Quem disse que veganismo é caro?! Observatório de Mídia

quinta-feira, 26 novembro 2020

Perfil no instagram e documentário mostram um veganismo acessível e político

Por Edilberto Mendes e Luze Silva

 Quem nunca disse ou ouviu as frases: “não consigo ficar sem carne”, “é muito difícil ser vegano, pois dá muito trabalho” ou ainda a clássica “veganismo é caro!”? Sem dúvidas há muitas questões estruturais e sociais por trás desses pensamentos que precisam ser discutidas e modificadas. Mas, de imediato, é necessário afirmar: o veganismo não é caro! E trazemos um exemplo muito prático para auxiliar na sustentação desse argumento: o documentário e perfil no instagram sobre veganismo acessível.

Para facilitar o entendimento, a Sociedade Vegana conceitua veganismo como o “modo de vida que busca eliminar toda e qualquer forma de exploração animal, não apenas na alimentação, mas também no vestuário, em testes, na composição de produtos diversos, no trabalho, no entretenimento e no comércio” (SOCIEDADE VEGANA, 2011).

De acordo com o levantamento do IBOPE Inteligência (2018), no Brasil estima-se que a porcentagem de Vegetarianos e Veganos é de 14%. Mesmo que o número de pessoas adeptas ao vegetarianismo e veganismo esteja em crescimento no mundo e no País, ainda há muitos estigmas relacionados a esse modo de vida. Um deles, obviamente, está ligado à ideia de o consumo de produtos livres de exploração animal ser caro. Com o objetivo de garantir que este é um pensamento muito restrito, os irmãos ativistas pela causa animal Leonardo e Eduardo Luzivetto criaram em 2017 a página no instagram @veganoperiférico.

Conversando diariamente com 343 mil seguidores, eles compartilham a rotina, a preparação das refeições diárias (com alimentos comuns, baratos e nutricionais) e, vão além: convidam e incitam a debates importantes sobre direito à vida dos animais, a agir contra o machismo, racismo e toda e qualquer forma de opressão e exploração. Com posicionamento político demarcado, inerente do movimento, eles reforçam que é preciso pensar em um veganismo que seja acessível, não o destinado à apenas uma bolha da sociedade, que geralmente é composta pela elite.

Luze Silva

No processo de transição do hábito alimentar, muitas pessoas só conseguem visualizar o veganismo a partir da grande rede de industrializados que, em sua maioria, são caros e destinados a uma parte particular da sociedade, que tem poder aquisitivo. Portanto, é isso que faz surgir o pensamento imediato “veganismo é caro”. Nessas circunstâncias, sim, ele se torna caro. É por isso que é preciso ir na contramão e visualizar esse modo de vida com toda a acessibilidade que ele permite. Todos os nutrientes essenciais para o nosso organismo são encontrados em alimentos comuns do dia a dia: frutas, verduras, legumes, hortaliças etc.

Dessa forma, o veganismo é um ato político contra a exploração, especismo e, necessariamente, agrega outras bandeiras à sua luta além do direito à vida dos animais, porque todo esse sistema de exploração tem ligação com questões sociais problemáticas, como o machismo, racismo, capitalismo, entre outras. É fundamental ver o movimento como a intersecção de lutas a que ele se propõe. No texto “Novos atores em movimento: o veganismo como prática política”, podemos melhor ver que Borba (2012 apud VALENÇA, 2014, p. 8) trata sobre a ação direta nesse sentido. Nas palavras de Pasquino (2010, p. 74):

A participação política é o conjunto de ações e de comportamentos que aspiram a influenciar, de forma mais ou menos direta e mais ou menos legal, as decisões do poder no sistema político ou em organizações políticas particulares, bem como a própria escolha daqueles, com o propósito de manter ou modificar a estrutura (e, consequentemente, os valores) do sistema de interesses dominante.

E uma das temáticas recorrentes na recente produção audiovisual “Veganismo Periférico” é pensar o movimento como defensor de diversas bandeiras. Em sua narrativa, que traz a rotina e discussões pertinentes, os irmãos Leonardo e Eduardo reforçam a necessidade da intersecção e o combate às opressões. Em uma de suas falas, Leonardo convida a uma reflexão necessária:

Edilberto Mendes

A gente não abordou uma coisa que eu acho essencial abordar, velho: machismo, mano. Como o bagulho tá ligado com a questão do consumo de carne… Nem é consciente, é inconsciente. Mano, se eu não como carne eu sou gay? E entra duas coisas: tanto homofobia, porque vê o gay como um problema, quanto machismo… (LEONARDO, 2020).

O documentário aborda temas ligados às principais percepções e mudanças diante do contato inicial com o veganismo, o elitismo do movimento (pensando no viés da industrialização dos produtos), o movimento como causa social (grupos e pessoas engajadas em promover a acessibilidade e garantir os direitos básicos dos animais), a produção de base agroecológica (que envolve a agricultura familiar/horta comunitária) e o direito à terra/assentamento (pontuando a visão má interpretada da sociedade diante da importância do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)).

A produção ainda faz um convite para se pensar no sistema de produção das empresas (e sociedade como um todo) que visa sempre o lucro, a partir de uma referência à Karl Marx logo nos minutos iniciais do documentário, questionando: para quem é o lucro? Por que temos esse sistema de produção? Quem se beneficia? O que tudo isso tem a ver com o capitalismo? Didaticamente, os irmãos mostram como é fundamental a busca por informação para compreender todo esse sistema que legitima (sem autoridade à legitimidade) que a vida dos seres humanos é mais valiosa que a dos animais. Para melhor entendermos essa relação, Bentham (apud TRIGUEIRO, 2013, p. 244) nos faz um convite à reflexão sobre a relação com os animais ao nos dizer:

Por que fazer tanta diferença, sob o ponto de vista da sensibilidade, entre os homens e os animais? (…) Por que não deveriam ter os mesmos direitos? (…) [H]ouve um tempo – lamento dizer que em muitos lugares ele ainda não passou – no qual a maior parte da nossa espécie, sob a denominação de escravos, foram tratados pela lei exatamente no mesmo pé que, por exemplo na Inglaterra, as raças animais inferiores ainda são tratadas hoje. Pode vir o dia em que o resto da criação animal adquira aqueles direitos que nunca lhes deveriam ter tirados, se não fosse por tirania. (…) Pode chegar o dia em que se reconhecerá que o número de pernas, a pele peluda, ou a extremidade do os sacrum constituem razões igualmente insuficientes para abandonar um ser sensível à mesma sorte. Que outro fator poderia demarcar a linha divisória que distingue os homens dos outros animais? Seria a faculdade de raciocinar, ou talvez a de falar? Todavia, um cavalo ou um cão adulto é incomparavelmente mais racional e mais social e educado que um bebê de um dia, ou de uma semana, ou mesmo de um mês. Entretanto, suponhamos que o caso fosse outro: mesmo nesta hipótese, que se demonstraria com isso? O problema não consiste em saber se os animais podem raciocinar; tampouco interessa se falam ou não; o verdadeiro problema é este: podem eles sofrer? (BENTHAM, 1979, p. 63).

Viu só?! Não tem mistério, complicação e nem gasto excessivo de dinheiro. Veganismo é um movimento baseado na acessibilidade e esse deve ser o seu primeiro pensamento ao mudar seus hábitos alimentares e o relacionamento com a natureza. Tudo que precisamos para nos nutrirmos e ter uma boa qualidade ambiental (nossa e dos animais) está à nossa disposição, livre de crueldades e sofrimentos. Não se deixe enganar pelas publicidades de produtos veganos caros!

Referências

A coluna Observatório de Mídia é atualizada quinzenalmente às quintas-feiras. Leia, opine, compartilhe e curta. Use a hashtag #observatorionossaciencia. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br).

O próximo texto será publicado no dia  10 de dezembro

JOII – Grupo de pesquisa em Jornalismo, Inovação e Igualdade da Universidade Federal do Piauí

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