Universidade Federal da Bahia (UFBA) abrigará unidade que contará com aporte de R$ 810 mil do Governo Federal
Você já ouviu falar em xarope de guaco, usou tintura de boldo ou de funcho, ou recomendou gel de confrei, babosa ou alecrim para alguém? Pois esses e outros medicamentos fitoterápicos usados como antisséptico ou anti-inflamatório contra a tosse e a má digestão, entre outras doenças, serão produzidos em Salvador, um dos municípios recentemente selecionados pelo Governo Federal para implantação do projeto Farmácia Viva, com um aporte de R$ 810 mil em três anos.
O projeto Farmácia Viva foi instituído pelo Ministério da Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, pela Portaria MS/GM nº 886/2010, como um modelo de farmácia no contexto da Assistência Farmacêutica Nacional. As ações do projeto visam à construção e estruturação de um modelo sustentável na gestão publica, promovendo a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) e Política Nacional de Plantas Medicinal e Fitoterápico (PNPMF) nas Unidades de Saúde Municipais e Farmácia Universitária.
A Faculdade de Farmácia da UFBA foi contemplada pelo edital SCTIE/MS Nº 2, de 14 de outubro de 2020 do Ministério da Saúde, visando ao apoio à estruturação de uma Farmácia Viva, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador.
Medicina sustentável
Fitoterapia, do grego therapeia, tratamento, e phyton, vegetal, é o estudo das plantas com fins terapêuticos. O medicamento fitoterápico, por extensão, é aquele que utiliza vegetais ou plantas, com alguma ação medicinal, no seu preparo. E a ideia da Farmácia Viva é ter sempre ao alcance as plantas medicinais indicadas para o tratamento de doenças menos graves, como uma gripe comum ou uma dor de cabeça. Em tempos de consciência ecológica e de respeito ao próprio organismo, intensifica-se o uso de remédios elaborados com extratos de plantas, surgindo daí, consequentemente, programas de tratamento fitoterápico no sistema de saúde pública, incentivando o cultivo e utilização orientada de plantas medicinais e a valorização do conhecimento tradicional.
Para desenvolvimento da Farmácia Viva de Salvador serão estruturados dois hortos farmacobotânicos: um no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) III, no Jardim Armação; e outro, de apoio, no Horto Farmácia da Terra da Faculdade de Farmácia da UFBA. As etapas de produção serão conduzidas nas instalações da faculdade, possibilitando a disponibilização dos medicamentos fitoterápicos aos pacientes com indicação clínica, na própria Farmácia Universitária e demais farmácias da rede Municipal.
A comunidade acadêmica poderá interagir com o setor de fitoterapia, produção controle da qualidade e dispensação de fitoterápicos, integrando assim a Universidade com os espaços de prática. O projeto é iniciativa dos professores Renata Biegelmeyer, Douglas Rambo, Mara Zélia de Almeida e Eudes da Silva Velozo, da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador.
O saber da tradição
Para produção de medicamentos fitoterápicos e plantas medicinais, deve ser levada em conta a forma de apresentação ao usuário final. Eis alguns exemplos, segundo a professora Renata Biegelmeyer, da Faculdade de Farmácia:
Planta fresca (in natura): espécie vegetal, cultivada ou não, utilizada com propósitos terapêuticos. Considera-se planta fresca aquela coletada no momento de uso.
Planta seca (droga vegetal): planta medicinal, que contenha as substâncias responsáveis pela ação terapêutica, após processos de coleta, estabilização – quando aplicável – e secagem, podendo ser apresentada na forma íntegra, rasurada, triturada ou pulverizada.
Fitoterápico manipulado: preparados em farmácias, com manipulação autorizada pela Vigilância Sanitária. Nesse processo, acrescenta-se as etapas de preparações extrativas, que visam concentrar os ativos, controle de qualidade- com o objetivo de assegurar a segurança e eficácia e a preparação da forma final.
“A escolha das espécies se dará de acordo com as indicações clínicas solicitadas pela SMS, ou seja, procuraremos atender as demandas da comunidade. Por consequência, essa seleção implicará na busca de espécies que melhor se adaptem ao nosso clima. Essa etapa é de extrema importância, pois proporciona a obtenção das máximas respostas terapêuticas, ou seja, o teor de princípios ativos. A planta necessita das condições otimizadas para seu desenvolvimento, como por exemplo, a escolha do tipo e PH de solo, exposição solar, nutrição, temperatura e disponibilidade de água”, explica Biegelmeyer.
O professor Douglas Rambo, que também participa do projeto, no âmbito da UFBA, acrescenta que “para a produção de um medicamento fitoterápico de qualidade, devemos cumprir diversos requisitos de boas práticas em todo o processo, que vão desde o cultivo de plantas certificadas, beneficiamento da matéria-prima, controle de qualidade de todas as etapas produtivas e adequação de instalações para a produção dos fitoterápicos. Desta forma, são muitas etapas para garantir a produção de um medicamento fitoterápico seguro, eficaz e de qualidade para dispensar à população”.
Natural não faz mal?
O mito do “natural não faz mal” pode ser perigoso para a população, alerta o professor Douglas. “Uma planta é um organismo que contém substâncias químicas em sua composição, e essas, muitas vezes, apresentam poder medicinal – aquilo que se chama de princípios ativos e que darão origem aos medicamentos. Porém, algumas dessas substâncias podem fazer mal, como o caso de plantas tóxicas, ou então quando uma planta medicinal for utilizada de forma incorreta”, pondera o pesquisador. “Por exemplo, a má identificação da planta (equívoco comum quando se trata de espécies parecidas), a forma de preparo, a dose e o tempo de uso podem se tornar agravantes para a saúde da população. Por isso, projetos como a Farmácia Viva têm o objetivo de proporcionar a orientação farmacêutica especializada, alertando a população a cerca do consumo correto de tais produtos”, afirma. Os benefícios esperados serão, portanto, a implantação de novas possibilidades de recurso terapêutico, de baixo risco associado e de efetividade comprovada.
Alguns prazos e etapas
Num primeiro momento, haverá a necessidade de adequação de espaços físicos, compra de materiais e equipamento, bem como a implementação dos dois hortos de cultivo. Essas etapas demandam tempo, pois somente após esse processo é que será possível iniciar o cultivo das plantas que atenderão à produção. Com isso, espera-se disponibilizar os primeiros lotes de produtos em meados de 2022.
O Horto Farmácia da Terra é um projeto de extensão permanente da Faculdade de Farmácia e desenvolve produtos, ações e cursos sobre o tema há vários anos. Assim, são ofertados a comunidade, além dos produtos “in natura”, formas farmacêuticas como xaropes, cremes, géis, xampus e outros.
A Farmácia Universitária está localizada na Faculdade de Farmácia da UFBA, campus Ondina e está em fase final de implantação. Serão utilizadas as áreas da Faculdade de Farmácia para a produção, controle de qualidade e dispensação dos produtos produzidos.
Sem preconceito
Para a Secretaria Municipal de Saúde, Salvador dá um importante passo para implantação de Farmácia Viva. No total, serão investidos R$ 810 mil durante três anos, em ações que visam à construção e estruturação de um modelo sustentável na gestão publica, com atividades voltadas às adoção e promoção de boas práticas de cultivo, beneficiamento de plantas medicinais, de produção de drogas vegetais e medicamentos fitoterápicos manipulados, contribuindo com novas opções terapêuticas a partir do uso sustentável da biodiversidade, pautadas no conhecimento tradicional.
A introdução de fitoterápicos na saúde pública de todo o país ainda é encarada com preconceito. Para a professora Renata, o preconceito ainda existe, seja por parte da população, seja por parte dos profissionais da saúde. Isso se deve ao grande número de situações não “reconhecidas” envolvendo plantas medicinais. Fitoterápicos são medicamentos e como tal devem ser obtidos e utilizados de forma correta. A falta de critério relacionado ao uso de plantas que cria essa falsa impressão, como por exemplo, plantas erroneamente identificadas, falta de fiscalização em produtos vendidos livremente, desconhecimento da forma de uso.
“Um medicamento fitoterápico necessita de regulação sanitária tal qual um medicamento alopático. Por isso, é de suma importância diferenciar uma preparação fitoterápica de um simples ‘chazinho’. Todas as plantas ou formulações que serão disponibilizadas na Farmácia Viva apresentam inúmeras comprovações científicas de eficácia e segurança, recomendação de uso, de dose e indicação clínica comprovada. A mudança do cenário se dará através do esclarecimento da população quanto da importância de tal recurso terapêutico de maneira qualificada e finalmente através da capacitação dos profissionais para a prescrição e ampliação do uso dos mesmos”, finaliza a professora.
Fonte: Boletim Edgar Digital/UFBA
Deixe um comentário