Mata Atlântica Ciência Nordestina

terça-feira, 25 maio 2021
Foto: Ascom Semarh

Uma reflexão sobre o 27 de maio, o dia da Mata Atlântica - uma floresta que definha rapidamente

Desde que recebi a tarefa de falar sobre a Mata Atlântica e de seu dia, não consigo deixar de pensar na outra, a floresta Amazônica, que arde em chamas e definha dia a dia. E este 27 de maio, dia da Mata Atlântica, é a exata data em que o Padre Anchieta assinou a Carta de São Vicente, onde relata ao mundo a riqueza e a biodiversidade de uma floresta que definha rapidamente, sobrevivendo em pequenas manchas verdes. Isso porque atualmente apenas 7% do bioma natural existe e 60% dos animais em extinção no Brasil dependem deste bioma. Há aqueles que neste ponto estão pensando: mas evidente que o manejo inteligente precisa viabilizar os grandes centros urbanos. Outros, do grupo em que me incluo, pensarão: a convivência e a preservação natural são bem mais importantes que este modo de produção que esgotou o petróleo do planeta (e se o manejo fosse, de fato inteligente, não teria consumido 93% da floresta). As pandemias são o retrato mais fiel do que o desequilíbrio ambiental provoca ao planeta. Em 1560 não haviam dados sobre isso, todavia, em 2021, eles são abundantes. E mesmo assim, fazemos com a Floresta Amazônica o que foi feito com a Mata Atlântica.

Para falar do que foi a mata Atlântica, precisamos voltar à Carta de São Vicente e pelas palavras do padre Anchieta entender o quanto de vida havia por estas bandas.

“…Entre outras, há aqui certa erva espalhada por toda a parte e que muitas vezes vimos e tocámos, a que chamamos viva (68), porque parece ter tal ou qual sentimento: pois, se a tocares de leve com a mão ou com qualquer outra cousa, imediatamente as suas folhas, fechando-se sôbre si mesmas, se ajuntam e como que se grudam; depois, daí a pouco tornam a abrir-se.”

E mesmo nos idos de 1560, o potencial biotecnológico já saltava aos olhos. Os índios usavam a riqueza da mata.

“…Das árvores uma parece digna de notícia, da qual, ainda que outras haja que distilam um líquido semelhante á resina, util para remédio, escorre um suco suavissimo, que pretendem seja o balsamo, que a princípio corre como oleo por pequenos furos feitos pelo carancho ou tambem por talhos de foices ou de machados, coalha depois e parece converter-se em uma especie de balsamo; exala um cheiro muito forte, porém suavissimo e é otimo para curar feridas, de tal maneira que em pouco tempo (como dizem ter-se por experiência provado) nem mesmo sinal fica das cicatrizes (69).”

E estes animais que hoje estão em extinção, conseguiam respirar e viver.

“…Em verdade, não é facil dizer quanta diversidade ha de aves ornadas de várias côres. Os papagaios são mais comuns aqui do que os corvos, e de diferentes especies, todos bons para se comerem; alguns deles produzem prisão de ventre; outros imitam a voz humana; outros ha que, comendo o milho quando está granado, voam em bandos e quando estão nesse trabalho, fazem de maneira que, quando descem para comer, fiquem sempre um ou dois no alto de uma árvore, como de vigia, os quais, espiando o lugar por todos os lados, em vendo alguem aproximar-se, tocam rebate e fogem todos; mas se não houver perigo algum, quando os outros fartos sobem, descem os vigias por sua vez para comer (54).”

E para encerrar esta matéria que de comemorativa passou à melancólica, nada melhor que o relato do comportamento de um animal, que pode representar a própria mata, que atônita observa a ação de uma espécie que se diz inteligente.

“Ouvi falar de outro genero ainda de aves de prêsa, a qual, quando está aquecendo os filhotes recem-nascidos no ninho, que constroi no mais alto da árvore, se o caçador sobe para tirá-los, não voa, mas, abrindo as asas para protegê-los, conserva-se imóvel, consentindo antes que a apanhem, do que em desamparar os filhos.”

A coluna Ciência Nordestina é atualizada às terças-feiras. Leia, opine, compartilhe e curta. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag CiênciaNordestina.

Leia o texto anterior: O futuro de um país sem educação

Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).

Helinando Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Site desenvolvido pela Interativa Digital