Falta de investimento, evasão de talentos e degradação de laboratórios formam o cenário não apenas de descontinuidade, mas de retrocesso da ciência brasileira
Em tempos de falta de investimento em pesquisa já surgem as primeiras baixas e impactos a longo prazo para a continuidade do trabalho científico no país. É clara a evasão de estudantes e recém-formados para o exterior e também a degradação dos laboratórios de pesquisa (é a entropia trabalhando pela anticiência). Sem manutenção, os equipamentos quebram e comprometem o futuro dos trabalhos. Dessa forma, passamos a tratar não apenas de descontinuidade, mas efetivamente de retrocesso – uma geração seguinte de cientistas afetados pela falta de recursos para suas pesquisas.
E neste cenário apocalíptico para a ciência no país, com a esperança de que esta seja uma fase ruim (ou mesmo péssima) de investimentos, é fundamental ter um plano de renascimento de toda esta estrutura devastada. E este processo passa pelo fortalecimento dos programas de iniciação científica. Explico o porquê: quando o país perceber que não poderia desprezar a sua ciência e decidir corrigir o erro, precisará de gente capacitada para diminuir o prejuízo e recolocar a máquina nos trilhos.
Precisaremos atrair mais uma vez os pós-graduandos para dentro dos laboratórios – o melhor publico para isso vem da iniciação científica. São estes estudantes que conseguem ligar a graduação à pós-graduação da forma mais suave possível, reduzindo prazos de defesa, desenvolvendo os melhores trabalhos e pulando etapas (com a realização do conhecido “doutorado direto”) quando o estudante passa da graduação para o doutorado. Se não tivermos um publico apto a realimentar a pós-graduação (nos limites em que seguíamos cinco anos atrás) teremos ainda mais dificuldades para reativar os programas no modo “turbo”. Na verdade bem menos “turbo” que o correspondente chinês, mas dentro dos limites de um país que sofreu uma hecatombe científica.
Os investimentos para isso são relativamente baixos, pois as bolsas de iniciação científica (IC) são baratas (resultado de falta sistemática de reajuste) e precisam ser prioritárias (e reajustadas) tanto para as instituições quanto para as fundações de apoio estaduais, uma vez que não podemos abrir mão da formação dos graduandos e do despertar de seus “estalos” científicos. É na iniciação científica que se descobre o prazer por fazer ciência – sem ela, vários graduandos poderão confundir a universidade com um grande mercado de disciplinas desconexas. E este profissional montado com tijolos irregulares não serve para o mercado nem para a academia.
É fundamental entender que os melhores pós-graduandos vem dos programas de iniciação científica, mas também que nem todo estudante de IC precisa ser acadêmico. O mercado também ganha com um profissional que tenha incorporado a metodologia científica em seu modo de atuar.
Em resumo, se estivermos mesmo em franca demolição, prezem pela pequena sala que resume os programas de iniciação científica do país. É de lá que virá a força para reconstruir tudo mais uma vez.
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Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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