Esses três tipos de peixes formam um único grupo, chamado de condrictes, caracterizados por serem cartilaginosos. Os especialistas analisaram individualmente as 1.199 espécies conhecidas do trio e, a partir de uma longa lista de fatores, classificaram 391 (32%) como apresentando risco de extinção.
Há oito anos, o mesmo estudo havia sido realizado pela União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), entidade responsável por analisar o status de cada espécie no meio ambiente. Na época, 17,4% das espécies estavam ameaçadas.
A constatação de que, em um período tão curto, o percentual de espécies ameaçadas quase dobrou acendeu um sinal vermelho para os especialistas. “Esse novo trabalho chama a atenção para o fato de que estamos caminhando para uma possível extinção em massa dos tubarões”, diz a Profª Patricia Charvet, do Programa de Pós-Graduação em Sistemática, Uso e Conservação da Biodiversidade da UFC. A Profª Patricia foi a única brasileira a assinar o artigo da Current Biology.
Como é realizado o estudo
No trabalho, os especialistas realizaram uma revisão geral das pesquisas científicas sobre os condrictes (a classe na qual estão tubarões, raias e quimeras) e, a partir de inúmeros critérios, classificam as espécies em sete categorias, por ordem de avaliação do risco de extinção (“Baixa preocupação”, “Quase ameaçados”, “Vulnerável”, “Ameaçado”, “Criticamente ameaçado”, “Extinto na Natureza” e “Extinto”). Para ser considerada ameaçada de extinção, a espécie precisa ser enquadrada entre as categorias vulnerável, ameaçada ou criticamente ameaçada.
No caso de a espécie possuir informações muito escassas, elas eram classificadas em uma categoria à parte chamada de “Deficiente de dados”. Considerando essa escassez de informações, os pesquisadores estimam que o total de espécies ameaçadas pode chegar a 37,5%, caso as espécies sobre as quais não se tem dados suficientes sigam o padrão das categorizadas.
O estudo apontou que as ameaças atingem mais duramente as raias (41% das espécies) e os tubarões (35,9%). Já as quimeras, que tendem a habitar águas profundas, são as que menos sofrem com esse tipo de ameaça (9,3%). As espécies de águas tropicais e subtropicais são as mais ameaçadas: nada menos que três quartos delas estão em risco. Três espécies, inclusive, não são registradas há décadas e já aparecem como provavelmente extintas.
O agravamento da situação aponta para um quadro com impactos que vão além da sobrevivência dos próprios tubarões e raias. “Esses peixes – a maioria deles, predadores – têm um papel fundamental na manutenção, na ciclagem de nutrientes e no bem-estar do ecossistema marinho e, em alguns casos, também de água doce”, explica a Profª Patricia Charvet.
Por conta disso, diz, os tubarões e raias têm importância fundamental no equilíbrio marinho. “Os mares não são apenas lugar de produção de alimentos, mas também de produção de oxigênio. A partir do momento em que se ameaça esse equilíbrio, coloca-se em risco até o bem-estar da própria espécie humana”, completa.
Pesca, o grande vilão
O estudo não abre margem para dúvidas: a grande vilã dessa história é a pesca. Praticamente todos os elasmobrânquios (99,6%) estão ameaçados pela pesca, ainda que outros fatores – como a destruição dos habitats para fins de desenvolvimento, poluição e aquecimento global – também os afete.
A Profª Patricia Charvet lembra que tubarões e raias são bastante suscetíveis à pesca porque têm crescimento lento, maturidade sexual tardia e deixam poucos descendentes. Ao mesmo tempo, pesquisas anteriores publicadas pela revista Marine Policy já haviam estimado que entre 6,4% a 7,9% da população total de tubarões é morta por ano, devido à pesca. A matemática, portanto, é bem simples. “Estamos retirando da natureza uma quantidade maior desses peixes do que ela consegue repor”, resume a professora. Ou seja, a pesca dos condrictes tem ocorrido em sua grande maioria de maneira não sustentável.
No relatório, o Brasil é citado algumas vezes, sempre como sinal de grande preocupação devido ao alto número de espécies ameaçadas e até de espécies já extintas localmente. Há um motivo para isso. O País é um dos maiores consumidores de carne de raias e tubarões, estes últimos vendidos sob o genérico nome de cação – já houve inclusive campanhas para que as pessoas saibam o que estão consumindo.
A estimativa da Sociedade Brasileira de Elasmobrânquios (SBEEL) é de que o País produza 20 mil toneladas de carne de raia e tubarão por ano e importe a mesma quantidade. Além das questões ambientais, o consumo desse tipo de carne pode provocar problemas de saúde a longo prazo.
“Por ocuparem níveis mais altos da cadeia trófica marinha, […] a carne de tubarões está entre os pescados com maior concentração de metais pesados, como mercúrio e arsênio”, informou a SBEEL, por meio de nota. Essas substâncias têm efeito cumulativo e, quando ingeridas por longo prazo, podem prejudicar quem as consome com certa regularidade.
Medidas de contenção
O relatório é taxativo na necessidade de se impor limites claros à pesca, com base em pareceres científicos, e uma abordagem de precaução. Os especialistas propõem criar áreas em que a pesca seja completamente proibida, de modo a garantir o habitat de algumas espécies e, a médio prazo, permitir o repovoamento.
Para a Profª Patricia, no caso do Brasil, é preciso atuar tanto no aprimoramento das normas de pesca como da fiscalização. “Para algumas espécies, temos normas muito boas que proíbem o desembarque, mas que não são cumpridas ou não têm fiscalização suficiente”, diz.
“Por outro lado, muitas vezes vamos precisar de normas novas para poder dizer ‘e por que para espécie tal a gente não estabelece um limite de pesca por embarcação?’. Hoje, os países mais avançados em termos de manejo pesqueiro estabelecem um sistema de cotas”, complementa.
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