Brasileiros têm mais hábitos sustentáveis quando moram fora do que no próprio país, avalia estudo da UFC
Mesmo tendo conhecimento sobre hábitos sustentáveis e reconhecendo a importância de praticá-los, os brasileiros tendem a ser mais ambientalmente responsáveis quando moram fora, em países desenvolvidos, do que em seu próprio país. Estudo de professora da Universidade Federal do Ceará analisou o comportamento de imigrantes do Brasil no Canadá e revelou que simples ações do dia a dia que contribuem com a preservação do meio ambiente só se tornaram parte do cotidiano quando eles passaram a viver no estrangeiro.
Segundo dados mais recentes do Statistics Canada, o escritório central de estatísticas do país da América do Norte, havia quase 30 mil brasileiros vivendo por lá em 2016. O Canadá é tido como um dos destinos para moradia mais buscados por brasileiros, por ser mais aberto à mão de obra estrangeira qualificada. A pesquisa produzida pela Profª Cláudia Buhamra, da Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade (FEAAC/UFC), concentrou-se naqueles que viviam em Montreal, a segunda maior cidade canadense, onde a professora morou por um ano durante seu pós-doutoramento.
Levantamentos apontam o Brasil como um país com razoável nível de sustentabilidade ambiental, considerando, por exemplo, o baixo volume de emissões de poluentes, em comparação com outras grandes economias mundiais. O estudo da UFC, entretanto, foca em outro aspecto que ainda precisa ser melhorado por aqui: os comportamentos individuais sustentáveis, os quais requerem participação maior do cidadão.
“São ações como separar lixo doméstico para a reciclagem ou manter ruas limpas com atos simples, como guardar no bolso um papel que será jogado fora de forma adequada, em vez de jogá-lo na rua ou arremessá-lo pela janela do carro. Isso é o que mais exige a mudança de comportamento dos imigrantes”, esclarece a pesquisadora.
A pesquisa mostrou que os brasileiros não só eram bem informados em relação à sustentabilidade como tinham sentimentos favoráveis à questão ambiental quando ainda viviam no Brasil. “Entretanto, o comportamento deles não correspondia à atitude, ou seja, apesar dos bons sentimentos nutridos pelo tema, não se comportavam de acordo com suas crenças”, destaca Buhamra. A professora explica que a atitude é formada pela união do conhecimento com o sentimento, mas que esta não representa o comportamento, que seria o passo seguinte e está associado às ações.
E quais seriam as razões para os brasileiros terem comportamentos pró-ambientais fora do Brasil, mas não em seu próprio país? Conforme a pesquisa, a falta de infraestrutura e a ausência de confiança nos serviços de tratamento de lixo do Brasil são algumas das justificativas que fazem com que os conhecimentos e os sentimentos dos brasileiros relacionados à preservação do meio ambiente não se reflitam em ações efetivas.
Segundo a Profª Cláudia Buhamra, a conclusão do estudo torna questionável o argumento de que o brasileiro não está pronto para colaborar com ações de sustentabilidade. “Se forem dadas condições, as respostas positivas podem surpreender”, avalia.
Os resultados da pesquisa estão apresentados no artigo “Ethnicity and acculturation of environmental attitudes and behaviors: a cross-cultural study with Brazilians in Canada” (“Etnia e aculturação de atitudes e comportamentos ambientais: um estudo transcultural com brasileiros no Canadá”, em tradução livre), publicado no renomado periódico Journal of Business Research, e que teve seu resumo incluído na versão brasileira do livro Marketing social, de Nancy Lee e Philip Kotler.
Deixar a responsabilidade para o outro
O artigo destaca que a ausência de leis e normas que regulem comportamentos individuais pró-ambientais é um outro problema que desmotiva ações mais sustentáveis por parte dos brasileiros.
Segundo Buhamra, o fato de o Brasil ser um país coletivista, como apontam alguns estudiosos, também exerce influência no comportamento ambiental dos cidadãos. Nesse tipo de sociedade, as pessoas estariam mais comprometidas com obrigações coletivas do que individuais, o que levaria o brasileiro a não assumir algumas soluções individualmente, mas a esperar pelo outro, inclusive, pelo governo. “Em sociedades mais individualistas, as obrigações são socializadas como uma construção individual, para as quais a intervenção do Estado tem muito mais uma função orientativa do que punitiva”, explica a professora.
Buhamra informa que a amostra de respondentes à pesquisa é capaz de apontar uma tendência de comportamento em relação ao tema da sustentabilidade, tal como ele é tratado no Canadá. Lá, destaca a professora, diferentemente do que ocorre no Brasil, o comportamento ambientalmente correto é cobrado do cidadão não somente pelo Estado mas pela sociedade.
Mudança de hábito
A Profª Cláudia Buhamra indica dois fatores com forte relevância para a mudança no comportamento dos brasileiros ao irem morar fora, especificamente no Canadá, onde foi realizada a pesquisa. Um deles é a preocupação com as leis do novo país, e outro, a observação da cultura local.
“Entretanto, surpreende que na pesquisa a pressão social não tenha sido tão fortemente sentida, levando-nos a supor que a assimilação dos novos hábitos é tão forte que não parece imposição, ou seja, ‘faço porque quero, e não apenas porque devo’”, avalia. A pesquisadora acrescenta que há estudos que defendem a ideia de que a adoção de novos comportamentos faz parte de um processo de o indivíduo querer se sentir parte da nova cultura, querer ser aceito na nova sociedade. “Por isso, esses comportamentos são tão facilmente internalizados por imigrantes”, conclui.
A professora pondera que os resultados do estudo permitem tirar conclusões sobre o universo pesquisado, que são os brasileiros que vivem em Montreal, e que, para uma maior generalização, seria necessária uma amostra mais ampliada e diversificada. “Mas nosso resultado é bem animador no que se refere à formação de uma consciência ambiental na sociedade brasileira”, considera.
Fonte: Agência UFC
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