Os avanços na pesquisa com o antihidrogênio na busca de respostas sobre o porquê da ausência de antimatéria primordial no Universo
Por Cláudio Lenz
A colaboração ALPHA no CERN, fundada em 2006 por 10 grupos incluindo o grupo da UFRJ, tem avançado em sua pesquisa com antihidrogênio. Com os anti-átomos aprisionados magneticamente conseguiu realizar a medida mais precisa e acurada (contra o padrão de tempo e frequência do relógio atômico) sobre antimatéria. A transição 1S-2S foi medida por um laser de alta precisão com 12 algarismos significativos [1]. Essa transição muito fraca usa 2-fótons, e assim sua eficiência é proporcional ao quadrado da intensidade do laser, contra-propagantes para cancelar o efeito Doppler de primeira ordem. Para realizar essa medida foi preciso empregar uma cavidade ótica ressonante (um interferômetro de Fabry-Perrot, a exemplo do que é usado no LIGO na medida de ondas gravitacionais) para aumentar grandemente a intensidade do laser. Essa cavidade, que no caso do ALPHA é criogênica e em alta vácuo, foi desenvolvida pelo grupo da UFRJ. A medida conseguida com antihidrogênio é, até essa precisão, compatível com a medida para hidrogênio, mostrando assim que matéria e antimatéria possuem a mesma estrutura quântica até 12 algarismos significativos nesse caso. Mas, o alvo é chegar a 15 algarismos significativos. Como conseguir isso?
O primeiro passo adiante foi recentemente publicado e enfeitou a capa da revista Nature [2] no início de Abril/2021. Conseguimos resfriar a laser os anti-átomos a laser. O feito é um tour-de-force a começar pelo laser no ultra-violeta-de-vácuo (VUV) na transição Lyman-a (1S-2P) em 121 nm, feito por colegas do Canadá. O experimento ocorre em ciclos de acumulação de 1000 antihidrogênios em até 9 horas e resfriamento a laser por até 6 horas e depende da estabilidade do equipamento e de altíssimo vácuo, pois nossos anti-átomos são talvez os sensores mais sensíveis a vácuo atualmente. O resfriamento a laser levou a amostra atômica a energias médias da ordem de 5 µeV permitindo agora uma espectroscopia na transição 1S-2S com uma resolução de 14 kHz ao invés de 58 kHz para a amostra não resfriada. Esse breakthrough muda o cenário de nossas medidas de alta precisão. Agora, com a acumulação de anti-átomos e seu resfriamento conseguimos fazer a medida de 2018 em um único dia ao invés de semanas, e em breve poderemos fazer a primeira medida de queda de antimatéria sob efeito da gravidade terrestre!
Na direção de obter uma comparação entre matéria e antimatéria com mais de 15 algarismos significativos, precisaremos aprisionar hidrogênio na mesma armadilha e ambiente (de campos elétricos, magnéticos e gravitacionais) do antihidrogênio. Para isso, o grupo da UFRJ está desenvolvendo uma nova técnica [3] de geração de hidrogênio frio. Aproveitamos para convidar o contato de bons e dedicados alunos que queiram se juntar a nós nessa interessante jornada científica. Será que a antimatéria se revelará idêntica à matéria na sua estrutura quântica e na aceleração da gravidade, como prevê a teoria atual? Só a Natureza dirá. Mas, se sim, como explicar a ausência de antimatéria primordial no Universo? O que sabemos é que com o desenvolvimento de nossas técnicas e equipamentos estamos a poucos passos de inquirir essas respostas da Natureza!
[1] M. Ahmadi, et al. (ALPHA Collab.), Characterization of the 1S–2S transition in antihydrogen. Nature 557, 71(2018)
[2] C. Baker, et al. (ALPHA Collab.), Laser cooling of antihydrogen atoms. Nature 592, 35 (2021) (o artigo foi escolhido para a capa da revista)
[3] R. L. Sacramento, et al., Rev. Sci. Instrum. 86, 073109 (2015); C. L. Cesar, J. Phys. B 49, 074001 (2016);
Veja a entrevista com o físico cearense Cláudio Lenz Cesar. “O meu futuro é continuar tentando fazer ciência de fronteira”
* Cláudio Lenz pesquisa há 20 anos a antimatéria, é docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integra o Centro Europeu para a Pesquisa Nuclear (CERN, na sigla em inglês).
Cláudio Lenz Cesar
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