Quatro livros de mulheres negras para ler em março Diversidades

segunda-feira, 7 março 2022
Foto: Alice Andrade.

Ler mulheres negras é uma atitude fundamental para contribuir com as lutas feminista e antirracista

Por Alice Andrade (Instagram: @andradealice_)

No decorrer da história, a luta das mulheres por igualdade, justiça e direitos foi – e tem sido –  árdua. A tríade colonialismo-capitalismo-patriarcado produz desigualdades estruturais que subalternizam o papel social feminino e anulam intervenções políticas vindas desse lugar. Poder trabalhar ou votar eram questões alcançadas apenas por quem tinha privilégios econômicos e sociais, como homens brancos. Porém, quando se fala em seguridade de direitos, de quais mulheres estamos falando? Mesmo sofrendo repressões de gênero, a categoria racial não é uma chave de opressão para as mulheres brancas. Reivindicar empregos, por exemplo, nunca foi uma questão para as negras, pois sua força de trabalho tem sido cruelmente explorada ao longo do tempo, levando a uma luta contra essa exploração. A questão racial também oprime mulheres indígenas, assim como o viés do gênero/sexualidade é canal de violência para as mulheres trans. Ou seja, a experiência de ser mulher não é universal.

Na próxima terça-feira (08), celebra-se o Dia Internacional da Mulher. Nessa data com tanto peso simbólico para mulheres ao redor do mundo, é imprescindível pensarmos que há especificidades que tornam as racializadas ainda mais afastadas do topo da pirâmide social. Não é possível, portanto, conceber uma luta feminista sem levar em consideração as reivindicações de mulheres negras.

Por isso, para este 08/03, compartilho quatro sugestões de leitura que contribuem com a reflexão sobre as vivências e experiências dessas mulheres. Afinal, aprender com suas narrativas é uma forma de potencializar as lutas feminista e antirracista. Todo lugar de fala pressupõe também um lugar de escuta – e ler o que têm a dizer aquelas que ocupam esse locus social faz parte dessa construção.

Alice Andrade

1) Insubmissas lágrimas de mulheres

Sensibilidade, força e empatia são algumas das marcas dos textos de Conceição Evaristo. Em Insubmissas Lágrimas de Mulheres, ela nos ensina que quando uma mulher negra escuta outras, suas histórias se “(con)fundem” e revelam a potência das escrevivências. Conheça as histórias de Aramides, Natalina, Shirley, Adelha, Maria do Rosário, Isaltina, Mary, Mirtes, Líbia, Lia, Rose, Saura e Regina. Na escrita sinestésica de Conceição Evaristo, a dor e a beleza da vida de mulheres negras nos mostra que a realidade pode se encontrar entre o escrito e o vivido.

2) Você pode substituir mulheres negras como objeto de estudo por mulheres negras contando sua própria história

Nesse livro, a intelectual negra Giovana Xavier reúne alguns de seus textos publicados quando fez uma ruptura pessoal com o silenciamento historicamente imposto a mulheres racializadas. As publicações falam sobre questões raciais, culturais e sociais brasileiras, revelando um ponto de vista marcado, sobretudo, pelo exercício crítico e analítico do seu pensamento. Em especial, me chamou a atenção o capítulo chamado #escrevivênciaacadêmica, em que discute sobre mulheres negras na academia. Por que ocupamos um espaço tão pequeno no magistério superior? Por qual motivo nossa escrita, marcada por ancestralidade e lutas, é considerada militante, mas não acadêmica? A autora nos traz perguntas, algumas respostas e muita vontade de entender mais. Ler os textos de Giovana é um sopro de esperança e fortalecimento diante de uma realidade tantas vezes exaustiva.

3) Olhares negros: raça e representação

A necessidade de produzir narrativas que rompam com o padrão midiático hegemônico tem crescido entre pessoas racializadas. Isso porque os produtos elaborados sobre nossos corpos e consciências seguem lógicas muitas vezes estereotipadas e subalternizadas, contribuindo para a formação de estéticas e ideias supremacistas brancas e, consequentemente, racistas. Nesse livro, bell hooks se dedica a analisar modelos circulantes pela indústria cultural, em especial nos produtos audiovisuais. Raça e representação são palavras-chave de uma análise que nos leva a questionar e enxergar o mundo com novas lentes. Ao ler, passei a esperançar que outros caminhos são, sim, possíveis. Além disso, o prefácio da professora Rosane Borges, intitulado “Das perspectivas que inauguram novas visadas”, é uma aula à parte que nos instiga a reivindicar diferentes sentidos e imaginários.

4) Por um feminismo afro-latino-americano

Essa é uma coleção inédita da obra de Lélia González, organizada por Flávia Rios e Márcia Lima. A cada página, recebemos de presente os escritos potentes e relevantes de uma das mais importantes intelectuais negras brasileiras, com formulações que refletem acerca da realidade brasileira e latino-americana em um viés interseccional. O exercício de ler Lélia é complexo, às vezes doloroso, mas nos mostra que suas contribuições políticas e acadêmicas são fundamentais para entendermos as experiências de mulheres negras. Embora dialogue com a produção de intelectuais estrangeiras, a essência das reflexões de Lélia González é a construção de parâmetros analíticos a partir da perspectiva afro-latino-americana.

Para um mundo social e cognitivamente mais justo, ouça (e leia) o que mulheres negras têm a dizer.

Alice Andrade é jornalista. Mestra e doutoranda em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN). Pesquisadora de mídias negras, jornalismo e questões étnico-raciais. Integrante do grupo de estudos Descolonizando a Comunicação (desCom) do Departamento de Comunicação Social da UFRN e do grupo de pesquisa Pragmática da Comunicação e da Mídia (PRAGMA-CNPq).

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Leia a coluna anterior: Trabalho doméstico é trabalho

“Epistemologias Subalternas e Comunicação – desCom é um grupo de estudos e projeto de pesquisa do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte”.

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