Não é fácil perceber o declínio de uma inovação e propor uma reestruturação
Há algum tempo atrás, falamos sobre a necessidade de lastrear melhor as startups e baseá-las em entregas palpáveis ao invés de futuros de baixa probabilidade, cujas consequências ficaram visíveis na recente quebradeira do Mercado. Deixei isso registrado em Máquinas de click. Para reduzir a dependência de lastros imaginários, sugeri a criação de um índice anti-bolha, o qual deveria ser indexado a indicadores de Mercado em tempo real. A ideia por trás destas conjecturas – lastro e índice real time – chamou-me a atenção para outro aspecto mortal, sinalizado por aquela famosa e inflexível curva “S”, que retrata o ciclo de vida de qualquer projeto, desde (i) o nascimento da inovação, (ii) o crescimento produzido pela tração, (iii) a maturidade sinalizada pelo breakeven (o empate de todas as somas, custo x receita) e (iv) a morte, com direito a pá de cal jogada por outra inovação. E aí pergunta-se: porque não ser você o coveiro e, ao mesmo tempo, o redentor de sua inovação moribunda? Não é fácil perceber (na verdade, medir) o declínio de uma inovação – que, de fato, já deixou de sê-la – e propor uma reestruturação sendo por reprototipação, transmutação ou iniciando outra do zero. Quem descobrir esse processo fênix de ser, conseguirá burlar a curva e manter o negócio sempre surfando na crista da onda. Nunca percorri este caminho, mas sei onde pode estar o calcanhar de Aquiles das empresas centradas em tecnologia: na proposta de valor fixa. “Peraí, boy: você fala que a proposta de valor (PV) – aquilo que entregamos ao cliente e o faz feliz, a ponto de torná-lo dependente de nossa startup -, cujo tempo para desenvolver e acertar (market fit) levou uma vida, precisa ser mutante?”. E eu respondo: “Sim, Padawan! Ou isso ou um caixão tecnológico”. E o porquê disto fica óbvio quando se enxerga a tecnologia como um dos entes mais perecíveis que existe. Logo, se ela muda tão rápido, porque propor negócios ancorados em PVs fixas? Como diria Morpheus, “Siga o coelho”!
Comoditização tecnológica
Pescando o belo conceito da AEVO:
“Commodity é como chamamos um produto que torna-se massificado e não diferenciado perante nosso cliente. Economicamente falando, a comoditização ocorre quando os clientes de um determinado mercado não percebem a diferenciação entre os produtos e serviços entre os concorrentes que os comercializam”.
E o que acontece quando todo mundo tá igual? Respondo também: guerra por preço! Nesse ponto, bye-bye inovação, pois, num oceano vermelho ditado por custo, as empresas buscam por otimização e se afastam de qualquer sombra do desenvolvimento.
Evitando a comoditização
Agora ficou mais fácil de entender o que chamo de cultura da experimentação, irmã gêmea da cultura de inovação. Você mediu tudo, baseando-se em KPIs reais, não naqueles de vaidade, e começou a se fazer “perguntas destruidoras”, as quais te levaram a desenhar curvas. Percebeu então que a maré não tá mais pra peixe, mas para tubarão, e concluiu que terá de realinhar seus OKRs, objetivos principais de uma empresa, junto a outra conclusão que te assombrará: é chegada a hora de começar a cometer erros conduzidos para alterar a PV, sua antes pensada estática proposta de valor. Para ficar mais elegante, chame de experimentos. E um fato curioso: esqueça qualquer busca por inovação! “Sério; como assim?”.
A busca por inovação é o que frustra a maioria das organizações. Como dito por aqui várias vezes, o único ente que pode batizar o que você deu à luz (pensou, prototipou, desenhou, explodiu etc.) de inovação é o impiedoso Mercado. Assim, pegue leve com você e os seus, faço alguns brainwritingstormings, destaque gente boa do grupo, construa uma sala de situação e comece a errar barato, quero dizer, a experimentar. Para isso, inicie modificando a PV (proposta de valor) daquela solução moribunda.
Admitindo o estado dinâmico
Na AC Modelando de forma não-matemática, apresento um conceito para produto como sendo um misto de MVP e Tração. A sua PV já teve por semente um MVP. Portanto, mexer numa PV moribunda implica em rever conceitos daquele MVP que outrora fez a empresa competitiva, mudando, conforme a necessidade exija e os experimentos apontem, todas as hipóteses que alicerçavam o respectivo Canvas: H1, hipótese de desejo; H2, hipótese de alcançabilidade; H3, hipótese de sustentabilidade. Vide figurinha!
Vamos supor que você mudou sua PV e conseguiu manter-se no páreo do Mercado e então pensa que pode respirar. E é aí que o “bicho pega”: se houve a necessidade de mudar sua PV uma vez, é porque ela terá de ser mudada sempre. Ou seja, esqueça que a PV de sua empresa é algo estático e dê a ela aquele velho símbolo de dinamismo, a letra “t”, e passe a olhar a proposta de valor de sua empresa como PV(t). Manter esta estratégia, ter uma PV dinâmica, é o que diferenciará sua solução das commodities que a rodeiam.
Finalizando…
Parece que tudo que foi exposto beira o óbvio, não é verdade? Então porque é que tantas empresas tecnológicas (nascentes e convencionais) estão passando por dificuldades? Além da falta de lastro em suas PVs e de um índice anti-bolha que reduza possíveis catástrofes à frente, as BigTechs deixaram de entender o que já foram, uma startup, e desprezaram sua função principal, que é a de entregar MVPs (minimum viable product), seguindo o rito construir – medir – aprender. Todo MVP acompanha uma curva “S” e, como consequência, tende a se consolidar em produtos, tornando-se, em seguida, commodities tecnológicas. Fim de linha! Qualquer proposta de valor invencível tem de mudar com o tempo, balizada por KPIs reais e experimentos. Afinal, em time que está ganhando não se mexe… Na estratégia!
Referências:
AEVO (https://blog.aevo.com.br/comoditizacao-por-que-um-produto-vira-uma-commodity/)
OKRs (https://rockcontent.com/blog/okr/
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Leia a edição anterior: Leis Herméticas aplicadas aos negócios
Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Gláucio Brandão
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