Inovações hipertrofiadas Disruptiva

quarta-feira, 16 fevereiro 2022

Explicando a impossibilidade de algumas inovações de laboratórios sobreviverem às ruas

Recentemente temos sido bombardeados por inovações virtuais (em software: NFT, Metaverso, blockchain e derivações) e palpáveis (em hardware: carros elétricos, energia solar, eólica, células de hidrogênio, computador quântico e derivações), com uma frequência nunca antes vista. De um lado, por acharem ser isso a salvação da lavoura, já que sistemas mais modernos tendem a ser escaláveis, sustentáveis no sentido amplo (econômico, cultural, social, ambiental) e por isto mais baratos, fazendo com que alcancem a todos; tornam-se, portanto, soluções sociais. De outro, dada a questões econômicas pontuais (e/ou de ego). Ser a startup que descobriu aquele novo oceano azul é subir um degrau em direção ao panteão dos Jobs, Musks, Bezos, Gates etc. e, de quebra, poder comprar aquele Tesla pra desfilar entre Búzios e Tabatinga (litoral do RN), mostrando toda sua preocupação com o tamanho da pegada ecológica (aquecimento global,  poluição por combustíveis fósseis e outras crendices). No meu caso, ainda prefiro um Mustang 68. Vocês entenderão ao longo do texto.

A velocidade da virtualização com a qual o mundo se acostumou parece fazer com que a galera que mexe com essas coisas esqueça de detalhes básicos que a Física e a Química – entes mais arrogantes e insensíveis que conheço -, não esquecem, assim como também cobram com juros elevadíssimos o custo dos vacilos dessas mentes brilhantes. Pegando aqui o bizu de Einstein e Linus Pauling, prêmios Nobel nessas áreas, os tijolos do universo são a matéria e a energia e, por isto, tudo que existe é uma combinação ou transformação de ambas: matéria-matéria, matéria-energia, energia-energia. Embora os nerds mais famosos do “Mundo-Startup-S.A.” achem que possam, não existe hiato, mágica, ziriguidum ou pir-lim-pim-pim que consiga burlar essas interações. Talvez ilusória e temporariamente. E ainda nem falei dos sistemas biológicos…

Na AC de hoje, tentarei explicar a queda na fortuna de determinado nerd e a impossibilidade de algumas inovações fugitivas de laboratórios (e das cabeças de mentes que brilham tanto que se auto ofuscam), mesmo sendo anabolizadas, sobreviverem às ruas. Vai ser divertido!

Sistemas mínimos

Na AC A Física por trás dos negócios deixei um background de como as coisas funcionam, incluindo os negócios. Mas pra que você não tenha que ir lá, trago para cá o desenho de um sistema mínimo, que pode modelar qualquer produto ou serviço. Um sistema necessita de, pelo menos, quatro partes funcionais para ser minimamente viável:

  • Operativa : a parte que executa a função principal. Exemplo: em uma furadeira, a broca é a parte operativa. Num PC, os processador.
  • Transmissão: responsável por converter e transferir a energia de uma fonte à parte operativa. A fonte de alimentação e os condutores elétricos (também conhecida por carregador) tratam a energia que “brota” da parede e a entrega adequada a um notebook, PC etc. 
  • Energia: a fonte que alimenta todas as partes. Em um automóvel a explosão, o combustível é essa fonte. Em um carro elétrico… Opa, ele não tem fonte!!!
  • Controle: quem coordena todas as partes. 

Sistema mínimo

Muito interessante, não acharam? Peraí: parece mais um papo “nonsense a la GBB San” juntar matéria, energia, inovações bombadas que, embora rodando, estejam longe da viabilidade, e bilhões perdidos por um nerd, né não? Em minha defesa, então, vou apresentar alguns números e vocês dirão se o que eu escrevo é minimamente plausível.

Alguns números

91 TWh. De acordo com um novo relatório publicado pela Bloomberg nesta segunda-feira (13), a mineração de bitcoin consumiu cerca de 67 terawatts-hora (TWh) em 2020. Porém, o ritmo de gasto energético da atividade em 2021 já ultrapassou esse valor ainda neste mês de setembro. Pelas projeções realizadas no estudo, a rede da principal criptomoeda do mercado deverá fechar este ano (2022)’ consumindo 91 TWh, valor equivalente ao consumo anual do Paquistão. O levantamento também aponta as prováveis causas dessa alta.

260 MW. Com todos os data centers ao redor do mundo, o Google consome anualmente 260 milhões de watts. Salt Lake City, capital do Utah nos Estados Unidos, tem 186 mil habitantes – portanto, o gasto do Google é maior que o da região famosa pelos jogos de inverno de 2002

60 e 77% de fontes não limpas. A China, por exemplo, tem mais de 60% de sua geração de energia vinda do carvão, mas tem feito investimentos bilionários em eólicas e hidrelétricas para reduzir essa dependência. Os combustíveis fósseis continuam a dominar o universo dos combustíveis: cerca de 77% das necessidades energéticas do europeu médio são satisfeitas com recurso ao petróleo, ao gás e ao carvão. A energia nuclear satisfaz 14% dessas necessidades, enquanto os restantes 9% são satisfeitos com recurso a fontes de energia renováveis.  

Motor 2.0 turbodiesel. A análise comparou um elétrico Tesla Model 3 e um Mercedes Classe C, com motor 2.0 turbodiesel. No entanto, os cálculos não consideram apenas as emissões pelos próprios carros durante a rodagem, que obviamente é zero para o elétrico. O estudo inclui também o CO2 emitido na fabricação das baterias e na produção da energia usada para as recargas. “Tendo em conta o atual mix de energia da Alemanha e a quantidade de energia utilizada na produção de baterias, as emissões de CO2 dos veículos elétricos são, no melhor dos casos, ligeiramente superiores às de um motor Diesel e, noutros casos, muito mais elevadas“. 

NFT baseado em blockchain. Um token não fungível (non-fungible token, NFT) é um tipo especial de token criptográfico que representa algo único. Em suma, se quisermos garantir a propriedade e unicidade de algo digital, NFT é o caminho. Assim como as criptomoedas, os NFT são baseados em em blockchain. Ou seja: consumo energético bizarro, competindo com as “cripto”! 

Outra Terra. Se a ideia da Meta é fazer todo mundo do “feice”, do “insta”, do “zap”, das pontocom, das bodegas do Alecrim, das escolas, da pizzaria etc. migrarem para seu metaverso – um super “feicebuqui 3D” -, posso inferir que o consumo energético não será coisa pouca, já que lá todo infoproduto será baseado em NFT e os escambos (compras e vendas) ancoradas em criptomoedas! Junte a isso os carros elétricos competindo por energia, pois bateria não é fonte (é apenas um acumulador, diferentemente dos combustíveis), e a já escassez de processadores para fazer mineração de dados, os quais precisarão da construção de inúmeras fábricas de chip (sabia que seu PC pode estar nesse momento, e sem você saber, minerando algo para alguém? kkkkk). Eu estimo que precisaremos de outra Terra só para manter essa brincadeirinha energética. Estima-se que, mantido o consumo de hoje, ainda teremos 40 anos de combustíveis fósseis. Se pararmos de utilizá-los, vai sobrar muita matéria prima pra fazer chiclete! Vai ver deve ser esse o plano: botar todo mundo pra ruminar, quero dizer, mascar?! E estamos falando da pontinha de um iceberg tecnológico…

Os sistemas biológicos

Além das senhoras intransigentes que dominam qualquer sistema, temos uma mais dócil, que (pensa que) comanda as outras duas: a Biologia. Ela acrescenta uma variável imprescindível ao jogo energético, os famosos Devs (desenvolvedores), protagonistas do famoso Apagão tecnológico: “A Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) afirmou que o Brasil forma 46 mil profissionais da área de tecnologia todos os anos. Mas, também segundo a associação, o setor irá demandar cerca de 420 mil profissionais até 2024. Assim, se mantivermos esse ritmo, teremos um déficit de profissionais dessa área podendo chegar a 300 mil pessoas em apenas 3 anos, segundo uma pesquisa realizada pelo Brazil LAB e pela Fundação Brava.”

Trocando em rocamboles, a reportagem – que mirava apenas a necessidade crescente e imprescindível de IA -, já previa um rombo colossal na velocidade de formação de Devs. Imagina agora que a moda tech acrescentou o metaverso??? 

Balanço energético geral

Voltando ao sistema mínimo, concentremo-nos em seus bloquinhos. Qual a conclusão que podemos chegar? Que o “feicebuqui” virou Meta mas não deixou claro de onde virão a matéria (hardware), a energia (fontes), a transmissão (software viável e seguro) e a biologia que cria os algoritmos (os Dev), itens necessários para compor um sistema mínimo que garanta, de fato, sua transformação. Não sei se a Meta atingirá a meta – dizer de onde vem seus componentes – antes de quebrar…

No caso dos carros elétricos, o problema está no hardware necessário para controlar todo handshake interno, já que, por exemplo, o Tesla pode ser considerado um mosaico de processadores sobre rodas, e na falta de uma fonte de energia, já que o conjunto pesado de baterias não recicláveis é apenas um acumulador. Haja lítio!

Finalizando…

Se consegui prender sua atenção até aqui, talvez você comece a considerar minha visão nonsense não completamente isenta de lógica. Talvez, assim como eu e você, alguns investidores estejam deixando a emoção de lado, começaram a fazer contas e perceberam que o mundo pode ser contextual e dinamicamente viável, não exigindo urgentemente a eliminação dos motores à combustão (nem imagino o estrago na cadeia de empregos que isto causaria) ou a migração imediata para um universo imaginário cobrado a peso de bitcoins (altamente instável e de difícil concepção global, uma vez que os hackers parecem se multiplicar mais rápidos do que os Devs, praticamente em extinção). Tudo isso talvez explique a leveza percebida no bolso lá do nerd, que perdeu US$ 29,8 bi em um só dia… Acredito em carro elétrico, mas não na bateria. Prefiro um Mustang 68, sem um único processador. Ou todos se juntam, planejam e migram para algo com sentido, ou teremos mais mortes por uso excessivo de anabolizantes.

Referências

A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.

Leia a edição anterior: Ciência, a fronteira sem fim!

Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Gláucio Brandão

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