O altíssimo número de aptos a votar que ou se abstiveram, votaram em branco ou anularam os votos revelado com o resultado das eleições municipais de 2016 ampliou a visibilidade de uma crise de representação política. Leia no artigo do professor Homero de Oliveira Costa
Um dos requisitos básicos da democracia diz respeito à legitimidade das instituições políticas, especialmente os partidos políticos que, em princípio, têm um papel fundamental no processo de mediação entre a sociedade e o Estado. Quando nos referimos a existência de uma crise de representação – que não é específica do Brasil – significa afirmar que estas instituições (partidos políticos) não funcionam como interlocutoras eficientes das demandas da sociedade, com baixos índices de confiança social, com todas as suas consequências, inclusive para a democracia, porque gera, entre outras coisas, hostilidade aos partidos, ampliando comportamentos de antipolítica e o antipartidarismo e os espaços para “salvadores da pátria” e o crescimento da direita, como verificado nas recentes eleições.
O resultado das eleições municipais de 2016 revelou a continuidade de uma crise de representação política, expressa, entre outros fatores, no número muito expressivo de aptos a votar que ou se abstiveram, votaram em branco ou anularam os votos. De forma agregada, houve um crescimento em relação às eleições anteriores. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, a soma das abstenções, votos em brancos e nulos foi maior do que o primeiro ou o segundo colocados na disputa para prefeito em 22 das 27 capitais, incluindo as maiores colégios eleitorais do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. Em dez, os votos em brancos, nulos e abstenções foram maiores do que os primeiros colocados: Porto Velho (RO) , Belém (PA), Aracaju (SE), Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Belo Horizonte (MG) Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS) e em 11 capitais foram maiores do que os segundos colocados: Florianópolis (SC), Goiânia (GO), Palmas (TO), Maceió (AL), Recife (PE), Natal (RN), São Luis (MA), Fortaleza (CE), Macapá (AP), Boa Vista (RR), e Salvador (BA).
No Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, superou os votos obtidos pelos dois primeiros colocados juntos e em Rio Branco (AC), Vitória (ES), João Pessoa (PB), Teresina (PI) e Manaus (AM), a soma de abstenções, nulos e brancos ficaria em terceiro lugar na eleição para prefeito.
No caso de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, 1.155.850 eleitores votaram em branco (367.471) e nulo (788.379), ou seja, 5,29% e 11,35%, respectivamente, que dá um total 16,64% dos eleitores que não votaram em nenhum dos 11 candidatos, o índice mais alto desde a redemocratização. Somados a uma abstenção de 12,84% (1.940.454) superaram os votos dados ao candidato João Dória Jr. que foi eleito em primeiro turno.
O número representa um aumento de 30% em relação a 2012. A soma das abstenções e votos nulos, por exemplo, com exceção do primeiro colocado, foi maior do que a soma de todos os outros candidatos.
Em relação às câmaras de vereadores, os índices de votos em brancos e nulos também foram muito significativos, especialmente nas capitais.
O fato é que o resultado das urnas revelou um grande descontentamento de parcela do eleitorado com os partidos e os políticos (e candidatos) em geral.
Mas a questão importante é: o que levou ao descontentamento? Certamente não há uma única resposta e/ou fator explicativo. É um conjunto de fatores estruturais e conjunturais. Há quem identifique a descrença nos partidos como parte de um processo que começou nos protestos de julho de 2013. Na realidade, começou bem antes. Pesquisas realizadas pelo Instituto Latinobarômetro (Santiago/Chile) que faz pesquisas sistemáticas na América Latina sobre os índices de confiança nos partidos, congressos etc, tem constado isso pelo menos desde 1995, com diferenças entre países e o Brasil ocupa os últimos lugares. É certo que nas chamadas Jornadas de Junho de 2013, uma das suas bandeiras era justamente a rejeição aos partidos, ou seja, um movimento em que reivindicava a política sem partidos. Há outras tentativas de explicações. Para o cientista político Aldo Fornazieri, por exemplo, a derrocada do PT também contribuiu para o clima de descrença. “O PT sempre foi o partido mais enraizado socialmente, implantado em movimentos sociais e o desencanto com o partido certamente provocou frustração em parte dos eleitores”.
Mas há outros fatores: o mau funcionamento das instituições (partidos incluídos), o desempenho dos respectivos parlamentos, tanto em termos de produção legislativa como em termos de alternativas (viáveis) para as distintas crises (econômica, política e de representação). Não é por acaso, que os parlamentos, seja nacional, estadual ou municipal, há muito tempo ocupam as últimas posições em todas as pesquisas em relação aos índices de confiança social. O descrédito, comprovado por várias pesquisas, tem sua ressonância ampliada com a cobertura midiática de escândalos (quase sempre de forma muito seletiva) como do chamado Mensalão e mais recente, da Operação Lava Jato, que devem também ter contribuído para o desalento dos eleitores com os partidos e os políticos em geral.
Em relação à crise de representação política, um dos problemas que certamente contribui (mas não explica totalmente) está no sistema partidário e eleitoral. Vão desde a forma como são realizadas as eleições; a desigualdade na disputa (primado do poder econômico); as distorções da representação (candidatos mais votados podem não ser eleitos em função do quociente eleitoral); o sistema de listas abertas (que individualiza as campanhas e leva à competição entre candidatos do mesmo partido); a permissividade para criação de partidos e formação das coligações (feitas sem qualquer critério programático e/ou ideológico e desfeitas logo após as eleições); partidos fisiológicos (e legendas de aluguel) que não representam o eleitorado, mas os financiadores de campanhas, enfim, um conjunto de fatores que ampliam os problemas da representação e cujas tentativas de soluções, a começar por uma ampla (e necessária) reforma política, tem sido sistematicamente adiada e que, portanto, aponta para a continuidade da crise.
Homero de Oliveira Costa – professor titular (Ciência Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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