Leia a continuação do artigo da professora Magda Guilhermino, da Escola Agrícola de Jundiaí, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte sobre o movimento Defeso da Caatinga
Sugere-se que a Emater faça a instrução dos agricultores familiares na construção dos renques e barramentos e de seu monitoramento e a orientação na manutenção e nas ações futuras para com as estruturas e manejo agroecológicos, como o aumento da altura e/ou largura dos renques e barramentos e acompanhamento do manejo das plantas lenhosas. Para isso, o governo federal em parceria com os poderes estaduais e municipais deverão garantir diárias, transporte, capacitação e condições de atuação dos técnicos junto a todas as unidades da agricultura familiar inseridas em Bioma Caatinga.
A duração da Política Pública Defeso da Caatinga será de acordo com cada unidade familiar, de forma que cada agricultor familiar será emancipado quando todas as tecnologias da Ecotec tenham sido implantadas e suas atividades agroecológicas produtivas econômicas consigam gerar produtos que, perfaçam a soma anual de 12 vezes o salário-mínimo corrente por unidade familiar durante dois anos consecutivos.
Parcerias Geparn, Caatingueiros e Terra Viva
Geparn – é um grupo multidisciplinar de estudos em politicas públicas para desenvolvimento sustentável da agricultura familiar, agroecologia e recuperação do bioma Caatinga, da Uaecia – EAJ, formado por alunos de graduação e de pós-graduação de diferentes cursos da UFRN, que atua na região do Seridó, desde 2009, num formato de intercambio de conhecimentos entre a academia e os agricultores familiares.
Caatingueiros – É um grupo de pesquisa interinstitucional, multidisciplinar e multiprofissional (diretório CNPq – 2016) em função da Recuperação do Bioma Caatinga, Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável da Agricultura Familiar do Semiárido que apoia e promove o Defeso da Caatinga e desenvolve pesquisas em diferentes áreas do conhecimento no Assentamento Trangola, em Currais Novos, Região Seridó, RN, Brasil.
Projeto Terra Viva – Trabalham na implantação de ações agroecológicas de conservação de solos, renques, barramentos assoreadores, enleiramento de material vegetativo, raleamento e rebaixamento da Caatinga, no Assentamento Trangola, Currais Novos, RN, Brasil, através de mutirões de agricultores familiares. O projeto, também, desenvolve ações agroecológicas e não agrícolas, de educação e capacitação.
A partir de setembro de 2016, o GAPERN (UFRN) e o Grupo Caatingueiros, composto de equipes multidisciplinares e interinstitucionais, se uniram ao projeto Terra Viva, para em conjunto, com todos os envolvidos na recuperação do Bioma Caatinga e em especial ênfase com os agricultores familiares e alunos, desenvolver e implantar ações de ensino, pesquisa e extensão, a partir das ações agroecológicas de conservação de solo abaixo descritas e para a promoção da proposta de Política Pública Defeso da Caatinga.
As tecnologias agroecológicas de recuperação de solos degradados (renques, barramentos, enleiramentos de estruturas vegetativas provenientes da poda e/ou raleamento e rebaixamento de árvores) são técnicas eficientes e efetivas no combate à desertificação, de baixíssimo custo e podem ser feitas manualmente e de forma coletiva, e as descrições aqui adotadas sobre renques e barramentos assoreadores, seguiram as recomendações em Lira Santos, et al. 2007 e as técnicas de rebaixamento e raleamento da caatinga seguiram as recomendações em Araújo, A.F. et al. 1992 e 2002.
Os renques são cordões em contorno vegetados e/ou de pedras nas áreas degradadas ou em processos de erosão e de desertificação, em terras que eram agrícolas, em lugares estratégicos para a contenção de solo e redução da velocidade das enxurradas. Os renques de estruturas vegetativas são feitos com material proveniente da poda e/ou rebaixamento de arvores da Caatinga presentes nas áreas rurais. Essa poda tem objetivo de retirar galhos que causam prejuízo energético à planta, melhorando assim seu aporte de nutriente na época de escassez hídrica. O material proveniente desta poda é agrupado na forma de cordões em contorno (renques) ou colocado no “pé das árvores” para manter a umidade e melhorar o aporte de matéria orgânica no solo.
Os barramentos assoreadores são feitos nos leitos dos corpos d’água, córregos ou riachos de micro bacias ou caminhos de enxurradas que apresentavam elevada declividade e condições físicas adequadas para a amarração das extremidades do barramento assim como e a existência próxima de um local com pedras de qualidade e quantidade, preferencialmente, soltas. Quanto à arrumação, as pedras devem ser dispostas de forma que fiquem bem juntas umas das outras constituindo muros transversais nos leitos dos riachos. As primeiras camadas colocadas na base do riacho devem ser pedras de maior tamanho e arrumadas com cuidado. As pedras que compõem as paredes dos taludes de montante e de jusante, também devem ser as maiores disponíveis próximas a obra, sendo que o “miolo” do barramento deve ser preenchido com pedras de menor tamanho.
O raleamento da vegetação arbóreo-arbustiva da caatinga segundo Pereira Filho, 2013, consiste no controle seletivo de espécies lenhosas para que com a redução da densidade de árvores e arbustos indesejáveis e, também, do sombreamento, em torno de 30 a 40%, permitindo a penetração dos raios solares, que quando ao se iniciarem as chuvas, as sementes das plantas herbáceas germinem e se desenvolvam satisfatoriamente. Ainda segundo o mesmo autor, o raleamento transfere a produção de biomassa dos arbustos e árvores para o estrato herbáceo, aumentando, consideravelmente, a matéria seca, oriunda de gramíneas e dicotiledôneas herbáceas, o que possibilita a criação de ruminantes de forma sustentável, conservando a Caatinga. Entretanto, é importante enfatizar que o raleamento que depende do grau de ocupação da área por árvores e arbustos, do estádio sucessional, das condições de chuva e da localização topográfica do sítio ecológico (Cornelius & Braham, 1951).
O rebaixamento das plantas lenhosas da Caatinga trata de cortar as espécies lenhosas a uma altura de 30 a 40 cm do solo (chamada popularmente de Broca), no terço final do período de estiagem para que no início das chuvas, as plantas possam rebrotar, disponibilizando massa verde dos arbustos e árvores, a qual de outra maneira estaria indisponível, para ao alcance dos animais, principalmente, para os caprinos. Desta maneira, os caprinos poderão pastejar sem danificar as arvores e sem exaurir a vegetação.
Como resultados destas ações pode-se observar no ano seguinte a implantação dos renques e barramento, em relação à mitigação do processo de desertificação, que a maioria dos barramentos assoreadores foi eficiente na retenção de solo e matéria orgânica, evitando o assoreamento de mananciais.
Com as chuvas e o processo de lixiviação, houve acumulo de matéria orgânica também rica em sementes, a montante dos barramentos e ao longo dos renques, onde se pode notar a re-vegetação espontânea devido à umidade e solo ali fixados. A experiência na construção dessas tecnologias permitiu que as famílias agricultoras desenvolvessem um nível de conscientização ambiental relacionados aos temas de desertificação e desmatamento, recuperação do bioma caatinga, importância das árvores, assim como a questões relacionadas ao uso racional do solo e dos mananciais hídricos. Mas acima de tudo, o aprendizado do trabalho coletivo, transformando-o numa experiência viva e efetiva dando novas esperanças e rumos às comunidades rurais levando-as a caminhos como o da diversificação das atividades agrícolas, ações coletivas na produção de doces, bolos e artesanato, ações com as crianças na confecção de mudas de plantas nativas que serão utilizadas no reflorestamento das áreas e na organização de trilhas agro ecológicas para o turismo rural, que ajudam complementação da renda das famílias.
A implantação de barramentos assoreadores e renques demandam acompanhamento e ações subsequentes, como por exemplo, se necessário o aumento da parede do barramento e dos renques para que o solo fique retido e não ultrapasse as instalações com o decorrer do tempo.
Nas áreas onde houve manipulação da vegetação lenhosa é notório o aumento da serapilheira e estrato herbáceo e das copas das árvores, gerando um clima ameno e agradável nestas áreas,
Esse trabalho apesar da sua importância e do seu sucesso na adoção das tecnologias não caminhou conforme o esperado porque não houve continuidade do trabalho, isto é, não houve acompanhamento da evolução dos renques e barramentos e nem a construção de outros nas áreas degradadas. Isto porque, o processo de recuperação do bioma leva tempo e os agricultores precisaram sair de suas unidades familiares para trabalhar para conseguir compor uma renda melhor para si e sua família, já que suas terras não mais comportam mais atividades agrícolas econômicas devido à exaustão dos recursos naturais, ao processo de desertificação e às politicas públicas tímidas que não atendem a demanda real da agricultura familiar.
Por isso, a urgência da implantação da Política Pública Defeso da Caatinga, pois a recuperação do Bioma Caatinga se faz urgente, e é uma necessidade de todos se queremos que as gerações futuras recebam um planeta digno. Para isso os agricultores familiares são peças chaves nesta reconstrução juntamente com pesquisadores e extensionistas e toda sociedade civil para que possamos contribuir e focar nossos esforços nas respostas e necessidades do trabalho de recuperação e restauração ecológica do Bioma Caatinga.
Magda Maria Guilhermino
Coordenadora do Defeso da Caatinga – Geparn/ UFRN
magdaguilhermino@gmail.com
Deixe um comentário