Por onde começar a Inovação? Disruptiva

quarta-feira, 16 dezembro 2020

Entenda por que a inovação começa pelos sentidos, e de dentro para fora

Uma questão em sala de aula – meu antigo ideation place favorito -, me fez criar um cliente geral para todos os Canvas da vida, o qual chamei de O Cliente Universal. Trago de lá o trecho:

“Agora ficou claro, pois sei exatamente a quem devo agradar. Assim, todo o nosso esforço maker deve ser dirigido a estes exigentes clientes: Paladar, Audição, Tato, Olfato e Visão. Para ficar mais sintético, e lembrando que a coisa pode ficar “russa” para a startup, pois será ela quem pagará o pato caso não agrade estes clientes, vou usar as iniciais e chamá-los de PATOV. Assim, nossos clientes, que compõem o cliente universal, poderiam ser chamados de PATOV. Bonitinho e marcante, né?”.

Por que trazer de volta o PATOV? Reescrever uma aula condensada seria fácil, mas não é meu estilo. É que só agora, por causa de outra pergunta, vejo que faltou seu complemento! Para a primeira pergunta, explico que um produto minimamente exitoso tem de agradar nossos principais sentidos. Se conseguirmos agradar a todos – de modo intenso – e promover o que chamei de “construir um produto sinestésico”, teremos feito o Mercado nos perceber e ganharemos um oceano azul para descortinar. 

Sobre a nova pergunta, que sempre me fazem e é um desafio constante, “como se inspirar para inovar em minha empresa?”, olhando para trás e ligando os pontos do que já escrevi, posso responder com toda certeza: a partir da observação do que gostam nossos principais clientes, os colaboradores. Sim, agora ficou óbvio. Temos de agradar o PATOV desses clientes, observando o mundo por suas lentes, para que possamos inferir o que desejam. Estes clientes são os que compõem nosso nicho primordial, os primeiros usuários. Daí o título para essa aula condensada: por onde começar a inovação. 

Intensificando os sentidos

Parece simples utilizar os sentidos. Entretanto, elaborei um modo próprio para treinar meu PATOV. Exemplo: ver um filme dublado e depois no som original: minhas percepções mudaram. Outro exercício mais intenso: assista um trecho de um filme sem ouvir e depois ouça o mesmo trecho sem ver. Você terá a certeza de que são filmes diferentes, mas, na verdade, a experiência é que mudou. Então, quando eu falo em usar o PATOV, quero na verdade dizer “observar por cada um sentido e de forma isolada”. Aí é que está a diferença: evitar o over information! Botei em inglês para parecer chic. A expressão seria “Evitar a sobrecarga de informação cruzada”. 

Em Quer que eu desenhe?, mostro como nosso cérebro gosta de padrões, e que da área total dele, responsável pelos nossos sentidos, cerca de 60% de seu processamento é ocupado pelo visão. Assim, ao se tentar avaliar um determinado aspecto de um processo utilizando um sentido, deve-se eliminar ou reduzir os vieses inseridos pelos outros. No caso do PATOV, por exemplo, temos dois vieses muito fortes: a paixão por padrões pelo cérebro e a preponderância da visão sobre os outros sentidos. Temos que eliminar as interferências e concentrar nosso poder de observação em cada um dos sentidos por vez. Portanto, se quero inovar em algo audível, tenho que reduzir o efeito que a visão causa naquele campo. A ideia é reduzir a over information de um sentido no outro; isolá-los um a um para intensificar suas respectivas respostas.  

Exercendo o Benchmarking

Xeretemos! Este é o exercício. Como assim, GBB-San? E esse termo “Benchmarking” aí em cima, não é mais pomposo? Sim, também acho, porém não é de rápida compreensão. Vamos ao feijão-com-arroz: suponha que você está sem inspiração para dar uma incrementada em seu negócio. O que se pode fazer então? E a resposta está no verbo xeretar. Vá, ou envie alguém que saiba, “dar uma olhadinha” na concorrência ou similares. Saia do escritório, pois a inovação está lá fora. Já que estamos falando em intensificar sentidos, seguem as dicas de como se comportar.

O exercitando o gosto: sendo o paladar, o “P” do PATOV!

Não sei como você vai fazer isso no empreendimento alheio, mas terá de dar uma olhada nas instalações onde são feitas as refeições e, se puder “merendar” por lá, pegue informes sobre o ambiente, se os comensais sentem-se bem etc. Tente fazer isto de olhos fechados. Vai ser massa! Se você ler até o fim, “dicarei” (darei uma dica forte) como fazer isso sem ser impedido ou notado.

Auscultando a concorrência: sendo a audição, o “A” do PATOV!

Lá fora, na neighboring building, converse com o pessoal da recepção. Ouça suas queixas, elogios, o que falta, o que está em excesso. Use da discrição: não utilize canetas, papéis etc. Deixe seu celular captar o som ambiente e as conversas com a galera para depois fazer seu relatório. O ambiente é acusticamente agradável, as pessoas se ouvem? Feche os olhos por alguns minutos e se aproprie do espaço; como um monge budista, conecte-se ao todo. Novamente, lá embaixo, “dicarei” como passar despercebido cometendo esse ato típico do agente 007.

Mexendo em tudo: sendo o tato, o “T” do PATOV!

Ande pelo ambiente da concorrência. Sinta a ergonomia dos corredores, das cadeiras, dos ambientes de descanso e conversas (se existirem, claro). Passe o dedo sobre os móveis e sinta o estado deles. Toque a sinfonia dos processos, observe o ir e vir das esteiras. Toque e utilize os produtos, os serviços, o movimento das equipes de trabalho. Novamente, darei uma dica forte de como passear invisível na empresa da concorrência fazendo isso, e ainda ser aplaudido.

 Sentindo cheiros: sendo o olfato, o “O” do PATOV!

Em programas sobre compra e venda de casas, o pessoal usa um truque: cozinhar biscoitos ou bolos e deixar que o cheiro se espalhe pelo ambiente, tornando a negociação inconscientemente prazerosa. O café também é altamente recomendável. Perfumes, incensos, e por aí vai. O ambiente do seu competidor é olfativamente agradável? Parece besteira, mas, ao final do dia, pode representar a diferença entre querer ficar mais um pouquinho ou ir embora pra casa desesperadamente, deixando uma tarefa incompleta para o outro dia, criando um gargalo. Uma dica para essa empresa é deixar a copa sempre ativa com cheiros convidativos, que lembrem a nossa casa ou a da vovó. Dica forte de como fazer isto? Vide lá embaixo.

Observando o mundo: sendo a visão, o “V” do PATOV!

Observe as pessoas chegando, seus rostos, como se vestem, a forma como se dirigem uns aos outros. Trabalhe sua empatia e depois faça um relatório para si mesmo. Aja como um bom profiler, analisando perfis. Depois verifique se encontra comportamentos familiares. Como aconselhado na seção inicial, evite falar com alguém, ouvir conversas etc., para não promover o over information. Seja apenas “olhos”! A seguir, dica forte.

Dica forte: sentindo a própria casa!

Você deve estar pensando nas questões éticas a serem infringidas ao se comportar como sugeri, um intruso invisível, e ainda não ser percebido não é mesmo? Mas agora anote aí a dica forte que vai resolver toda essa questão: saiba que você é seu principal concorrente; logo, o exercício que propus para executar na concorrência foi, na verdade, para fazer em seu próprio empreendimento. Posso então dizer: “Te peguei!”.

Seu primeiro cliente, o colaborador, precisa ter o respectivo PATOV contemplado para executar um trabalho eficiente dentro da empresa. Isso é o mínimo que você deveria garantir para que haja uma interação amistosa entre o colaborador e o empreendimento. Será que o PATOV do colaborador está em sintonia com o negócio? Você já atuou como profiler em seu próprio empreendimento? Agora que dei a dica de ouro, vamos aos porquês. 

De dentro para fora: o espaço que temos de aproveitar para inovar

O dia tem 24 horas. Tire 2 horas para alimentação, 1 hora para higiene pessoal e mais 2 horas para deslocamento. Admita 8 horas de sono diário. Temos aqui 13 horas diárias de obrigações pessoais e intransferíveis. Como exemplo, façamos o cálculo para uma semana útil de 5 dias. Obtemos 65 horas de atividades pessoais dentro de 120 horas semanais. 55 horas é o que sobra para ações diversas. A média de trabalho na semana que estabelecemos é de 40 horas. 15 horas, ou 3 horas diárias, são neutras. Se o seu primeiro cliente, o colaborador, tem seu respectivo PATOV satisfeito, ele se sentirá, pelo menos, em harmonia com a empresa, e você com espaço para propor ações. E aqui vem outra dica forte: um colaborador satisfeito trabalha além das expectativas. Foi assim em todas as empresas que trabalhei, nas quais procurava coisas a fazer além de minhas competências, além de meu turno. Existe um tempo neutro, equivalente a 37,5% do tempo útil, que vale ouro e poderia ser negociado.

Onde eu quero chegar: já está patente que a inovação é a vacina anti-quebra de empresas, e, claro, respeitando a saúde e as questões trabalhistas, será que as horas neutras não poderiam ser utilizadas para crescimento e sobrevivência de ambos, negócio e colaborador, desde que cocriassem um plano juntos? Já participei de ações como estas, numa das quais uma empresa criou uma “janela de oportunidade” para incentivar todos a inovar. Em Coteminas: a inovação que brota do chão de fábrica , mostro como a empresa em Macaíba estimulou os colaboradores da fábrica a pensarem nos problemas que os afligiam, elaborando soluções e executando ideias. Deixo aqui para você pensar as inúmeras formas de recompensar os colaboradores inovadores.

E aqui se encaixam horas neutras: seu empreendimento vai precisar de toda força mental e física possível para sobreviver às intempéries à frente. 2020 não foi fácil, mas parece ter se comportado como um rascunho para 2021. Um colaborador com o PATOV satisfeito, sente-se, na falta de uma expressão melhor, incomodado pela felicidade. Isso mesmo: deixe seu primeiro usuário incomodado pela qualidade do ambiente laboral em que está imerso. Tem de haver um equilíbrio entre esse incômodo e seu bem-estar. Muita felicidade, gera acomodação. Muito incômodo, frustração.

Finalizando…

Sua empresa produz o “efeito sinestésico” em seus principais clientes, aqueles com os quais você troca conversas de segunda a sexta? Você os deixa “incomodados com a felicidade” corporativa? Se sim, PATOVs satisfeitos, caminho aberto para a inovação. Se pudesse resumir este texto em uma frase, diria: “A Inovação começa pelos sentidos, e de dentro para fora”.

Ah, sobre as questões éticas, posso dizer com tranquilidade: alguém, neste exato momento, está xeretando sua empresa. Se não for um 007 espertinho, as informações sobre seu negócio poderão chegar ao “vizinho” através do próximo colaborador, aquele que pediu demissão. Outra coisa: este texto é público!

A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.

Leia a edição anterior: Você Startup e o mundo BANI

Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Gláucio Brandão

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