Uma abordagem prática sobre a "Estratégia do Oceano Azul", livro de W. Kim e Renée Mauborgne
Ok, você vai dizer que é um tema batido, “Criar novos Mercados e tornar a concorrência irrelevante”, como pregam W. Kim e Renée Mauborgne no livro “A Estratégia do Oceano Azul”. Vai apitar também que já abordei o tema na Receita para entrar no Oceano Azul… Culpado!
Defendo que começamos a saber sobre algo depois de absorver teorias, analisar contextos repletos de outras visões e, finalmente, sintetizar coisas diferentes das já propostas, assim como só iniciamos a trilha da sabedoria quando encontramos “furos” no estabelecido ou sugerimos novos caminhos. Com isto em mente – apesar de ter lido o livro apenas uma vez -, ousei sintetizar uma abordagem prática na direção do oceano azul. Chamei-a de Lean Ocean.
A estratégia proposta no livro é universalmente válida. Entretanto, para que algo aconteça nessa linha por estas bandas, é necessária uma adequação ao nosso contexto. Customizá-la é minha proposta. Apresento um step-by-step em direção ao oceano azul por etapas, partindo do nível de inovação inicial. Empresas de outros portes podem adotar essa abordagem para criar outras possibilidades (startups).
Executando a estratégia do oceano azul
O livro de Kim & Mauborgne tem seus últimos capítulos destinados à execução da estratégia: Cap. 7: Superar as principais barreiras organizacionais; Cap. 8: Embuta a execução na estratégia; Cap. 9: Conclusão: Sustentabilidade e renovação da estratégia do oceano azul. Há uma teoria rica e exemplos de validação, nos quais são abordadas as barreiras que impedem o movimento estratégico em direção ao azul (Cognitiva, de Recursos, Motivacional e Política), a visão sistêmica (o espírito da inovação tem de percorrer toda a organização) e a manutenção da destruição criativa.
Caminhos que não encontrei: 1) Não são mostrados processos práticos para se obter os tentos. Os autores baseiam suas premissas em fronteiras, em minha visão, muito abstratas. 2) Não se estabelece claramente em que nível de inovação ou inventividade a empresa se encontra. 3) Não há menção à transmutação – claro, pois fui eu quem a inventou -, nem uma abordagem explícita à transformação digital (TD). 4) O texto é dedicado, principalmente, a médias e grandes empresas. Nada impede, mas não achei adequado às pequenas. 5) Tem-se a impressão que a mudança deve ser feita de único salto. 6) Sua estratégia não se utiliza, de forma direta, da grande ferramenta transformadora de Mercado: a startup. Longe de mim “manjar” de administração. Faço apenas o papel de um estudante cobrado pelo professor para responder com exemplos próprios.
Os cinco níveis de inventividade tecnológica
Com base no Livro Trizics (Cameron, G. 2010), montei a tabela com os 05 níveis de inventividade relativos aos avanços tecnológicos de uma empresa, centrados em produtos ou serviços
Baseado em centenas de cases, o quadro mostra os níveis de inventividade e os correspondentes números de tentativas necessárias para se resolver problemas em um negócio. No nível 1, no qual se enquadram 35% dos problemas das empresas, estes são eliminados com base no conhecimento de profissionais da área. 1 a 10 tentativas são suficientes para contornar os impasses. No nível 2, que envolvem contradições técnicas, as broncas podem ser facilmente superadas por métodos conhecidos nas áreas dos sistemas relacionados. Uma equipe multidisciplinar necessitará de 10 a 100 eventos para resolver possíveis restrições (eventos incluem reuniões e ações). 42% das broncas do Mercado moram aí. Nos problemas do nível 3, encontramos contradições cujo conhecimento necessário para resolvê-lo reside nas fronteiras da mesma Ciência. Faz-se necessário a utilização de novas tecnologias, já disponíveis no Mercado, e, pelo menos, uma centena de eventos em prol da solução. 18% dos problemas das empresas nadam nesta faixa. Até aqui temos 95% das ‘pelejas’ do Mercado.
No nível 4, as soluções passam pela síntese de um novo sistema técnico ou administrativo. Nesse nível, os obstáculos são eliminados por métodos que residem longe das fronteiras da Ciência ao qual o problema pertence, com abordagem transdisciplinar e equipe multidisciplinar. Por exemplo, problemas mecânicos são resolvidos com conhecimento de química, elétrica ou de materiais. Pode-se criar processos logísticos e serviços de ruptura. Aqui pode ser gerada propriedade intelectual relevante. As soluções sairão pela associação da empresa com centros de pesquisa. Chegando ao nível 5, adentra-se na zona inventiva “raiz”, onde os problemas são de difícil contorno e envolvem maiores riscos. O número de tentativas até que se alcance uma solução viável é virtualmente ilimitado, resultando em invenções pioneiras. Tais invenções lançam sistemas radicalmente novos, capazes de gerar outras invenções adjacentes ao longo do tempo. Uma nova área de tecnologia, um novo processo de marketing, uma nova metodologia é criada. Nesses dois últimos níveis, a solução pode gerar novos Mercados (os azuis), novos unicórnios ou até presentear grupos de pesquisa com Nobel. O grafeno, a computação quântica, a engenharia genética, por exemplo, possuem este potencial.
Os cinco níveis de inovação negocial
Com base nos níveis de inventividade tecnológica, criei a versão negocial. A ideia é mostrar, de forma prática, possíveis níveis organizacionais de uma empresa, onde ela considera estar e ações que poderiam fazê-la avançar degraus. Não há necessidade de ir do oceano vermelho ao azul por um único salto, impondo-se um grande risco. Pode-se ir de forma enxuta, incrementalmente. Por isto Lean Ocean.
Porque executar o Lean Ocean
Pra não ficar extenso e transformar-se numa tese, listo alguns artigos em que abordo temas referentes ao novo cenário mundial e indícios que apontam a urgência na mudança de postura. Você não precisa lê-los, pois os títulos são autoexplicativos. Caso queira, é só clicar no link.
Em A inexorável inteligência artificial, falo da extinção das atividades repetitivas e previsíveis. Se você tem um negócio com estas características, mova-se rápido. Em Ela está aqui: prepara-te!, utilizo o parecer de algumas consultorias famosas para concluir que as empresas não possuem mais opções: são obrigadas a se converterem em suas próprias evoluções em um tempo muito curto! Já no texto Terão as empresas que se transformarem em centros de capacitação?, argumento que o mercado industrial (grandes e médias) cansou de esperar a formação desatualizada e lenta da escola brasileira. Reforço esse texto em Novos tempos, novas formas de se repensar os negócios!, no qual cito 06 empresas brasileiras que estão com seus cursos de médio, superior e pós-graduação (chegando até o doutorado) já a pleno vapor. Falando um pouco do momento pós-pandêmico – artigo no qual defendo que já deveríamos ter aceito os vírus de ontem, hoje e amanhã como de rotina -, em E se não houver mais um ontem…, cito 03 cases (Educação, Varejo, Restaurante) que deveriam mudar radicalmente de formato. Sugestões de como mudar são apontadas em Novos negócios, novos postos de trabalhos! e Preparando-se para o futuro iminente, onde utilizo a ferramenta para exercícios futuros, a 9W, para sugerir desde a implementação de flagship stores à transformação digital da “bodega” de seu Zé. Como se não bastasse, em a Destruição Criativa: promova ou seja uma!, explico que o movimento de autotransformação possui teoria desde de 1942 (Schumpeter) e que, somada à impactante frase de Klaus Schwab do Fórum Econômico Mundial – “Estamos saindo de um mundo no qual os grandes engoliam os pequenos para um mundo em que os rápidos comem os lentos” -, cogito que se você parar para pensar e considerar tudo isto, já será uma grande mudança.
Por fim, e para quem ainda desdenha da necessidade de mudança de postura e de ir além do nível de inovação negocial “0”, trago o trecho de A transformação digital, o barco de Teseu e a transmutação:
“Em recente bate-papo IncaaS-CDL, recebemos de sua diretoria a seguinte estatística: dos 50 maiores pagadores de ICMS do RN de 1976, só 13 continuam na lista. Temos em um horizonte pré-Transformação Digital (TD) de 44 anos o saldo de 26% de sobreviventes. Vejam que interessante: vários futurólogos de negócio preveem a morte de 70% das empresas que não atentarem para a TD até 2030. Quase o mesmo índice de sobrevivência (30%) [do RN], só que em um tempo menor devido à velocidade de transformação imposta pela tecnologia. Resumindo, você será sabotado pelo Mercado; disto eu tenho certeza! Resta-lhe a primazia de escolher quem fará isto. E a pergunta óbvia: por que não você mesmo?”.
A reunião pautada aconteceu antes de fevereiro de 2020 (pré-pandemia) e já estávamos com o horizonte de mudança a pleno vapor. A Covid-19 só cortou uns 05 anos da espera. Torço pra ter sido convincente sobre o que está acontecendo.
Finalizando…
As abordagens que apresento nunca foram validadas em conjunto. Agrupá-las e implementá-las incrementalmente é apenas sugestão deste autor com base em 20 anos mergulhados no empreendedorismo inovador. Como nas bulas de remédio, existem efeitos colaterais. Caso opte por segui-las, recomenda-se cautela. Por segurança, mantenham o livro de Kim & Mauborgne à cabeceira, pois possui uma abordagem muito bem fundamentada, tanto que me inspirou a criar o Lean Ocean. Recomendo ainda que comece a errar logo e desenvolva uma, pois os velozes e furiosos estão chegando. Não pense grande; pense rápido! #PartiuLeanOcean!
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Leia a edição anterior: Inércia psicológica (parte 2/2): criativando nos negócios
Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Gláucio Brandão
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