O cientista precisa ser povo, e para isso é fundamental adaptar sua linguagem rebuscada ao famoso popular
O pesquisador padrão é aquele estudante que sempre foi destaque em todas as escolas em que passou. Por gostar muito de estudar, apaixonou-se por um tema e decidiu passar o resto de sua vida entendendo mais e mais daquilo. Por estudar tão detalhadamente o seu tema de interesse, ele conta com poucas pessoas que entendem “de fato” daquilo que ele estuda. Essas poucas pessoas que escolheram estudar do mesmo tema estão espalhadas pelo mundo e por sorte encontram-se raras vezes em congressos, quando têm a oportunidade de expor seus achados, compartilhar suas dúvidas e muitos vezes avançar em uma colaboração.
O modo realidade desta história está fora dos muros da universidade e dos institutos de pesquisa, em um planeta em que muitos acreditam ser plano, de pessoas que andam como robôs de fones no ouvido e vidrados na tela de um aparelho celular – numa prévia dos metaversos que estão chegando. O passado recente de cortes progressivos de recursos fez com que o pesquisador padrão visse acabar as verbas para a pesquisa, o que o levou para as ruas, de jaleco e óculos de segurança, com placas escritas em inglês, esperando pelo apoio de uma população que não sabe do que ele faz (como poderia defender a causa, sem ao menos conhecê-la?).
O cientista precisa ser povo, e para isso é fundamental adaptar sua linguagem rebuscada ao famoso popular, tendo humildade suficiente para identificar onde o calo aperta. Chegar à constatação de que seu trabalho é irrelevante para o povo (no tempo presente) pode ser perturbador, ao mesmo tempo em que é libertador.
Assumir a posição de estudante é algo que pode ser revisitado, sem dúvidas – pois na Universidade da Vida os diplomas acadêmicos não são assim tão importantes. Ir a uma comunidade e não ter a pretensão de ser mestre é um ótimo pontapé para o ensaio. Afinal, a libertação do papel de doutrinador que herdamos dos europeus serve como um colírio aos olhos daqueles que ainda não viram que tudo o que se aprendeu é nada comparado com tudo o que se precisa construir para um mundo mais justo e equilibrado.
Aos colegas da ciência que se sentiram tocados com este texto, convido-os a visitar uma escola pública como um anônimo, voluntário. Não precisa dar carteirada (“Sou o prof. dr. palestrante…”) basta entrar e ajudar em algo, um dia por mês. Seja amigo de uma escola e esteja pronto para ouvir. Ouvir de todos, da equipe de limpeza à direção, passando pelos estudantes. É na escola que se constrói o futuro do Brasil. E aí, você está pronto para aprender a ajudar?
A coluna Ciência Nordestina é atualizada às terças-feiras. Leia, opine, compartilhe e curta. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag CiênciaNordestina.
Leia o texto anterior: Genivaldo de Jesus
Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
Deixe um comentário