Assim como um parquinho infantil, o sandbox regulatório pode ser um ambiente cheio de experimentação e aprendizado
Para um melhor entendimento das cláusulas expostas e oficializadas pela Lei Complementar Nº 182, de 1º de junho de 2021, denominado Marco Legal das Startups (MLS), recomendo a leitura do ebook free e maceteado do Dr. Lucas Bezerra. Para o Art. 2º desse Marco, aquele que fez meu coração bater com grande intensidade inovadora – por se tratar de uma novidade de fato, de direito e ainda legal -, recomendo esta aula condensada (AC).
Esta AC poderia ser a continuação de Criando marcos que são legais , despertar para o horizonte onde residirão uma miríade de TI-Profissionais, especialmente os TI-Advogados, ou ser o segundo capítulo de As aventuras do Dr. CB, pois, coincidentemente, foi Francisco Costa Barros, um TIn-Advogado (entenda-se TIn por Tecnologia da Inovação), a primeira pessoa (ou única) com a qual discuti a possibilidade de virtualização de parques tecnológicos, quando de seu ingresso em 2019 no nosso mestrado de inovação na UFRN.
O aprimoramento deste conceito – aliás uma bola cantada em BID, uma alternativa aos Parques Tecnológicos! – descentralizaria o nosso ecossistema de inovação, facilitaria o teste de novidades e, nessa esteira, faria brotar inúmeros negócios inovadores mundo afora e já legalmente enquadrados, sem a necessidade de estarem todos apinhados em capitais ou residentes em caríssimos espaços nobres. Imagine-se o salto tecno-econômico por região?
No encontro de hoje, vamos brincar um pouco nessa “caixa de areia”: os ambientes regulatórios experimentais, mecanismo importado da terra da rainha.
Do que se trata nosso Sandbox regulatório?
Pra ficar mais fácil a assimilação, vou expor progressivamente três versões do conceito. Depois avaliamos o que fora proposto para o Marco das Startups.
Sandbox #1: Lúdico. Quem acompanhou filho pequeno, sabe o que acontece em um parquinho com caixa de areia: tudo! Os pais, antes de soltarem sua galera de ferro neste ambiente, impõem regras simples, para que se evitem excessos como quebra de ossos ou danos aos olhos. Nesse ambiente, as crianças aprendem as primeiras leis sociais, cuja principal versa sobre ação e reação: faça e receba. Os pais, entretanto, observam mas só intervêm quando percebem a iminência de um excesso. De resto, é um ambiente saudável para aquisição de resiliência, fortalecimento do sistema imunológico e para ver até onde seus rebentos vão. Na outra tarde no parquinho, pós primeira experimentação, já dão recomendações do tipo: fique longe daquele, não faça aquilo que você fez, evite falar com fulano etc. Se perceberem trapaça ou desobediência, será o momento em que “o pal come”. Quero dizer, as regulações entrarão em vigor.
Sandbox #2. Computação. Mecanismo de segurança para separar programas em execução, geralmente em um esforço para mitigar falhas do sistema e/ou vulnerabilidades de software de se espalhar. É frequentemente usado para executar programas ou códigos não testados ou não confiáveis, possivelmente de terceiros não verificados ou não confiáveis, fornecedores, usuários ou sites, sem risco de danos à máquina host ou ao sistema operacional. Uma sandbox normalmente fornece um conjunto rígidamente controlado de recursos para a execução de programas convidados, como armazenamento e espaço temporário de memória. O acesso à rede, a capacidade de inspecionar o sistema host ou ler a partir de dispositivos de entrada são geralmente proibidos ou fortemente restritos (Wikipedia).
Sandbox #3. Fintech. A função de regulamentação é um bom exemplo dessa rigidez dos processos regulatórios. A maior parte das normas expedidas no âmbito do mercado financeiro tratam os participantes desse mercado de modo transversal, instituindo deveres e obrigações de acordo com o serviço típico desenvolvido por eles (corretagem, gestão de recursos, análise de investimentos etc.), independentemente das especificidades de cada negócio. Essa lógica não se coaduna com aquela aplicável às empresas de inovação tecnológica que ingressam no mercado financeiro (as chamadas “Fintechs”), já que elas muitas vezes não se enquadram nas “caixas” pré-determinadas pelos reguladores. Diante da necessidade de endereçar essa falha regulatória, tem surgido no âmbito das jurisdições estrangeiras um novo instrumento de regulação, utilizado com a finalidade de promover a evolução de novas tecnologias no mercado financeiro. Esse regime consiste em uma autorização temporária dada pelos reguladores financeiros para que empresas inovadoras (selecionadas por meio de um processo seletivo) sejam autorizadas a conduzir seus negócios dentro de um regime regulatório mais flexível, desde que obedeçam a parâmetros previamente acordados junto ao regulador. Há, aqui, um desconto regulatório para empresas que, devido a seu estágio inicial, não teriam porte para cumprir as exigências regulatórias aplicáveis aos provedores de serviços financeiros clássicos.
Sandbox Regulatório. No Art. 2º do Marco das Startups, o sandbox recebe outra nomenclatura, Ambiente Regulatório Experimental, e a definição: “Conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado”.
E no Art. 11º , a forma de operacionalização: “Os órgãos e as entidades da administração pública com competência de regulamentação setorial poderão, individualmente ou em colaboração, no âmbito de programas de ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório), afastar a incidência de normas sob sua competência em relação à entidade regulada ou aos grupos de entidades reguladas. Para que isto aconteça, “a colaboração poderá ser firmada entre os órgãos e as entidades, observadas suas competências” e “o órgão ou a entidade responsável disporá sobre o funcionamento do programa de ambiente regulatório experimental, estabelecendo i) os critérios para seleção ou para qualificação do regulado; ii) a duração e o alcance da suspensão da incidência das normas; e iii) as normas abrangidas.
Juntando tudo, nosso Ambiente Regulatório Experimental (ou sandbox regulatório), inspirado na experiência Britânica com fintechs, quando for implementado, será um ambiente virtual (sandbox), observado por órgãos reguladores (os pais), com regras específicas diferenciadas (limites flexibilizados), cujos processos serão testados por e para um público alvo (as crianças) durante um tempo específico (uma tarde no parque). Antes de um excesso acontecer (lembra do que fulano fez lá no parque?), a regulação é intensificada (castigo).
O Art. 2º de nosso no novo Marco, é ou não é a soma dos conceitos Sandbox #1, #2 e #3, crianças? Quero dizer, “startupeiros”.
Project Innovate: a experiência britânica!
A Financial Conduct Authority (FCA), órgão regulador responsável pelo controle e fiscalização de serviços financeiros no Reino Unido, foi a pioneira no mundo na operacionalização de Sandboxes, através do Project Innovate, fonte inspiradora para o Art. 2º de nosso marco. De lá e do livro Advocacia 4.0 (Maldonado e Feigelson, 2019), extraio alguns números: em 2016, dos 69 projetos inscritos, 75% das empresas aceitas completaram testes com sucesso. Destas, 90% das empresas que concluíram os testes, continuam expandindo seus produtos e serviços. A maioria das empresas que receberam autorização restrita para seus testes, obtiveram autorização completa depois da conclusão do processo.
Nossa (na verdade minha) expectativa: e se eu encontrasse Jeannie, a Gênio…
… E ela me concedesse um desejo empreendedor. Seria algo mais ou menos assim:
Eu desejo que o Sandbox Regulatório seja um ambiente virtual, criado por um órgão regulador que permita testes práticos, e em pequena escala, de inovações por empresas privadas em todas as áreas, não apenas na financeira, sob sua supervisão e controle. E que neste ambiente virtual, os regulamentos sejam formulados e testados em ritmo acelerado com o menor grau de burocratização, de modo a propiciar às empresas um espaço-tempo para desenvolver inovações de forma segura para ambos os públicos: startups e beneficiários. Desejo também que lá sejam criados projetos que desafiem os modelos de negócios existentes, com minimização da insegurança jurídica e que se reduzam os prejuízos potenciais aos consumidores. Que neste ambiente, a Ciência, a Tecnologia e a Universidade se reconectem com a realidade social e entendam a exponencialidade dos novos tempos, criando uma percepção experimentalista, de modo também que não sejam mais necessários parques tecnológicos físicos, excludentes e elevadores de valores imobiliários em áreas urbanas densamente povoadas, e que as sandboxes sejam reconhecidas por Zonas Francas Virtuais de Inovação! Será que é pedir muito?
Finalizando…
Dei uma “fuçada” digital por estas bandas, e encontrei uma proposta nacional suportada pelo Governo Federal, inicialmente projetada para fintechs: o Programa Sandbox do Startup Point. Entretanto, dada a novidade do tema, trago de lá o que encontrei: “Como se trata do primeiro ciclo, o site oficial ainda está em construção e será amplamente divulgado assim que estiver apto para uso”.
Espero encontrar Jeannie antes!
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Leia a edição anterior: Criando marcos que são legais
Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Gláucio Brandão
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