Pandemia e cortes no orçamento são apontados como causas. No Brasil, a queda foi de 7%
A pandemia de Covid-19 e os cortes de recursos intensificados a partir de 2017, com auge em 2021 são as causas prováveis para a queda de 7,2% da produção científica brasileira em 2023 comparada a 2022. Essa é a opinião dos pesquisadores ouvidos para essa matéria.
A redução de 2023 veio depois de outra, observada em 2022, ano que havia registrado a primeira queda desde 1996. As informações são do relatório da editora científica Elsevier e da Agência Bori divulgado no final de julho. É a primeira vez que a produção científica do Brasil, quantificada em 2023 em 69.656 artigos, cai por dois anos seguidos.
Outros 34 países sofreram retração no mesmo setor, um aumento de 12 nações em relação ao ano anterior. Enquanto isso, 17 países tiveram alta na produção científica e apenas a Áustria não variou. A redução em massa impactou na produção científica mundial, que concentrou o maior número de países em decréscimo desde 1997. No total, o relatório avaliou 53 países que publicaram mais de 10 mil artigos científicos entre 2022 e 2023.
Efeitos combinados
“São efeitos combinados da pandemia e da queda dos investimentos em pesquisa naqueles anos. O processo de produção de pesquisa e a publicação dos seus resultados na maioria das vezes extrapola o ano calendário”, diz Ricardo Ojima, chefe do Departamento de Demografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e coordenador da área de Planejamento Urbano e Regional e Demografia da Capes.
“Uma pesquisa demora anos pra gerar resultados e precisa de condições para ser publicado. O contexto da pandemia onde grupos de pesquisa não puderam se reunir, laboratórios que não puderam manter suas pesquisas contínuas, entre outros fatores do tipo dificultaram a consolidação desses resultados em publicações”, explica.
Sinal de alerta em 2021
O Brasil seguia uma tendência de crescimento constante até 2021, quando registrou uma queda que não ocorria desde 1996. Os primeiros sinais dessa tendência apareceram em 2020, quando o ritmo de crescimento desacelerou. “A primeira hipótese para explicar essa queda é a falta de verbas. Sem dinheiro não se faz pesquisa”, diz o cientometrista Estêvão Gamba, cientista de dados da Agência Bori. “A segunda é a pandemia: houve um boom de publicações naquele período e depois veio uma queda.”
Foram analisados os dados de 31 universidades e centros de pesquisas que publicaram 1.000 artigos ou mais em 2022 analisadas. Somente sete instituições tiveram queda maior do que a da UFRN, cuja produção científica caiu 9% em 2023. Em 2022, a UFRN também experimentou uma queda, dessa vez de 7%, ficando à frente de 15 instituições, que tiveram redução maior.
Das 31 analisadas, apenas a Universidade Federal de Juiz de Fora teve variação positiva (0,3%) e a Universidade Federal de Pernambuco não teve variação. Das instituições que sofreram queda, as mais afetadas foram as universidades Federal de Lavras (Ufla), em Minas Gerais, Estadual de Maringá (UEM), no Paraná, e Federal do Espírito Santo (Ufes). É uma mudança em relação ao ano anterior, quando a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) estavam no fim da lista.
Nesse cenário, o Brasil foi o 14° colocado no ranking mundial de publicações científicas. Entre 2019 e 2023, o país publicou 376.220 artigos. As únicas áreas que registraram crescimento nesse período, contudo, foram as ciências sociais, com aumento de 11,6%, e humanidades, com uma alta de 82% em artigos publicados. De 2022 para 2023, todas as ciências registraram queda na produção. A área com maior diminuição foi ciências médicas, com 10% de retração.
Fechamento de laboratórios
“Muitos laboratórios, de fato, fecharam por dois anos. Laboratórios que eram diretamente envolvidos com a Covid trabalharam, então produziram dados, mas os outros, não produziram”, relata Silvia Batistuzzo, pesquisadora dos Laboratórios de Biologia Molecular e Genômica (LbMG) e de Mutagênese Ambiental (LAMA), ambos na UFRN.
A professora explica que o fechamento dos laboratórios, ocorrido em função da pandemia, acabaram dificultando e atrasando a conclusão das dissertações e teses dos alunos de mestrado e doutorado. Muitos deles chegaram a desistir dos seus trabalhos. “E a gente sabe que a produção científica está atrelada à formação dos alunos de mestrado e doutorado.”
Segundo o documento, os investimentos públicos federais em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil vêm diminuindo desde 2013. No caso das instituições estaduais, a redução orçamentária foi registrada desde 2015. Em 2023, a quantidade de dinheiro público destinada para P&D foi 76% do aplicado em 2015. O menor valor foi em 2021, quando só foram investidos 71% do valor de 2015.
A escassez de recursos para P&D foi o segundo ponto apontado pelos pesquisadores. “Uma explicação mais realista deve focar na situação específica do Brasil. De fato, nos anos que antecedem essas quedas houve violentos cortes no financiamento para a ciência brasileira” aponta Klaus Capelle, professor do Instituto Internacional de Física (IIF/UFRN), depois de enumerar os dados da pesquisa. “Bolsas para pesquisas de estudantes, o orçamento das universidades (que são onde a maior parte da pesquisa brasileira é produzida), a infraestrutura de laboratórios, colaborações científicas internacionais – nada escapou dos cortes. A economia pontual que resultou dessa redução dos investimentos em ciência cobra seu preço alguns anos mais para frente e os dados do relatório mostram que o país está pagando este preço agora.”
Cenário de guerra
No ranking mundial, Taiwan e Etiópia foram os países que tiveram as maiores reduções de produção científica, logo abaixo do Brasil. Em 2022, o país tinha sido o último da lista, enquanto o penúltimo foi a Ucrânia.
No ano passado, a Ucrânia conseguiu reverter o quadro, apesar de estar em guerra, e ficou em 10° lugar na lista dos que tiveram aumento da produção científica. A lista foi liderada pelos Emirados Árabes Unidos, Iraque e Indonésia, com incremento de 15%. Em 2022, foi encabeçada pela China, seguida por Estados Unidos e Índia – naquele ano, a Índia cresceu 19%, e superou pela primeira vez o Reino Unido na lista anual de acréscimo.
“Os números mostram que o impacto dos cortes em ciência tem sido parecido com o de uma guerra. Para reverter a tendência de queda da produção científica nacional, o Brasil deve fazer as pazes com a ciência. Isso significa dar oportunidades para seus talentos e reconhecer que investir em ciência é o caminho para o desenvolvimento, a prosperidade e a soberania nacional”, propõe Capelle, que é professor do Centro de Ciências Naturais e Humanas (CCNH), da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Redação Nossa Ciência, com informações da Agência Fapesp
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