NC: Por outro lado há uma crítica de pesquisadores de que o mercado, no Brasil, só quer participar dos resultados, não quer investir na pesquisa que é uma atividade de risco, como é toda atividade empresarial. Como o senhor vê isso?
EA: Isso é verdade também. A mesma reclamação que o mercado, digamos mais ansioso, mais pragmático acusa as universidades de serem perdulárias, de gastar muito do governo federal e o resultado ser muito pouco, isso se dá por conta do caráter voraz do mercado. O mercado se constitui de investimento, investimento significa dizer que alguém colocou capital para circular e o dono desse capital quer que esse capital circule e volte mais gordinho. Essa é a realidade. Por isso eles pragmaticamente querem que a universidade utilize melhor o investimento público mostrando resultados mais rápidos e mais práticos para a indústria. Mas se eles nos acham perdulários, por outro lado eles não abrem mão do seu lucro. Há uma tradição em países capitalistas mais maduros de investimento da iniciativa privada nas universidades, compram a pesquisa, encomendam a pesquisa. Isso está se iniciando na universidade no Brasil. Temos aqui na universidade um Centro de Engenharia Elétrica e Informática que é reconhecido como uma unidade de ponta e é vinculada a Embrapii e por essa parceria nós temos aqui laboratórios com 15 empresas que financiaram esse espaço junto com nossos pesquisadores. Esse tipo de parceria começa a amadurecer e a medida que forem amadurecendo conseguiremos cada vez mais galvanizar, digamos assim, o apoio e a sensibilidade da iniciativa privada para que eles invistam mais na universidade pública.
NC: E a pesquisa nas universidades particulares?
EA: A pesquisa não é uma coisa que está na agenda das universidades privadas, com raríssimas exceções. Algumas confessionais fazem uma boa pesquisa, mas são poucas. Penso que a iniciativa privada deveria olhar mais para o sistema público, que não é o sistema que detém as maiores vagas. Hoje na graduação as maiores vagas estão nas universidades pagas e mesmo com toda a expansão as públicas respondem por 30%, mas são responsáveis por 95% da pesquisa do país, algumas com peso internacional. Penso que a iniciativa privada precisa ser chamada mais para dentro da universidade como financiadora mesmo, é preciso financiar a universidade pública também. E você pode fazer isso com parcerias amadurecidas de forma que a universidade não deixe de ser pública. É claro que existe no interior da universidade, os militantes mais acalorados que se me ouvissem falar assim diriam que o reitor é privatista, que está falando em mercado, em investimento privado. Depois de passar oito anos na vice-reitoria e completando quase quatro anos como reitor, vejo que a universidade não deixa de ser pública por capitar recursos privados. A universidade que não tem deve adquirir rapidamente maturidade suficiente para continuar com vagas públicas, fazendo parcerias com a iniciativa privada sem perder seu caráter público e sem deixar de lutar para que o estado compreenda a necessidade do financiamento estatal. Esse tipo de financiamento num país como o nosso, e principalmente numa região como a nossa de baixa empregabilidade, o financiamento estatal é crucial para as universidades, ou existe ou a universidade pública desaparece. Você não tem um apelo de mercado, uma economia vigorosa numa região como essa, e essa é uma das grandes cidades do nordeste que sustenta a universidade.
NC: Há alguma saída para as universidades públicas nesse impasse financeiro?
EA: Se você pega a proposta do senador Cristovão Buarque de que o governo federal deveria assumir o ensino fundamental e médio e as universidades deveriam se virar, com os municípios, com vigor econômico. Dentro dessa lógica, uma cidade como Campina Grande talvez mantivesse uma universidade com a metade do tamanho da que tem hoje, talvez. É uma conta complicada essa do Cristovão Buarque, ele diz que se o governo assumisse todos os professores, de todas as escolas do ensino fundamental e médio com um salário de 9 mil reais, que hoje são de responsabilidade de estados e municípios, o governo gastaria em média 6,4% do PIB (Produto Interno Bruto), sobrando 3,6%. É fato que hoje as universidades públicas todas não consomem 3,6% do PIB, agora a dificuldade está em que PIB é parâmetro orçamentário? Penso que não, PIB é uma soma, não é orçamento, é uma conta final. Não é arrecadação, não é parâmetro orçamentário, acho que as pessoas não prestaram atenção nisso. Essa conta precisa ser estudada, não para diminuir o atual sistema, mas pelo menos para melhor o ensino médio. Hoje essa discussão sobre as mudanças no ensino médio, para mim é ociosa se não tivermos uma massa salarial razoável para os professores do ensino médio, que as universidades têm. Nenhum professor universitário, salvo por opção pessoal, precisa trabalhar em outro lugar para manter decentemente sua família, para ter um carro, ter uma casa com dez anos de trabalho. E nem deixa de completar seu generalato – graduação, especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado. No ensino médio é diferente. Esse modelo que estão criando agora, onde você tem disciplinas básicas por área, depois o aluno tem um percurso self service de disciplinas, isso é interessante, mas se não há massa salarial para os professores, nem tem um plano de carreira, como temos no ensino superior, para que serve isso. Você vai ter um professor que precisa se matar em três, quatro empregos para sobreviver. Se você tivesse um salário de 7, 8 mil inicialmente, com um teto de 12 mil, você teria uma massa salarial atrativa, com possibilidade de carreira, isso sim seria interessante. Seria isso que resolveria o ensino médio e não ainda um modelo curricular.
NC: Gostaria que o senhor falasse sobre as conquistas da UFCG na área de patentes.
EA: Nós somos ainda uma universidade tímida. As universidades brasileiras, salvo as estaduais paulistas que são bastante experientes, elas adquiriram muito mais cedo expertise na área de patentes do que as federais. As federais de uma forma geral são tímidas nessa área, para o volume de trabalho de pesquisa que produzem, elas são pouco espertas, pouco pragmáticas quando se trata de patentear. Nós temos muito poucas patentes para o que fazemos, seja de forma independente, seja de forma consorciada. Na verdade não existe pesquisa pura, por exemplo, um celular nasceu a partir do estudo da propagação do som, nada surgiu pronto. Toda pesquisa é cumulativa. Nós nunca tivemos a esperteza, a experiência, a expertise de ao acrescentar algo em um produto que isso seria nosso, que seria um produto novo. Isso está começando agora. Temos aqui na universidade o NIT – Núcleo de Inovação e transferência de tecnologia, que tem uma média de 20 pedidos de patentes por ano, que é muito pouco e não temos um retorno de cinco patentes por ano, é muito pouco. Nós temos em escala de laboratório, e já podemos em consórcio com a indústria fazer isso em escala industrial, uma membrana cerâmica para desastres ecológicos, que pode filtrar e separar o óleo da água. Isso não está patenteado ainda. Já estamos conversando com a Petrobras, isso é algo interessante, até porque a cerâmica é feita com material nosso, aqui do nordeste. Nós temos na área de biomateriais, do laboratório do professor Marcos Vinícius, que é um dos candidatos a reitor, um cimento ósseo produzido em escala de laboratório. Já estamos conversando com o Ministério da Saúde que vai assinar um protocolo para construir o Instituto de Biomateriais e aí sim com esse instituto consorciando universidade e indústria, começar a produzir biomateriais em escala comercial. Somos muito tímidos ainda na área de patentes, mas estamos começando a amadurecer. Essa timidez mostra que sabemos fazer pesquisa, mas não sabemos ‘ser camelôs de nossa própria arte’, não sabemos gerenciar o conhecimento que produzimos, daí nos atrasamos e outros vem e fazem a patente. É assim que eu percebo, sobretudo nas universidades nordestinas, essa timidez com relação a universidades com mais expertise como as estaduais paulistas, a UFRJ, a UFMG, que estão mais próximas a parques industriais vigorosos, nós estamos mais distantes.
NC: Como é esse cenário no nordeste?
EA: Aqui estamos próximos a uma indústria meio sazonal, meio aventureira, meio retirante. Temos uma grande indústria têxtil em Campina Grande, mas com a crise hídrica é provável que essa indústria se retire daqui, como a Vale se retirou, como algumas mineradoras também se retiraram. Talvez isso tenha contribuído para essa timidez em patentear, mas isso começa a mudar com certo vigor, pelo menos a atenção. Esse ano nós aprovamos junto ao Ministério de C&T um projeto para formar, em todos os nossos sete campi e em cada centro, pessoas atentas ao mecanismo de registro de patente. Não há isso na universidade. Junto com o Sebrae nós temos disciplinas de empreendedorismo nos curso de graduação, para ver se a gente associa o mundo do presente a essa formação academicista que a universidade tem. Alguém já ironizou, e se atribui isso a Napoleão, que só tinham duas instituições que não conseguiam mudar por dentro: a universidade e o cemitério. Brincadeiras a parte, acho isso muito rigoroso, terrível. A universidade vem aprendendo a mudar, a universidade é muito apegada ao conhecimento que a humanidade acumulou até hoje. A cada dia cresce o apelo para além de sistematizar o conhecimento existente, ela busque conhecimentos novos.
NC: O senhor é da área de humanas, acha que isso pode ter influenciado no seu modo de gestão?
EA: Sem querer ser injusto com ninguém, ser gestor é você aprender a investir em pessoas, é destinar recursos para a especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado, comprar material, construir prédios e sair da frente. O gestor tem que ser decisivo em suas iniciativas e ser discreto na divulgação, na propaganda, quem deve aparecer é o pesquisador, o aluno. Pensando assim tenho me relaciono muito bem com a área da tecnologia e não negligenciei nenhuma área, planejei coisas na área de humanas que não pude realizar, por exemplo. Até porque os recursos são diferenciados, tecnologia exige mais recursos que humanas, os laboratórios são mais caros. Mas não fizemos distinção por área.
NC: Por que o senhor não está concorrendo novamente a reitoria?
EA: Vou completar 15 anos na reitoria e isso é suficiente para brutalizar qualquer cidadão. Eu quero preparar minha aposentadoria, reaprender a dar aulas, reaprender a pesquisar com meus alunos.
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