Violência contra a mulher: mutilações do corpo e da alma feminina Diversidades

segunda-feira, 24 maio 2021
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O que podemos fazer para que tantas histórias de mulheres não sejam apagadas, silenciadas e não se tornem estatísticas?

Por Laís Emanuelle Brito *

Quantas vezes você já presenciou algum tipo de violência contra mulheres? Quantas dessas eram próximas suas? Quantas vezes você como mulher se culpou de ser quem é por passar por situações constrangedoras de assédio? Quantas matérias relacionadas a mulheres viu na TV ou acompanhou por suas redes sociais sendo mortas, violentadas, estupradas, assediadas, tratadas com desrespeito? Por fim, quantas vezes alguém te falou ou debateu com você sobre violência contra mulher?

É preciso resgatar na memória, quem sabe fazer uma reparação histórica do silenciamento, do apagamento e principalmente das mutilações constantes do corpo e da alma feminina. Diante de tantos séculos, quantas histórias não saberemos, não leremos, não virarão estatísticas, não serão sequer notícia. Seja ela próxima a você, ou distante, loira, morena, ruiva, magra, gorda, alta, baixa, enfim, seja ela mulher, carrega consigo milhões de histórias que podem ser apagadas unicamente por serem mulheres, isso não é justo e precisamos mais do que nunca falar e debater sobre violência, gênero e esse ser mulher no mundo.

Jornalista Laís Emanuelle Brito.

Nos últimos anos podemos ver uma crescente no debate nas mídias a respeito da violência contra mulher, na maioria das vezes são as próprias mulheres que trazem essas discussões.  Pensando nesse espaço que conecta pessoas tão distintas etnicamente, geograficamente, posicionalmente, faz-se necessário que abordemos cada vez mais sobre o assunto e que esses ambientes se multipliquem, levando a informação aquelas mulheres que por inúmeros motivos não tem acesso a elas e que por muitas vezes se tornarão vítimas.

Segundo a ONU sete em cada dez mulheres já foram ou serão violentadas durante a sua vida. Enquanto você está lendo, uma mulher, pelo menos, está sendo morta, violentada, assediada, unicamente por ser mulher. Em contrapartida, quando essas mulheres sobrevivem para falar e colocar sua voz diante de todos, ela é colocada como culpada, por usar uma roupa, por ser de uma forma, por acreditar nas pessoas, por estar naquele local. Nunca culpabilizam o agressor, dando margem por muitas vezes para a continuação do ciclo de violência por não conseguirem denunciar.

Diante disso, é necessário abordar o que é a violência contra mulher, segundo a Convenção do Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, adotada pela OEA em 1994) a violência contra mulher é toda e qualquer conduta ou ação, baseada a partir do gênero, que resulte em morte, sofrimento ou dano físico, sexual, psicológico à mulher, tanto no que diz respeito ao âmbito público quanto ao privado.

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Tipos de Violência contra Mulher

De acordo com a Lei Maria da Penha (Lei n. 9.099/1995) estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. É essencial ter mente que essas formas de agressões são por muitas vezes perversas e que não são geradas de formas isoladas, com graves consequências para as mulheres.

A violência física é entendida como qualquer atitude que de alguma forma ofenda a saúde do corpo da mulher. Podendo ser por meio de espancamento, arremessar objetos, estrangulamento ou sufocamento, lesões com qualquer objeto cortante ou perfurante e torturas.

A violência psicológica acontece quando existe um dano emocional, seja por meio da diminuição da autoestima da mulher, que prejudique o seu desenvolvimento, ou que ela se sinta controlada em suas ações, comportamentos e decisões, além disso, ela pode aparecer por meio de ameaças, constrangimentos, humilhações, manipulações, isolamento, ou seja, proibir que a mulher saia para estudar, viajar, ou simplesmente ter contato com familiares e amigos. Além disso, é possível perceber insultos, chantagens, explorações, limitações do direito de ir e vir, ridicularização em determinados momentos, colocando-a em dúvida sobre sua sanidade, por exemplo.

Já a violência sexual trata-se de qualquer ação que constranja a mulher a presenciar, manter ou participar de uma relação sexual não desejada por intermédio de ameaças, coação, força e/ou intimidação. Algumas formas desse tipo de violência são o estupro, obrigar a mulher a participar de algum ato sexual que a causa desconforto, impedir que ela use um método contraceptivo ou força-la a abortar, além disso, forçar um casamento, gravidez ou prostituição.

A violência patrimonial é entendida como qualquer ação que configure a subtração, retenção, destruição, seja ela parcial ou total dos objetos, instrumentos de trabalho, documentos, bens, recursos econômicos, etc. Pode ocorrer por meio do controle do dinheiro da mulher, deixar de pagar a pensão alimentícia, a destruição dos documentos pessoais, furtos, extorsões ou danos, estelionato, priva-la de seus bens, valores ou recursos econômicos e causar qualquer dano proposital a objetos da mulher.

A violência moral é considerada qualquer ato que configure calúnia, difamação ou injuria contra a mulher. Pode ocorrer por meio da acusação de traição, emissão de juízos morais e de conduta, fazer críticas sem fundo de verdade, expô-la, rebaixa-la por meio de xingamentos, desvaloriza-la pelo seu modo de vestir, etc.

Violência simbólica de Gênero

Diagrama próprio

Além dessas cinco violências contra mulher existe mais uma, pouco abordada, mas que ela se encontra tão enraizada na sociedade que por muitas vezes nos passa despercebida. A violência simbólica de gênero acontece por meio do discurso, por meio de um desmerecimento do “ser mulher” e do seu rebaixamento, algumas dessas frases podemos escutar constantemente como “lugar de mulher é na cozinha”, “mulher no volante é perigo constante”, além dessas e de inúmeras frases é preciso compreender que esse tipo de violência se encontra tão fortemente atrelada a nossa cultura que é necessário compreender um conjunto que a constitui.

De acordo com o sociólogo francês Pierre Bourdieu nosso espaço social e subdividido em campos, por exemplo, o campo da saúde, econômico, político, comunicacional, etc., dessa forma em cada campo desse será gerado um habitus que é a forma em que o agente incorpora e reproduz ideias, ideais, ideologias e que a violência simbólica acontece por meio de uma imposição de um agente sobre o outro. Nesse sentido, a violência simbólica de gênero aconteceria por meio da imposição do homem de alguma ideia, ideal, ou ideologia para com a mulher.

Então o que podemos fazer?

Como citada anteriormente a Lei Maria da Penha já é um grande avanço para a nossa sociedade, considerada pela ONU uma das três mais avançadas do mundo. Além disso, existem inúmeras inovações que foram criadas a partir dela, como as delegacias especializadas de atendimento à mulher, casas-abrigo, centros de Referência da mulher e Juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre tantos outros. Mas, além disso é necessária a conscientização de todos.

Todo o preconceito ele surge com o desconhecimento de algo, o primeiro passo para deixar de ser machista é ler sobre gênero, força feminina, empoderamento, leia mais. Deixar de ser algo que a sociedade e a cultura lhe fizeram acreditar e crescer sabendo, não é algo fácil, mas saia da bolha. Constantemente somos convidados a repensar aquilo que falamos e acreditamos, seja aberto ao debate, a construção, parece algo inatingível, mas para tudo é necessário o primeiro passo, por você e por todas as mulheres a sua volta. Leia mais mulheres, escute mais mulheres, aprenda com mais mulheres, exalte mais mulheres.

Eu sou feita de todas as mulheres que um dia sonharam em poder ser ouvidas. Todas as que deveriam estar nas histórias. Sou feita da mulher do campo que acorda ao nascer do sol e se deita quando ele se põe, mas que não desiste de lutar por aquilo que deseja. Eu sou feita da mãe que cria seu filho sozinha e que a chamada de guerreira no dia das mães, quando na verdade ela é sobrecarregada. Eu sou feita da cientista que descobriu algo extraordinário, mas não foi levada em consideração por ser mulher, mas que continua tentando. Eu sou feita da analfabeta que um dia sonhou em ser citada. Que essas mulheres sobrevivam para contar suas histórias, que possam ter os seus lugares nessa sociedade. E que todas aquelas que já sofreram algum tipo de violência, que jamais sejam esquecidas ou silenciadas. Por todas elas, digam não a violência contra mulher.

* Laís Emanuelle Brito (Instagram: @la.emanuelle) é jornalista, mestranda em Estudos da Mídia e pesquisadora de violência simbólica de gênero em produtos midiáticos.

Referências:

Bourdieu, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2001

Sites: https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/lei-maria-da-penha-na-integra-e-comentada.html

https://www.tjse.jus.br/portaldamulher/definicao-de-violencia-contra-a-mulher

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“Epistemologias Subalternas e Comunicação – desCom é um grupo de estudos e projeto de pesquisa do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte”.

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