Este é o momento de multiplicar ações integradas que mantenham viva a ciência no país
Vivemos talvez o pior momento para a pós-graduação brasileira nos últimos anos. Sem possibilidade de fixação no país, os pós-graduandos vislumbram a saída do Brasil como única chance para continuar suas atividades de pesquisa, uma vez que própria escassez de bolsas de pós-doutorado impede projetos de mais curto horizonte de tempo em continuidade ao doutorado.
Há, no entanto, um hábito danoso neste ponto que não foi adaptado à nova realidade. No paradigma qualidade/ quantidade, a tendência segue apontando para a ciência salame, em que um tema é fatiado para produzir mais e mais artigos. No entanto, este é o momento de fortalecer temas críticos e estruturar parcerias internacionais, pois da ciência “salame” não há sustentação. Quanto mais se corta, menos se tem para publicar. Este é o momento de multiplicar ações integradas que mantenham viva a ciência no país.
E isto pode significar alguma variação para baixo na produção científica, evidentemente. Ora, a física já nos ensina a lei da ação e reação. Não há como manter os índices de 2004 com o financiamento de 2022. A missão é formar profissionais competentes neste momento crítico. E neste ponto, o tamanho do currículo do doutorando em termos de artigos não é o mais importante. Ele precisa entender como integrar métodos para estabelecer contatos e interações que o permitam começar do zero.
Começar do zero significa saber construir projetos de pesquisa competitivos, conquistar recursos das mais diversas agências de fomento, construir grupos de pesquisa e manter a máquina da ciência funcionando logo após a passagem deste tufão que abalou a ciência brasileira.
Enquanto a escrita de artigos é introspectiva e requer isolamento intelectual, o momento pede formação em métodos de socialização e colaboração para suporte em momentos de escassez e sucateamento.
Cabe aos orientadores de pós-graduação dar uma formação para além da construção de redes de caça-níqueis de artigos para dar vez ao fortalecimento de uma rede de pesquisadores que saibam a relevância dos problemas de interesse para o país. Assim, fugiremos da métrica dos doutores de toga que ostentam os currículos repletos de soluções para perguntas que não foram feitas por ninguém.
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Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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