Captação e armazenamento de água de chuva no semiárido O Mundo que queremos

quinta-feira, 4 março 2021
Foto: Ellen Dias

O programa cisterna é um dos maiores exemplos no mundo de transformação em relação à segurança hídrica

Vários estudos e pesquisas têm destacado a contribuição da captação e armazenamento de água de chuva para o abastecimento familiar e a viabilidade das suas atividades agrícolas no semiárido brasileiro, aonde a escassez hídrica é um dos principais desafios para o desenvolvimento desse território.

O aproveitamento das águas das chuvas confere particularidade ao semiárido brasileiro, pois cerca de 92% das águas de chuva que caem neste ambiente são perdidas por evaporação e transpiração, sendo aproveitados apenas 8% de todas as chuvas na alimentação dos rios, açudes e sistemas de drenagem. Deste cenário, surgiu a partir do final da década de 1980, um panorama de valorização e potencialização dos métodos alternativos de captação e armazenamento de água das chuvas no semiárido brasileiro, mesmo que pequena escala.

Dentre outros fatores, o desenvolvimento sustentável do semiárido está associado à implementação de políticas públicas que viabilizem as tecnologias de convivência com a seca, especialmente no que se refere à captação de água de chuva de forma integrada e sistêmica. Entretanto, somente a partir de 2003, o Governo Federal em parceria com a Organização Não Governamental Articulação do Semi Árido Brasileiro (ASA Brasil) implementou políticas efetivas de convivência com a seca no que se refere as tecnologias de captação e armazenamento de água de chuva denominadas tecnologias sociais de convivências com o semiárido. Neste contexto, a ASA abandona a ideia de difusão de tecnologia e, padroniza um método inovador de construção dessas tecnologias sociais, incorporando a participação popular com amplo processo de mobilização social envolvendo famílias, comunidades e instituições.

Figura 1

Entre estas tecnologias de captação e armazenamento de água de chuva construídas no semiárido, destacam-se as cisternas familiares de 16.000 L e as cisternas calçadões de 52.000 L.

As cisternas familiares são estruturas construídas de placas de cimento com volume total de 16.000 L ligadas a um sistema hidráulico de captação da água de chuva que caem no telhado das residências rurais (Figura 1). O programa de cisternas, iniciado como uma ação da sociedade civil, foi transformado em política pública desde 2003 com o objetivo de universalizar o acesso à agua para consumo no semiárido brasileiro, bem como a gestão sustentável dos recursos hídricos.

Em pouco mais de uma década foram construídas 1,2 milhão de cisternas que beneficiaram 4,6 milhões de pessoas no semiárido, ou seja, foram 1,2 milhões de mulheres que deixaram de carregar água em suas cabeças, liberando tempo livre para outras atividades. Além disso, o acesso a água de qualidade foi determinante na redução dos casos de diarreia no Brasil, entre outras vantagens em termos de bem-estar social.

Figura 2

Além das cisternas familiares, foram construídas, posteriormente, as cisternas calçadões com 52.000 L para armazenar a água da chuva e dotar as famílias rurais de capacidade hídrica e produtiva. Essas cisternas, também conhecidas como cisternas enxurradas, estão conectadas a uma área de captação construída no solo para captar água da chuva para a cisterna e a sua principal finalidade é a utilização na irrigação de hortaliças e fruteiras (Figura 2).

Cada uma destas tecnologias tem suas finalidades e o conjunto delas podem solucionar os problemas sociais causados pela escassez hídrica, especialmente daquelas famílias residentes em comunidades rurais difusas no semiárido brasileiro. Entretanto, ainda há necessidade de estudos sobre essas tecnologias de convivência com o semiárido e, assim construir de forma participativa uma proposta de desenvolvimento sustentável dos povos do campo capaz de utilizar sustentavelmente os recursos naturais como garantia da segurança alimentar.

O programa cisterna é um dos maiores exemplos no mundo de transformação em relação à segurança hídrica, demostrando que é possível transformar uma realidade social desde que não se aceite a ideia de que a seca e a pobreza são fenômenos naturais, mas uma realidade que se pode transformar.

Referência:

Organização Não Governamental Articulação do Semi Árido Brasileiro – http://asaalagoas.blogspot.com/p/programas.html

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Leia o texto anterior: Qwater: um aplicativo para avaliar a qualidade de irrigação

Nildo da Silva Dias é Professor Associado da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa).

Nildo da Silva Dias

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