Artigo José Monserrat Filho inspirado no recente avanço do Relógio do Apocalipse do Boletim dos Cientistas Atômicos, editado nos EUA
“Tais extraterrestres teriam entendido que, para garantir sua sobrevivência a longo prazo, precisariam erradicar a desigualdade social.” Marcelo Gleiser (1)
Que civilização, que valores, que mentalidade, que tipo de vida estamos levando para o espaço cósmico, desde que aprendemos a construir foguetes, satélites e naves espaciais, nas décadas de 30, 40 e 50 do século XX? Quando usaremos o espaço somente para fins pacíficos?
Já no século XXI, em 25 de janeiro de 2017, o Relógio do Apocalipse – criado há 70 anos, em 1945, por cientistas do Projeto Manhattan que inventaram as primeiras bombas atômicas – passou a marcar apenas dois minutos e meio para a meia-noite, a hora estimada do colapso global da Terra. Quais foram as razões da histórica decisão do Conselho de Ciência e Segurança do Boletim dos Cientistas Atômicos (fundado e editado nos EUA), que, antes, consultou o Conselho de Patrocinadores do Boletim, integrado também por 15 laureados com o Prêmio Nobel? (2) O Conselho assim resolveu com base em declarações sobre o uso e a proliferação de armas nucleares de uma única pessoa – o novo Presidente dos EUA, Donald Trump, no perigo das mudanças climáticas e em desenvolvimentos na Coreia do Norte, Rússia, Índia e Paquistão?
A declaração conclusiva do Conselho de Ciência e Segurança do Boletim afirma: “Em 2016, o panorama da segurança global piorou. A comunidade internacional não logrou enfrentar com eficácia as ameaças mais urgentes da humanidade, as armas nucleares e as mudanças climáticas. (…) A situação mundial, por si já ameaçadora, foi o pano de fundo para o aumento do nacionalismo estridente no mundo todo, inclusive na campanha presidencial dos EUA. Nela, o vencedor, Donald Trump, fez comentários perturbadores sobre o uso e a proliferação de armas nucleares e manifestou descrença no consenso científico sobre as mudanças climáticas.” E acrescenta: “EUA e Rússia têm, juntos, mais de 90% das armas nucleares do mundo, e discordam em várias questões, da Síria à Ucrânia até as fronteiras da OTAN. Ambos continuaram modernizando amplamente suas forças nucleares, e não houve em parte alguma negociações sérias sobre o controle de armas. A Coreia do Norte realizou seus 4º e 5º testes nucleares subterrâneos e deixou claro que seguiria desenvolvendo capacidades de produzir armas nucleares. As ameaças da guerra nuclear perduraram, enquanto Paquistão e Índia se enfrentaram cautelosamente através da linha de controle em Caxemira, após militantes atacarem duas bases indianas do Exército.
Por que não são citadas a grave situação no Oriente Médio e a corrida armamentistade que participam ativamente os EUA, de um lado, e a China e a Rússia, de outro?
David Titley, Contra-almirante aposentado, membro do Conselho de Ciência e Segurança do Boletim, Professor de Meteorologia da Universidade Estadual da Pensilvânia e diretor fundador do Centro de Soluções para o Clima e o Risco Climático, EUA, comentou: “A mudança climática não deve ser questão partidária. A física bem estabelecida do ciclo de carbono da Terra não é nem liberal nem conservadora em caráter. O planeta continuará a se aquecer a níveis extremamente perigosos e o dióxido de carbono seguirá sendo bombeado para a atmosfera – independentemente da liderança política. A atual situação política nos EUA é especialmente preocupante. O governo Trump precisa declarar clara e inequivocamente que aceita como realidade a mudança climática causada pela atividade humana. Nenhum problema pode ser resolvido a menos que sua existência seja reconhecida pela primeira vez. Não há ‘fatos alternativos’ aqui”.
O General John Hyten, Chefe da Força Aérea e do Comando Estratégico (Stratcom) dos EUA,falou sobre “dissuasão no espaço” no Centro de Segurança e Cooperação da Universidade de Stanford, em 26 de janeiro, e disse que a Rússia e a China representarão, em breve, uma ameaça às naves espaciais dos EUA, por desenvolverem capacidades anti-satélite, inclusive armas a laser, e que “a melhor maneira de evitar a guerra é estar preparado para a guerra”, como informou o próprio DoD News, do Departamento de Defesa (Pentágono). A resposta russa veio de Konstantin Sivkov, especialista militar e vice-presidente da Academia de Assuntos Geopolíticos de Moscou, como noticiou a Agência Sputnik de Washington em 30 de janeiro: a declaração do Gal. Hyten de que a Rússia e a China logo serão uma ameaça às naves espaciais dos EUA mais parece uma tentativa de justificar a instalação de armas no espaço pelo Pentágono (com o apoio do Presidente Trump). (3)
Diante desse quadro de caos planetário, que inclui partes crescentes do espaço cósmico, embora infelizmente pouca gente saiba disso, o citado físico Marcelo Gleiser imaginou um “projeto alienígena em escala global de proteção aos recursos naturais e justiça social”, que, a seu ver, pode ser chamado de “socialismo natural” (4). O resultado do projeto ele considera “revolucionário”: os alienígenas “entenderam que uma relação predatória com o seu planeta e com outras formas de vida levaria, mais cedo ou mais tarde, à sua própria destruição” e que “seu planeta, mesmo sendo muito grande e fértil, tem recursos limitados” e “uma exploração irracional dele o transformaria num deserto”. E mais: “Os alienígenas teriam aprendido a viver com – e não contra – o seu planeta, respeitando seus recursos e planejando cuidadosamente como explorá-los de forma sustentável.” E mais ainda: “Os alienígenas teriam entendido a interconectividade de todas as criaturas vivas; saberiam que ocupar o topo da cadeia alimentícia significa ter a reponsabilidade de preservar a biosfera, de modo a entender o uso de seus recursos por períodos ilimitados. Teriam aprendido que, para viver, precisariam encontrar encontrar meios de respeitar a diversidade da vida. Isso só poderia ocorrer se houvessem redefinido sua relação com outras criaturas vivas.”
A utopia de Marcelo Gleiser vai além, como já realçamos: “Tais extraterrestres teriam entendido que, para garantir sua sobrevivência a longo prazo, precisariam erradicar a desigualdade social; teriam entendido que a disparidade financeira (se tivessem uma economia) e a exploração cultural levam à pobreza e à instabilidade social, ambas causas dominantes da predação planetária. Para assegurar sua sobrevivência como espécie, teriam criado valores morais que garantissem a igualdade social, dividindo recursos de forma justa e equilibrada.” Eles igualmente teriam entendido que as metas socioecnonômicas pedem pelo “sacrifício dos que detém mais recursos, mas saberiam também que esses sacrifícios seriam temporários, garantindo a sobrevivência de todos”.
Sobre o polêmico tema da competição entre as pessoas, Marcelo Gleiser conta que os alienígenas “não teriam erradicado a competição, pois saberiam que ela é essencial para a inovação e a felicidade individual e coletiva, mas teriam criado mecanismos para assegurar que todos tivessem as mesmas oportunidades de atingir o sucesso”. Talvez fosse melhor falar em “ser bem sucedido” ou “ficar plenamente satisfeito”, pois “atingir o sucesso” está muito ligado à “conquista do estrelato”, que alimenta o vício da egolatria, nem sempre digno e respeitável. No caso, tem-se em vista certamente a competição justa, a ação de disputar ou concorrer de maneira honesta, generosa, construtiva e socialmente benéfica, como costuma ocorrer, por exemplo, nas atividades esportivas. Por outro lado, a competição nos negócios, sobretudo nos negócios milionários e bilionários, pode ser devastadora. Basta ver o que escreve um renomado economista norte-americano (5): “Maximizing shareholder value displaced problems of competitiveness in a new and a Darwinian environment.” (“A maximização do valor das ações dos acionistas desloca o problema da competitividade para um terreno novo, o do darwinismo”, em tradução livre, sendo o darwinismo interpretado como luta desenfreada em que vence o mais apto, forte e/ou poderoso). Trata-se da competição selvagem, que desumaniza a nossa espécie.
Marcelo Gleiser conclui com um convite memorável: “Esses alienígenas teriam sobrevivido por milhões de anos, criando uma sociedade que mal podemos imaginar. Temos muito trabalho pela frente.” Ou seja, precisamos urgentemente mover para trás os ponteiros do Relógio do Apocalipse. Não há mais tempo a perder.
Referências
José Monserrat Filhoé vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), diretor honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, membro pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: <jose.monserrat.filho@gmail.com>.
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