Além do risco de contágio pelo coronavírus, a fome, a pobreza extrema, o desemprego, e a LGBTI+fobia afetam o bem-estar de muitos que ainda vivem em estado de vigilância contra os preconceitos
Este texto é um manifesto. O mês de junho é de ´comemoração`, tem a bandeira LGBTI+, linda, colorida; tem as marcas que mudam a foto do perfil e fazem da luta da diversidade a sua propaganda para lucrar o pink money, não esquecendo dos artistas e cantores que também acabam ganhando com a nossa luta. Portanto, também é tempo de protestar, entender que não somente vivemos de orgulho e em alegria, pois a liberdade ainda é uma utopia. O pouco que conquistamos é importante, mas ainda temos uma longa batalha pela frente.
No mês do orgulho, não podemos esquecer das vidas que vieram antes de nós, que disputaram por espaço, direitos e conquistas. Assim sendo, precisamos comemorar, mas sem esquecermos que devemos agir, pois a pandemia acentua vulnerabilidades além do risco de contágio por covid-19, como a fome, a pobreza extrema, o desemprego, não esquecendo a LGBTI+fobia que afeta diretamente o bem-estar de muitos e muitas que ainda vivem em estado de vigilância contra os preconceitos.
Segundo o Diagnóstico LGBT+ na Pandemia da #VOTELGBT, em colaboração com a BOX1824, há sérias evidências que apontam as vulnerabilidades emocional, social e financeira para as pessoas LGBTI+, sendo fundamental o papel de políticas públicas e privadas, mudando de certa forma uma realidade assente em critérios de parcialidade e ineficiência.
Em 2019, segundo o relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), 329 pessoas LGBT+ tiveram morte violenta, sendo 297 homicídios e 32 suicídios. Em 2020, pesquisa guiada pelo GGB e o Acontece Arte e Política LGBT, rastrearam 237 mortes motivadas pela LGBTI+fobia. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), sobre os números de óbitos de pessoas transsexuais e travestis no Brasil, tivemos 175 mortes em 2020, 124 em 2019, 163 em 2018 e 179 em 2017. Não podemos ignorar o fato de que o Brasil, infelizmente, ainda é o país que mais mata pessoas LGBT+, principalmente transexuais e travestis.
Apresentamos aqui um recorte de uma pesquisa realizada ao lado do Dr. Paulo Falção, professor da Universidade do Algarve, em Portugal. Através de um formulário aplicado online, entre os dias 24 e 30 de maio, buscamos perceber os desafios enfrentados pela comunidade LGBTI+ no Brasil e em Portugal.
Durante o ano de 2019, o Observatório da Discriminação[1] contra pessoas LGBTI+, em Portugal, recebeu um total de 171 denúncias, sob questionários em anonimato. 40% das pessoas inquiridas admitiram que se sentiram discriminadas pelo menos num dos seus contextos do cotidiano. Angelita Seixas Alves Correia, mulher transsexual, 31 anos, residente em Portugal desde 2016, personal trainer e instrutora de dança, foi encontrada morta em 2021 numa praia portuguesa após relatar ameaças em live.
Dos 206 participantes, 95,5% (n= 197) responderam que neste momento pandêmico os governos não tiveram cuidado especial com a população LGBTI+ nos seus respectivos países. A idade dos inquiridos desta investigação variou entre os 17 e os 66 anos, verificando-se uma maior predominância nas idades entre os 23 e os 25 anos. Em relação ao gênero, 30,5 % dos inquiridos afirmaram ser mulheres cisgênero, 50,5% homens cisgênero, 3% mulheres transsexuais, 2% homens transsexuais, 1% travesti, 3,5% não-binário, 3% fluído, 2% agênero, 5% outros gêneros. Já no que diz respeito à orientação sexual, 49% afirma ser gay e 28% bissexual, 11% lésbica, 6% heterossexual e 4,5% pansexual, 1,5% outro. Por fim, em relação à etnia, destacamos que 55% dos inquiridos são brancos (n=113) e 30% negros (n=61). 81% dos respondentes residem no Brasil (n= 166) e 19% em Portugal (n= 40).
Através da análise estatística descritiva do nosso questionário, começamos por referir que 75% dos inquiridos tem por hábito conviver com os seus familiares; 76% afirma ter com quem pode partilhar assuntos íntimos e pessoais; 71% não costuma ter encontros afetivos casuais; 75% afirma ter um ambiente familiar estável; 80% admite poder contar com a ajuda de amigos; 77% sente-se integrado socialmente; 61% gosta da sua aparência física; 57% alega não ter um emprego estável; 76% não tem dificuldade em adquirir os bens essenciais de que necessita e consegue pagar todas as suas despesas; 90% afirma ter boas condições de habitabilidade; 70% gosta do trabalho que tem. Na sua maioria, os inquiridos afirmam que durante a pandemia de Covid-19 nunca foram vítimas de violência física, doméstica, psicológica e verbal.
Os resultados da investigação parecem estimar, como apresentado anteriormente, que esta parcela não vêm sofrendo danos profundos durante este período da pandemia. Entretanto, os dados recolhidos também nos apresentam uma realidade que necessita ser escutada e apoiada: 30% dos participantes não se sentem seguros; 25% não possui um ambiente familiar estável. Embora o nosso estudo apresente uma amostra significativa, seria pertinente continuar esta investigação aprofundando outros domínios como o emocional e o da saúde.
Não precisamos somente de imunizante, mas também de empatia, perceber e se importar em como as pessoas estão passando por esse momento. É complicado, mas necessitamos descortinar as fragilidades, disputar nossas conquistas e sanar questões que urgem por apoio. Já somamos no Brasil mais de 470 mil vidas para a covid-19, fora as inúmeras outras vidas perdidas para a LGBTI+fobia.
* Walisson Araújo é mestrando em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduado em Jornalismo pela universidade Federal do Cariri (UFCA). Em 2018, como parte da sua graduação, esteve em mobilidade acadêmica na Universidade do Algarve (UAlg), em Portugal, na linha de estudos em Ciências da Comunicação.
[1] ILGA – International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intesex Association
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“Epistemologias Subalternas e Comunicação – desCom é um grupo de estudos e projeto de pesquisa do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte”.
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