Será que dá pra prever técnica e pragmaticamente uma tendência-padrão, coisas efetivamente úteis à frente?
Em minhas aventuranças literárias na tentativa de vislumbrar qualquer lampejo de futuro iminente com intenção de criar massa crítica para inovações, já escrevi várias aulas condensadas (AC) sobre isto, propondo até métodos pragmáticos. Porém, sempre esbarro no que chamo de Muro de Drucker – “a melhor forma de prever o futuro é criá-lo” -, e caio em desalento, pois a pergunta que vem a reboque tem o tom “por onde começo a criar um futuro que tenha futuro?”. Foi mal o trocadilho, hehehe.
Entretanto, dia destes, encontrei um conceito interessante do antropologista Gregory Bateson, que trazia mais ou menos isto: “O padrão que se conecta é um meta-padrão. É um padrão de padrões. É esse meta-padrão que define a vasta generalização que, de fato, são padrões que se conectam”. Embora sejam definições dirigidas à evolução biológica, elas podem ser aplicadas aos negócios, o que deixei patente em Uma retro-perspectiva baseada no “0 ponto 9”, onde mostrei que bichos, companhias e cidades possuem um padrão de aparecimento, crescimento, maturidade e morte.
Nessa linha, aquilo que achávamos ser estável que, por algum evento, modificou-se ou conectou-se a outra coisa, não era um padrão, mas um meta-padrão. Essa nova centelha acendeu o lampião – que paira sempre sobre minha cabeça – de como desenhar o futuro: será que dá pra prever técnica e pragmaticamente uma tendência-padrão, aquela segundo a qual os meta-padrões seguiram antes de se consolidarem em padrões, coisas efetivamente úteis à frente? Se sim, fica um pouco mais fácil preparar-se, ou melhor, construir um quase-futuro negocial. Dá para se pensar em estratégias mínimas de como e onde aplicar recursos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) nos negócios.
Do premium à commodity: assim caminha a tecnologia
Há pouco mais de dois anos atrás, comentei sobre a comoditização da TI, quando apresentei o termo Technocommodity. Soube depois por meu “cumpadi” Gilson Gomes que o editor da Harvard Business Review, Nicholas G. Carr, já havia lançada uma hipótese sobre produtos de tecnologia que usam a TI embarcada:
“O que torna um recurso verdadeiramente estratégico — o que lhe permite construir a base de um diferencial no longo prazo — não é a onipresença, mas a carência. Só se tem uma vantagem em relação aos concorrentes tendo ou fazendo algo que eles não possam. Até agora, as principais funções da TI — armazenamento, processamento e transporte de dados — tornaram-se disponíveis e acessíveis a todos. O próprio poder e a presença dessas funções começaram a transformá-las de recursos com potencial estratégico em fatores de produção de commodities. Estão passando a fazer parte dos custos operacionais que devem ser pagos por todos sem oferecer distinção a ninguém”.
Em seu artigo, Carr propõe que as funções da TI têm potencial estratégico para produzir commodities. No texto anterior ao conhecimento de sua proposta, fui um pouco mais contundente ao sugerir a própria TI como commodity. Há uma sutil, mas importante, diferença entre ser e produzir commodities. Posso dizer que fui inspirado a priori, e sem saber, por este texto! Entretanto, para que não pairassem dúvidas, retratei-me na aula condensada seguinte, atribuindo essa percepção ao Nicholas.
Mas o que tem a ver a hipótese lançada por Carr com as tendências-padrão? Simples: se observarmos a progressão da TI, sendo ela a base de nossa última, e hodierna, revolução, podemos prever como aquilo que depende dela (P2S2: processos, produtos, serviços, startups) deverá progredir.
A TI como produtora de meta-padrões
“O padrão que se conecta é um meta-padrão”. Nessa linha, acompanhamos as coisas que possuíam TI embarcada começarem com o perfil premium, à medida que se conectavam ganhavam o status de lugar-comum e, finalmente, estabeleceram-se como commodities. As tecnologias que se conectaram, na verdade, eram meta-padrões. Como toda tecnologia – o ente mais perecível que conheço – nunca atingiram ou alcançarão o grau de paradigma.
Como exemplo de produto-mosaico formado por meta-padrões, muito em voga por sinal, basta olhar para este que está bem pertinho de você: o smartphone! Começaram raros (premium) – e faziam apenas ligações, e foram sendo preenchidos com hardwares e softwares suficientemente a ponto de a última coisa que se pensa em fazer com eles é uma ligação. Deveriam ter o nome mudado para smartreco ao invés de fone.
Na área de serviços, temos a indústria da música. Houve tempo em que saíamos para comprar vinil (sei que você sabe do que estou falando). A digitalização os transformou em CD, cujo arquivo em memória possibilitava a escolha de faixas de música digitalmente, mesmo antes de comprá-los. Fiz muito isso na Livro 7, livraria lá em Recife. Esse sistema foi uma espécie de protótipo da nuvem que, ao ser somado aos aplicativos de vídeo, catalisou o surgimento dos streamings e, voilà, fez-se a Netflix. Aposto como o próximo passo dessa galera incluirá realidade virtual ou aumentada, assim como a mistura de tudo isso com games, cuja indústria associada já ultrapassou a do cinema!
Podemos dizer que o caro, e raro (premium), vinil – conexão após conexão de apetrechos tecnológicos via TI -, é o verdadeiro avô do iPod, que levou à comoditização da música muitas meta-conexões depois. Um produto que se transformou, literalmente, em um serviço.
Ciclo de evolução dos meta-padrões. Infelizmente, ainda não dá pra chamar de lei!
Não posso chamar de Ciência ou lei. Observando com pragmatismo a evolução humano-tecnológica, cheguei a esta sequência de propriedades inerentes aos meta-padrões que, claro, podem e devem ser refutadas para que possamos estabelecê-las. Você pode modificar cada uma delas, ampliar, misturar ou reduzir a lista. Sigamos:
O smartphone, nosso exaustivo exemplo, se encaixa em todos os itens. Para falar a verdade, me inspirei nele para criar a sequência. Observem que este ciclo, ao promover a inovação, mantém-se sustentável a longo prazo, respeitando o pensamento do economista Joseph Schumpeter, um dos primeiros a considerar as inovações tecnológicas como motor do desenvolvimento capitalista. Em outras palavras, entender e aplicar a sequência manterá seu negócio alive and kicking (vivo e vibrante), como diz a música.
Se conselho fosse bom…
E como os meta-padrões impactarão seu negócio? Já estão! Embora eu já esteja convencido de que tudo hoje é orientado a serviço (#8), qualquer nicho de Mercado tem origem em um produto, um meta-padrão (#11). Aceitar a inevitabilidade da evolução dos meta-padrões (#4) é vislumbrar um norte inovador. Aplicar o ciclo a seu P2S2 é dar passos na direção certa, para os quais terá pouco tempo e algumas opções. Entretanto, uma possível bússola foi apresentada (itens do #1 ao #11). Como todo sistema evolui para satisfazer alguma necessidade(#1), ao mesmo tempo em que tem de se manter competitivo (#10), é urgente que pare tudo o que esteja fazendo agora, junte seu time, e discutam quais das propriedades do ciclo de evolução dos meta-padrões vocês não estão considerando ou deixaram passar. Garanto que uma reflexão de meia hora em torno deste tema pode evitar anos de consequências indesejáveis. Último lembrete: um concorrente está considerando isso agora.
Referência:
Gregory Bateson (https://en.wikipedia.org/wiki/Metapattern)
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Leia a edição anterior: O roteiro do filme de seu negócio
Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Gláucio Brandão
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