Quem deverá ocupar a lacuna existente entre a máquina e o humano? A resposta pode estar nos híbridos
Tentarei ser o menos futurista possível para explicar o que quis dizer com um título tão curto. O segundo motivo é que, infelizmente, a maioria das pessoas que conheço não gosta de “ficção científica especulativa”, gênero iniciado por William Gibson, autor de Neuromancer, papiro de 1982 no qual a quadrilogia Matrix foi inspirada e que, em minha leitura, quando comparado com o filme – do qual sou fã inconteste – a película aparenta ser brincadeira de guri. Gibson, em 1982 (ou antes) já falava de carros autônomos, IA, ciberespaço, conexão à rede e, vejam só, metaverso, a aposta iniciada em 2014 pela rede de Zuckerberg, para a qual serão convertidos todos os esforços da Big Tech daqui pra frente. Tanto que até o nome mudou. Pois é: Gibson deixou registrado tudo há quase quatro décadas…
Viagem mental de GBB San à parte, aonde quero chegar com esse preâmbulo? Em julho de 2020, cunhei a expressão (pode ser que exista, só não havia encontrada até então) Heurística Artificial, na tentativa de explicar o porquê de não precisarmos temer a famigerada IA, Inteligência Artificial, decepadora de empregos. Minha tese: para que exista uma verdadeira IA, ou o que a galera da computação chama de GAI (general artificial intelligence), é necessário que tal ente saiba fazer perguntas, e, como consequência, elaborar questões explicativas, o que levaria a ter dúvidas e criar questionamentos (ou pensamentos, se você conseguir derrubar suas barreiras dogmáticas). Para meu susto – ou melhor, surpresa – deparei-me na semana passada com o artigo Explainable AI: current status and future directions ainda não aprovado, mas submetido a IEEE.org em julho de 2021, portanto um ano após eu tentar acalentar o público perante a “burricidade” da IA.
A viagem condensada de hoje, quero dizer “aula”, tem por intenção explicar quem deverá ocupar a lacuna existente entre a máquina e o humano, para que este último possa manter-se profissionalmente competitivo: o híbrido. Concordo, ainda não tá claro, né? Mas falo de você. Veja se não faz sentido…
Do que fala o artigo Explainable AI?
Já falamos aqui sobre IA escritoras de texto. Sem querer desprezar o GPT-3, ela é só uma máquina reativa. Para não precisar mergulhar fundo no artigo mote deste texto, peguei de lá uma figura pra mostrar a vocês um pouco sobre o novo campo no qual o pessoal da tecnologia tá brincando: Explainable AI, ou XAI. A IA (convencional) resolve eficientemente problemas de classificação, regressão, agrupamento, aprendizado de transferência ou problema de otimizações. Em aplicações gerais como recomendações, cuidados de saúde, defesa, lei, carros autônomos etc., os algoritmos de machine learning são capazes de, com base em um bocado de dados e experiências coletadas, aprender e dar recomendações melhores e mais rapidamente do que qualquer ser humano. E aí é onde a XAI entra batendo forte: ela é capaz de perguntar os “porquês” daquelas escolhas a si mesma, inclusive varrendo todo o conhecimento humano registrado, também conhecido por Internet! Bizarro, né não?
E onde esse negócio de XAI veio bater também? Na BAYOU!
Você não leu Bahia, não. Nem falei Bayeux, bairro de João Pessoa. Saltemos então para longínquo setembro de 2021, para encontrar o artigo de Satavisa Pati, que tem por título “Aprendizagem natural de esboços: uma IA autossuportada está no mercado” (https://www.analyticsinsight.net/natural-sketch-learning-a-self-supported-ai-is-in-the-market/). Num tá claro ainda, né? Vou pegar então a primeira seção deste artigo, “These particular AI models can write their own codes”. Você tá impossível hoje, GBB San! Ok, vou botar lá no tradutor, “Esses modelos particulares de IA podem escrever seus próprios códigos”. Satisfied, baby? Ou, de modo mais sintético, IA programadoras. Por enquanto, estão proibidas de se autorreplicarem. Não sei por quem ou pelo que… Talvez pelo código de Asimov?!
Sentiu a pressão? Então deixa eu acrescentar a cereja digital no seu emaranhado bolo de bits: já está comercial. “Quais as consequências disso?”, você perguntaria! De cara posso dizer que, muito em breve, os preciosos Dev (desenvolvedores) ficarão obsoletos… Fui radical. Eles serão, na verdade, transformados. No que me baseio? Veja esse trecho do artigo:
“No entanto (a programação), não é completamente autossuportado. BAYOU gera o que os pesquisadores chamam de ‘esboços’ de um programa que são relevantes para o que um programador está tentando escrever. Esses esboços ainda precisam ser reunidos no trabalho maior”. Em outras palavras, terão de ser customizados para o projeto em questão. Agora você vai entender o que quis dizer sobre híbrido.
O Apagão Tecnológico e os Híbridos
Já falamos muito sobre o Apagão. Leia a AC Pelo que aguarda o Mercado? e veja o tamanho do rombo. O Apagão é um gargalo que, em minha visão, não será destravado pela “fabricação” em massa dos imprescindíveis Dev, cujas ações impactam o PIB das nações. Não acredita? Então leia: Google, Apple e Microsoft valem mais que todas as empresas da Bovespa. Pego então um trecho da AC de dois anos atrás, TI é o novo Esperanto:
“Não importa a profissão: a inclusão do cidadão do futuro estará diretamente associada à sua profundidade de conhecimento de TI na respectiva área de atuação. Prevejo que as profissões do futuro terão vocativos parecidos. Coisa do tipo: TI-Arquiteto; TI-Médico; TI-Advogado; TI-Reciclador; TI-Assistente Social, TI-Jornalista etc.”.
Juntando “lá com crá”, com bases nas assertivas:
Pode-se chegar à conclusão de que é necessário e urgente a geração de híbridos – pessoas de áreas específicas treinadas na utilização de IA (ou mesmo da XAI) – que sejam capazes de transformar algoritmos em soluções tecnológicas comerciais. Esse(a) é você, hehehe! Ou seja: você expandido! Ou, como deixei claro no começo desse ano, Você, um empreendedor robô! (https://nossaciencia.com.br/colunas/eu-um-empreendedor-ciborgue/)
Finalizando…
Nos encontros em empresas, startups, instituições etc., sempre pulamos rapidamente da parte da conversa “você sabe onde posso encontrar desenvolvedores” para “não sei o que fazer para transformar digitalmente o meu negócio”. Se você chegou até aqui, minha sugestão para essa bronca agora é óbvia: invista na formação de híbridos, junção da IN (inteligência natural) com a IA (inteligência Artificial), na conversão de seu pessoal para o pós-COVID-19, pois manjam muito bem do negócio da empresa e precisam manter-se competitivos; deles também depende o presente da empresa. Transforme-os em TI-funcionários, pois o trabalho braçal está sendo rapidamente substituído pelo trabalho “dedal”. Se não corrermos, esse último será substituído pela XAI. Não sei se apenas a labuta ou até mesmo nós, pois já ia esquecendo de um detalhe: o metaverso está chegando com a promessa de substituir muita coisa física. Vai que… Sob todas as circunstâncias, apresse-se, ou torça pra que Asimov continue vencendo, pois em seus postulados não há nada sobre substituição.
Referências:
Explainable AI: current status and future directions (https://arxiv.org/abs/2107.07045)
Google, Apple e Microsoft valem mais que todas as empresas da Bovespa (https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2016/02/03/google-apple-e-microsoft-valem-mais-que-todas-as-empresas-da-bovespa.htm)
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Leia a edição anterior: Não inove. Apenas experimente.
Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Gláucio Brandão
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