Estamos falando da possibilidade de construir um modelo noticioso mais fiel à região Nordeste do Brasil
Por Victória Alvineiro
Quando falamos do “novo” jornalismo do que estamos falando, afinal?! certamente, as respostas para esta pergunta giram em torno de dois grandes eixos da inovação: a reformulação de práticas e processos já existentes na área, ou, a criação de produtos completamente originais. Ambos agregam à sua maneira à fábrica dos modos de produção e circulação noticiosa no jornalismo, mas nos levam a pensar também o quê, de fato, é parte da cultura inovadora nos veículos jornalísticos brasileiros, especialmente nos suportes digitais.
No Brasil, a última década foi palco para a introdução de tendências da convergência midiática dentro das empresas de notícias e, consequentemente, em um movimento de formatação de nichos informativos ao gosto dos usuários. Vertentes como o jornalismo móvel e o jornalismo de dados, se tornaram facilitadoras da curadoria de conteúdos e da ascensão de plataformas alternativas de consumo, como aplicativos, podcasts e newsletters, impulsionadas pelo protagonismo das redes sociais.
Esta dinâmica resulta em uma demanda suficiente para o jornalismo digital a nível brasileiro enxergar a inovação em conjunto com as suas diversas possibilidades na web, não fosse o vício de uma parcela destas organizações em reproduzir padrões genéricos influenciados, substancialmente, por modelos jornalísticos advindos de países do lado de cima do globo. Partindo deste panorama, presenciamos a inovação no jornalismo brasileiro construída com base na lógica da homogeneização de padrões noticiosos nos âmbitos da universidade e do mercado de trabalho, concentrada historicamente nas regiões sul-sudeste.
Em contramão, a luta travada nos últimos anos para subverter esta concepção é encabeçada justamente pelos negócios jornalísticos fora dos grandes centros de informação, que localizam o Nordeste como uma incubadora dos efeitos de uma (re)inovação de práticas noticiosas com uma identidade mais fiel à diversidade brasileira.
Iniciativas como a Agência Tatu de Jornalismo de Dados (AL), Mídia Caeté (AL), Agência Retruco (PE), Agência Marco Zero (PE), Agência Saiba Mais (RN) e o Portal Negrê (CE) formam um conjunto de sites jornalísticos independentes que utilizam as novas narrativas do ciberespaço para cativar o público do hiperlocal. Seguindo esta onda, temos os podcasts Kilombas (CE), As Cunhãs (CE), Calumbi (BA) e Entretidas (PI). Destaco nesta rápida exemplificação, por último, a newsletter Cajueira, que contém integrantes de vários estados do Nordeste e um foco exclusivo para os conteúdos que estão sendo produzidos em berço nordestino.
As mídias citadas são uma amostra dos vários coletivos independentes digitais que trazem a inovação hiperlocal junto à sua bagagem e alteram as concepções do jornalismo de redes digitais em prol da cobertura própria. São veículos dotados de um modelo contra hegemônico e, por isso, posicionados de maneira distante do que é feito pela mídia tradicional em cada local ou região. É importante reiterar, também, que uma grande parcela das mídias independentes surge no hiperlocal justamente por conta da falta de representatividade provocada pelos veículos tradicionais nestas comunidades.
O fato é que há uma proliferação das mídias independentes que abrem mão de um reducionismo noticioso transvestido através de itens comuns na cultura midiática tradicional, como a cobertura monotemática política ou policial, a falta de transparência com fontes de receita e financiamentos, o não uso de dispositivos que aproximam o público leitor, dentre outras ações. Toda esta frente mostra uma marca enraizada no jornalismo nordestino centrada no viés alegórico e ultrapassado do nosso círculo de informações e que, finalmente, pode ser superado com as perspectivas da inovação presentes neste território.
A inovação não é um sinônimo instantâneo de qualidade no conteúdo realizado pelas iniciativas jornalísticas que se incorporam no hiperlocal, porém, assim como outras mídias alternativas que buscam se diferenciar dos negócios tradicionais, as práticas inovadoras exercidas nas mídias independentes digitais podem ser um alicerce para diminuir os 66,3% municípios designados como desertos noticiosos em todo o Nordeste, ou seja, locais que não contam com uma cobertura própria de informações.
Deste modo, as transformações que emergem no jornalismo digital do hiperlocal nordestino trazem uma (re)inovação técnico e sociocultural da notícia refletida em elementos focados, sobretudo, na população de cada território. Considerando seus vários enquadramentos e por dentro das suas diferentes classes sociais, religiões, crenças, gêneros, hábitos e costumes. Estamos falando da possibilidade de construir um arquétipo noticioso mais fiel à região Nordeste-Brasil, estamos falando do novo jornalismo.
A coluna Observatório de Mídia é atualizada quinzenalmente às quintas-feiras. Leia, opine, compartilhe e curta. Use a hashtag #observatorionossaciencia. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br).
Leia o texto anterior: Dia da Caatinga precisa de conscientização antes de comemoração
OII – Grupo de pesquisa em Jornalismo, Inovação e Igualdade da Universidade Federal do Piauí.
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