bahia (Uneb) em Juazeiro, as primeiras provas escritas que resultariam na contratação dos primeiros docentes do quadro permanente da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).
As pessoas atentavam para a especulação imobiliária e o preço dos aluguéis na cidade (primeiro impacto percebido na região) e de todos, certamente, o menos relevante. Estava claro que as pessoas não entendiam a transformação que estava por se instalar no Vale do São Francisco. O início, como esperado, foi muito difícil. Sem instalações próprias, em dependências emprestadas ou cedidas, aquele era desafio para os mais fortes, como é o povo sertanejo. E na grande maioria, éramos de fora. Estranhávamos até o calor de setembro (mal sabíamos do calor dos “bros” – setembro, outubro, novembro e dezembro, que só piora). Mas o que doía mesmo era a concepção de uma grande escola. As pessoas não sabiam que a universidade faz ensino, pesquisa e extensão de modo integrado… E que a pós-graduação precisava nascer no solo sertanejo.
Aquele grupo de jovens sonhadores perseverou e suou. Suou muito. Nasceu o primeiro mestrado, depois outro. E veio o primeiro doutorado… Hoje são onze mestrados acadêmicos, quatro doutorados, oito mestrados profissionais e um doutorado profissional. Temos laboratórios de pesquisa (ou melhor, institutos de pesquisa). Aquela ideia de tentar fazer pesquisa no meio dos laboratórios de ensino foi vencida. Cada espaço tem seu uso. E a Univasf entendeu, enfim, que mais importante que diplomas, são as pessoas. E quão mais parte do sertão for, mais vestida de gente estará.
A migração de sertanejos para o litoral pôde enfim ter uma alternativa. E ainda mais importante que isso: aqueles que nem sonhavam em fazer um curso superior viram nascer essa oportunidade na porta de casa. Não posso esquecer o diálogo que tive com estudantes quando ofertei vaga para a minha primeira bolsa de iniciação científica. Eles diziam: “Mas, professor… Paga quanto?” Sorrindo, eu respondia: “Aqui você não paga para trabalhar. Se você trabalha no projeto, você recebe a bolsa de IC.” E veio a assistência estudantil, que encheu a universidade de povo. A região pôde enfim entender que o preço dos alugueis não seria nada comparado com as start up que estão sendo criadas… Com os filhos que se graduaram e agora trabalham fora do Brasil. Um novo Vale do São Francisco cresceu nestes vinte anos com a Univasf. E o desafio continua!
A Universidade Pública precisa combater seus altos índices de evasão, atualizar seu ensino de graduação, estar antenada com o mercado, ao mesmo tempo em que não seja refém deste mercado.
Para os próximos vinte anos, precisamos olhar para o planeta, para o clima, para as pessoas (sempre) e compreender que mercado é a personificação de poucos bilionários que querem manter seus lucros independente do caminho que o planeta venha a seguir. Como a casa do livre pensar, a Universidade brasileira precisa ser luz no túnel que atravessamos.
A Univasf, sertaneja por escolha, precisa colocar o semiárido no foco, entender a caatinga e impactar a vida da mulher e homem sertanejos.
Vida longa à interiorização da Universidade no Brasil!
Helinando Pequeno de Oliveira é físico. Professor titular da Univasf e Vice-Presidente da Academia Pernambucana de Ciências
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