UFRN está pedindo patenteamento da nova técnica que é mais sustentável e com custo menor
Fotos: Cícero Oliveira
Um grupo de cientistas da construção civil da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) está desenvolvendo um bloco em terra semiensacado estabilizado a partir da combinação de solo, manipueira e fibra de polietileno de alta densidade, sem a necessidade de uso do cimento e diminuindo a utilização da água na construção civil. Como e, por conseguinte, com mais baixo custo e com o viés da sustentabilidade – segundo levantamento da US Green Building Council, a construção civil consome cerca de 21% de toda a água tratada do planeta.
Para além de ser mais barato, Ana Lígia Pessoa Sampaio esclarece que o bloco propõe uma remodelação dos blocos em terra, associando-os ao desenvolvimento de uma formulação química à base essencialmente de solo e manipueira. Autora da dissertação defendida em 2020 no Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil (PEC) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), estudo que deu origem à nova tecnologia, ela acrescenta que o propósito é obter um sistema construtivo inovativo de fácil absorção pela indústria, adaptável ao padrão de vida contemporâneo e que melhora o desempenho termoacústico do ambiente construído.
“Essa situação acontece em regiões que exigem sistemas construtivos com elevada massa térmica, como a Zona Bioclimática 07 que abrange boa parte do semiárido brasileiro, mas também trazendo benefícios para Zona Bioclimática 08, referente às áreas litorâneas, como comprovado nos resultados da dissertação. A ideia é que essa nova tecnologia possa ser utilizada como alternativa a qualquer técnica convencional, dando mais possibilidades aos projetistas e construtores de proporem ambientes mais confortáveis sem aumentar os custos”, destaca Ana Lígia.
Em vídeo, (https://www.instagram.com/agirufrn/?hl=pt-br), ela explica aspectos adicionais da nova tecnologia.
Denominado “Bloco em terra semiensacado estabilizado a partir da combinação de solo, manipueira e fibra de polietileno de alta densidade”, o depósito do pedido de patente da invenção foi realizado no mês de março e tem também como autores os professores Wilson Acchar e Vamberto Monteiro, respectivamente da UFRN e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), instituição coautora do pedido.
Os cientistas frisaram que a fase de desenvolvimento do bloco já foi finalizada e há protótipos construídos há um ano com os blocos. Inclusive a pesquisa passará por uma espécie de complementação a partir de novos testes termoacústicos e de durabilidade para avaliação do comportamento do bloco às condições climáticas de Natal. “É importante frisar que há algumas invenções e técnicas que procuram resolver alguns dos objetivos citados no nosso trabalho, mas nenhuma atende às necessidades descritas, principalmente quanto à dificuldade de se atrelar conforto, materiais naturais, desempenho mecânico, facilidade de execução e estética flexível”, especificou Wilson Acchar.
A principal dificuldade de técnicas similares é se adaptar ao modelo vigente de construção no Brasil, às técnicas de nivelamento, ao acabamento e possibilidades de revestimentos, enfim, ao “know-how” dos trabalhadores da construção civil, que trabalham com tijolos e blocos rígidos, que possam ser produzidos em grande quantidade, transportados, e resistam a impactos para manuseio.
Wilson Acchar tem uma ampla experiência em pesquisas com aproveitamento de resíduos a partir da análise das suas estruturas e dos efeitos termodinâmicos da sua combinação com outros resíduos ou com os materiais convencionais. Exemplo é um outro depósito de patente realizado no segundo semestre de 2020 e que usava um resíduo da produção do sal para a fabricação de um tijolo ecológico, ou a carta patente concedida em 2019 para a fabricação de massas cerâmicas para pisos e revestimentos com adição de cinzas da casca do café. No caso deste novo pedido, a substância é um efluente do processo de lavagem da mandioca, a manipueira, substância tóxica em virtude do teor elevado de ácido cianídrico e matéria orgânica.
Vamberto Monteiro complementa que a substância já é utilizada para produção de tijolos ecológicos no Ceará e na Paraíba por alguns agricultores, mas ainda não havia sido testada em blocos ou sistemas que envolvem muita massa térmica. A proposição era testar a substituição total da água nesse processo, pois havia a hipótese de que a energia de compactação atrelado ao efeito agregador da manipueira eliminaria a necessidade do cimento na composição. “Saliente-se que a adição do cimento é benéfica em termos mecânicos, mas não essencial, pois reduz o efeito desagregador do solo seco e aumenta a resistência à compressão do bloco. No entanto, devido à elevada massa de cada bloco, as composições com cimento foram restritas a 10% e é sugerido o máximo de 20%”.
Um olhar curioso, um olhar social
O resultado do trabalho é um exemplo claro de pesquisa aplicada com amplo alcance social local. Ao ouvir os pesquisadores, percebe-se claramente que esse entrelaçamento não foi à toa. “Sou arquiteta e sempre tive interesse em construir usando o solo, mas as técnicas em terra ainda estão muito restritas a nichos e grupos de permacultura ou associadas à falta de recursos”, diz Ana Lígia. Segundo ela, a maior barreira nesse interesse é a falta de estudos tecnológicos que embasassem as técnicas a respeito dos aspectos da utilização propriamente, além de como “combiná-las” ao padrão e estilo de vida contemporâneos.
“Quanto aos processos construtivos, destaca-se a adaptação de uma técnica de baixa complexidade tecnológica, mas que vem sido deixada de lado nos estudos científicos devido a um estigma social que relaciona construções em terra à pobreza. Não menos importante, a clareza de que o Brasil possui oito Zonas Bioclimáticas, com parâmetros e recomendações distintas para as construções, fato esse importante inclusive ao se usar o sistema aqui proposto no qual a manipueira atua como uma resina”, enumera a arquiteta.
Para a pesquisa, outro ponto essencial para o sucesso da criação da tecnologia foi a articulação de técnicas e teorias advindas de disciplinas diferentes, procurando envolver Engenharia Civil, Ciência e Engenharia de Materiais e Arquitetura. Atuando junto ao Laboratório de Propriedades Físicas e Materiais Cerâmicos (LaPFiMC), ela defende que para se resolver um problema estrutural como são a habitação no Brasil, a poluição decorrente da produção em larga escala do cimento e a grande quantidade de água exigida pelo setor da construção civil, “é necessária uma avaliação pelos mais diferente vieses”, realçou.
Vitrine Tecnológica da UFRN
Para o diretor da Agência de Inovação (AGIR) da UFRN, Daniel de Lima Pontes, este depósito de pedido de patente é um exemplo de criação de produtos e processos que ajudam no desenvolvimento econômico do país e regional. “É também uma espécie de utilização dos resultados encontrados nas pesquisas científicas que geram produtos que atendem a demanda de um mercado específico, um mercado grande. Na UFRN, temos uma vitrine tecnológica com quase 300 pedidos de patente que podem ser fruto de parcerias publico-privadas, por exemplo, na qual os investidores podem ter vários benefícios ao associar-se à universidade, como o know-how e a expertise que nós detemos em vários âmbitos”, afirmou Daniel Pontes.
Os pedidos de patentes e as concessões já realizadas estão na Vitrine Tecnológica da UFRN, disponível para acesso no endereço www.agir.ufrn.br, mesmo local em que os interessados obtém informações a respeito do processo de licenciamento. Na UFRN, a Agência de Inovação (AGIR) é a unidade responsável pela proteção e gestão dos ativos de propriedade intelectual, como patentes e programas de computador. As notificações de invenção, passo inicial de todo o processo, são feitas através do Sigaa, através da aba “pesquisa”. Em seguida, a equipe da AGIR entra em contato com o inventor para dar prosseguimento aos tramites.
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Pesquisadores desenvolvem tijolo ecológico
Fonte: Agência de Inovação da Reitoria/UFRN
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