O indivíduo tem de ser o foco de uma educação criadora, que pode projetar um melhor IDH para o país
… É o que deveríamos ter, mas estamos longe disto! Voltemos quatro anos, quando aqui inaugurei a coluna Empreendedorismo Inovador com a AC A Educação que precisamos aprender. Começava assim:
Embora Nelson Rodrigues afirmasse que “Toda a unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar!”, em termos de Educação Brasileira, estamos a ponto de quebrar tal corolário: talvez esta “senhora caduca” esteja perto de se tornar um conceito unânime, embora negativo. Quando observamos os índices do último Programme for International Student Assessment (PISA), realizado em 2016, encontramos um Brasil descendo ladeira abaixo, nas últimas dez posições entre os 70 países avaliados. Nossas notas: Ciências (63º) e Matemática (65º). Em Leitura, alcançamos a modesta 59ª posição. Quando olhamos para o nosso impacto do ponto de vista no Desenvolvimento de Tecnologia e Comunicação Mundial (IDTCM), alcançamos o 66º lugar. Para completar o quadro com outra vertente, na qual embasarei minha provocação titular, angariamos o 64º quando se fala em inovação mundial. Por fim, vamos ao El País para olhar o índice GINI, e encontramos o Brasil entre os 10 países mais desiguais do mundo. Observem a numerologia cabalística: estamos rodando em torno do número 60 no que diz respeito à Educação, Tecnologia e Inovação, quando somos avaliados entre os 70 melhores IDH do planeta, e na rabeira no que diz respeito à desigualdade social. Figuramos entre os 10 piores no conjunto Educação-Tecnologia-Inovação, e os 10 piores na questão de qualidade de vida. Será essa uma condição astrológica ou de causa-efeito?
Para quem não está familiarizado com a sigla, o site do INEP pontua: “Pisa é uma metodologia internacional que avalia os sistemas de ensino em todo o mundo, medindo o nível educacional de jovens de 15 anos por meio de provas de leitura, matemática e ciências. O exame é realizado a cada três anos pela OCDE”.
O de 2016 foi o penúltimo. Eis aqui o resultado do último (2018), extraído do site da Agência Brasil:
O desempenho na avaliação posicionou o Brasil no 57ª lugar entre os 77 países e regiões com notas disponíveis em leitura, na 70ª posição em matemática e na 64º posição em ciências, junto com Peru e Argentina, em um ranking com 78 países. China e Singapura lideram os rankings das três disciplinas.
O mundo rodou 4 vezes desde a AC inaugural e do último Pisa, e deu umas 40 voltas depois que saí do ensino médio. Não dá para dizer que nada mudou, pois pioramos. E onde está o ponto nevrálgico, GBB-San, mestre das letras empenadas? Naquilo que me levou a escrever esta AC: O conceito de “educação”.
Educação, segundo as Leis Nº 9.394 (20/12/96) e 12.796 (04/04/2013)
A lei 9.394, a principal, estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. A 12.796 ainda é a mesma, só que “guaribada” 17 anos depois. Pegamos apenas seu primeiro artigo, que fala do conceito, para o texto não ficar enfadonho:
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
Nada muito conclusivo. Quem tiver interesse e avançar na leitura desta lei, verá na sequência os princípios e fins aos quais a educação é (ou deveria ser) destinada. No meu entender, assemelham-se mais a conceitos de socialização e aculturamento do indivíduo – objetivos finais de quem já está educado, portanto consequências -, do que da definição de educação per si, aquela capaz de fazer com que alguém seja ativado, capacitado, habilitado ou levado a contribuir com algo. Trocando em miúdos, muitos conceitos misturados que fazem com o que o termo “educação” seja por demais ampliado, a ponto de ser diluído e confundir mais do que servir de orientação para se desenvolver ações efetivas.
Nesta mesma lei, podem ser encontradas as palavras ensino/ensinar(356), aprendizagem/aprender(20), formação/formativo(a)(75), currículo/curricular(84), cultura/cultural(38), formação(66) conhecer/conhecimento(36), pedagogia(29), pesquisa(26), conteúdo(22) habilidade(20), capacitação/capacidade(18), saber(12), superdotação(12), criação(artística(4) e de universidades(1)), pensamento(3), ideia(1), ativo/proativo(0), reativo(0), criatividade/criadora(0). É só ir lá e verificar.
Socialização, aculturamento e todos os tipos de interações humanas em prol do aprimoramento de uma sociedade, têm origem no indivíduo. Essas ações não evoluirão se a educação que se propõe, com base na lei em vigor, intensificam cada vez mais os caminhos de reação e conformidade, ao invés de ação e criação. Não sou eu quem diz, mas é o que a pequena estatística que fiz aponta. Ironicamente, “É Lei!”.
Onde eu quero chegar?
“Não se aprende nada com quem concorda com você o tempo todo”, diz um aforismo. E aí eu parafraseio: não se cria nada com quem pensa igual a gente. Dá para entender porque Pisa após Pisa continuamos levando pisas. Não deu para não usar esse trocadilho…
Se não estimulamos uma tipo de educação para criação de coisas, para geração de novos problemas, uma educação ativamente criadora, continuaremos formando pessoas com os mesmos métodos, mesmos argumentos, que pensarão de forma semelhante, pois cérebros submetidos às mesmas adversidades procurarão por respostas ou soluções similares. Uma educação criadora é aquela com capacidade para ensinar as pessoas a criarem novos problemas, coisas que a Inteligência Artificial (IA) ainda não consegue fazer. É aí onde reside nossa maior virtude; pelo menos por enquanto.
Portanto, não se trata apenas de ensinar pessoas, de capacitá-las a serem autodidatas, se o que elas vão aprender sozinha é o que já está pronto. Temos que ir além disso e buscar promover o senso autocriador, para que o que nasça daí sejam novas situações, que impulsionarão novas soluções, capazes de gerar novos oceanos azuis.
No meu entender, a falta de uma metodologia de docência ativa – que promova o senso de autocriação de coisas nos pupilos -, torna o ensino-aprendizado convencional das escolas “pra lá de chato”, e pode estar no cerne da queda incremental de QI verificada em estudos recentes, como conversamos na AC A Era da Deformação Antenada, e explicar a corrida ladeira abaixo de nossos índices no Pisa. A desmotivação dos estudantes contagia os professores, que devolvem esta mesma “desalegria” à classe discente, gerando um ciclo pedagógico de morte.
E por que isto importa?
Sendo direto: impacto na economia! Como não se cria nada com quem pensa igual a gente, formamos uniformemente pessoas que, exatamente por isto, competirão entre si por exíguas – e semelhantes – vagas no Mercado. Isso se dá no ensino superior. No técnico, não mudamos a fórmula, e o resultado não é melhor: não só competirão entre si como também, e de forma desvantajosa, contra máquinas. No ensino fundamental a coisa ainda é pior. A infância é o período no qual se concentra nosso maior potencial criativo, e é onde começamos a matá-lo.
Não falei em economia por acaso. Há um fato novo. Em 24/01/22, o Brasil foi convidado formalmente para integrar a OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Finalmente! A entrada não é simples, pois envolve sua adequação em 253 regras estabelecidas. Hoje a instituição é composta pelos 37 países mais ricos do mundo. “Ser membro da OCDE representa um upgrade em termos de imagem e reputação, gerando mais respeito global. E um país com boa reputação terá mais condição de receber investimentos externos geradores de empregos, riqueza e renda, será considerado um bom parceiro comercial, abrindo espaço para firmar acordos bi ou multilaterais que aumentem o comércio internacional do país”, fala Roberto Rodrigues, da FGV.
Finalizando…
A educação, pelo menos em nível individual, carece de melhores ajustes. Sendo corretamente definida, pode ser acionada. Os conceitos encontrados em Lei, de uma educação ampla, geral, irrestrita e apenas de reação, são mais dirigidos ao contexto do que ao indivíduo, que deveria ser o alvo e ator do impacto. A entrada na OCDE, com respectiva colheita de benefícios, está prevista para acontecer entre 3 e 5 anos, se começarmos a acertar agora, claro. Temos que mudar, de fato, a educação, ou perderemos o convite. O indivíduo tem de ser seu foco. Uma educação criadora pode projetar um melhor IDH.
Referências:
OCDE – Leia mais em: https://forbes.com.br/forbesagro/2022/04/roberto-rodrigues-o-brasil-na-ocde/
Agência Brasil (https://agenciabrasil.ebc.com.br/)
Roberto Rodrigues, da FGV (https://forbes.com.br/forbesagro/2022/04/roberto-rodrigues-o-brasil-na-ocde/)
A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.
Leia a edição anterior: Máquinas de click
Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Gláucio Brandão
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