Precisamos de profissionais que resolvam problemas que ninguém ousou responder
Pouca gente sabe, mas o aclamado físico Richard Feynman (prêmio Nobel e talvez o mais brilhante de todos os físicos) teve uma relação bem estreita com o Brasil, fazendo várias visitas ao nosso país entre 1949 e 1966, quando teve oportunidade de fazer colaborações científicas, dar aulas e conhecer nossos estudantes de engenharia.
Suas observações brilhantes não deixaram de focar em uma peculiaridade intrigante sobre o nosso sistema de educação. Ele percebeu que nossos estudantes de engenharia conheciam tão perfeitamente os conceitos quanto faltava-lhes o mínimo discernimento para aplicá-los no dia a dia. Levando para um exemplo simples, isso seria equivalente a alguém que define perfeitamente o que significa a inflação, mas que não sabe calcular o percentual de aumento do feijão. Em resumo, Feynman identificou um erro gravíssimo em nossa formação, quando levamos para a memorização até mesmo os conceitos mais lógicos. Ele percebeu que perguntas diretas eram respondidas de modo muito tranquilo enquanto que uma inversão na questão levava a um vazio de respostas (o nosso velho e bom decoreba).
E nesta educação em que o professor ensina seus estudantes a se darem bem nas provas, pouca coisa é incorporada no cotidiano de nossos jovens. Contextualizar e integrar conhecimentos é algo extremamente complexo, até porque as áreas e as disciplinas não tendem a dialogar, mantendo-se como caixas desconexas e largadas nas formações profissionais.
A curricularização da extensão poderia ser uma ótima oportunidade para estabelecer pontes entre áreas que não dialogam ou mesmo sobre os conteúdos que não interagem em uma mesma área. No entanto, o velho jeitinho brasileiro pode colocar tudo a perder, ao entender que participação em congressos e visitas técnicas dão conta desta integralização nunca realizada.
Para sairmos deste processo de aprendizagem baseado na necessidade “em passar nas provas” precisamos retirar todos os educadores de sua zona de conforto. Físicos não precisam restringir a sua atividade à “maçã na cabeça de Newton” para ensinar mecânica nem mesmo passar problemas com soluções na última página do livro texto.
Assim como Paulo Freire preconizava, o ensino precisa estabelecer o papel do estudante como agente de transformação. Para isto, as leis de Newton não são fim, mas sim meios. Meios tão uteis quanto chaves de fenda que se usam para abrir bombas e consertar ventiladores.
Nossos engenheiros não precisam decorar a definição do que é a chave de fenda. Eles precisam produzir chaves de fenda melhores. Isso é fazer engenharia. No início do século XXI, engenheiros eram contratados como representantes comerciais de empresas telefônicas, quando na verdade o seu papel era o de produzir novos aparelhos celulares. Vivemos um período duro de pandemia, mudanças climáticas e escassez de água. Precisamos de profissionais que resolvam problemas que ninguém ousou responder, aqueles que não constam em livros textos e que não pertencem a nenhuma área. O mundo precisa de novos profissionais transdisciplinares.
A coluna Ciência Nordestina é atualizada às terças-feiras. Leia, opine, compartilhe e curta. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag CiênciaNordestina.
Leia o texto anterior: Mudança de cultura
Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
Deixe um comentário