Jhon e o perfil desejado para 2019 Disruptiva

quarta-feira, 18 novembro 2020

Os futuros não existem, são fabricados. Então, mãos à obra!

Acho que você errou a data, Professor. Não era para ser 2021? E eu respondo: “Quer apostar?”. Vamos brincar de futuro no passado. Peço que mergulhem com força nesse experimento temporal, inspirado na trilogia De volta para o futuro.

Estamos em janeiro de 2019. Você caminha por ruas do Alecrim e um mendigo te pede ajuda. Por achá-lo bizarramente familiar, você para e dá uns trocados ao homem. Em retribuição, ele te entrega um envelope. Você se afasta e, intuitivamente, abre-o e lê as seguintes informações:

“O mundo entrará em uma profunda pandemia provocada por um vírus letal, altamente contagioso”. E tem mais: “A causa da pandemia será uma doença respiratória denominada COVID-19 (do inglês Coronavirus Disease 2019). A doença será causada pela infecção com o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2). O SARS-CoV-2 será um vírus ARN de cadeia simples positiva e pertence a uma grande família de vírus denominada coronavírus. Os coronavírus causam várias infeções respiratórias em seres humanos, desde simples constipações até doenças mais graves como a síndrome respiratória do Médio Oriente (MERS) ou a síndrome respiratória aguda grave (SARS). O SARS-CoV-2 será o sétimo coronavírus conhecido a poder infectar seres humanos, sendo os restantes o 229E, NL63, OC43, HKU1, MERS-CoV e o SARS-CoV original”. Adaptei da Wikipedia, alterando o tempo verbal de “ser”.

Congelado, não pelo conteúdo do envelope, mas por pelo português impecável e informação científica austera – já que não acredita em futuros previsíveis, pois nossa lógica causal admite o tempo apenas para frente -, a corretude da informação te faz questionar: Estarei em epifania? Feynman e Popper, meus neurônios mais destacados, entraram em colapso? Por que um cara de aspecto tão familiar, em condições tão vulneráveis, me entrega um texto tão imperativo? Intrigado, você volta pra questionar o mendigo e encontra apenas um envelope no lugar em que ele estava, com teu nome escrito nele. Mais assombrado ainda, você apanha o envelope, abre-o, encontra os trocados que você havia dado ao homem e outro escrito dentro: pegue esse dinheiro e mude seu perfil, pois vai precisar!

Black Mirror à parte, o que você faria se recebesse um recado destes e, claro, acreditasse? Pois segure essa ideia que farei surgir algum sentido durante o texto. “Não podemos prever o futuro, mas podemos criá-lo”, diria Peter Drucker. Como nos enredos de filme, acho que você suspeita quem seja o mendigo. Quem, senão você mesmo, daria uma informação tão valiosa por alguns trocados, e ainda os devolveria?

Dois cenários possíveis: acreditar ou não em Jhon?

De tanto pensar no evento, dias após o ocorrido, o mendigo já tem um nome: Jhon. Você passa a referir-se àquele encontro no Alecrim como “paulada na sensibilidade”. Durante uma semana, seu cérebro martela: “Jhon te deu uma paulada na sensibilidade”. Aí você resolve usar a ferramenta Era, descrita por nós há algum tempo atrás, para tomar decisões. Pensa no E (Eliminar algum elemento desta abordagem), no R (quais são as Razões para a abordagem atual?) e no A (existem Alternativas a esta abordagem?) pra avaliar dois cenários possíveis:

  1. Você parou na letra E. Eliminou quaisquer possibilidades de que aquilo fazia sentido. “Não acredito no Jhon!”.  Vida que segue…
  2. Você passou pelo E e começa a sondar o R. Já que se pode fazer um jogo mental – “Contestar hipóteses básicas é essencial para criar ideias revolucionárias”, diria Eliyahu Goldratt, pai da Teoria das Restrições -, você extrapola e considera que Jhon te deu razões pra pensar, uma vez que o corpo humano é uma coletânea de DNA e RNA, que bilhões de bactérias moram na gente, que menos de 1% nos faz mal e que a humanidade lutou, luta e lutará contra vírus para sempre, já que são RNAs mutantes e recombinantes, e percebe que Jhon te entregou algo totalmente possível. Ou, contra todas as possibilidades, admite viagens no tempo ou premonição.

Se optou pela alternativa A), bye-bye e até a próxima quarta-feira. Se escolheu a letrinha B), bem-vindo ao mundo empreendedor, aquele no qual você se prepara e vai. Avance para a próxima seção. 

Analisando a paulada na sensibilidade

02/01/2019: Jhon me deu uma “paulada na sensibilidade”.

Se continuou lendo, você está em 2019 e acredita que Jhon (ou o que quer que tenha sido) não foi um sonho e te alertou que 2020 será um ano intenso. “E eu que estudava, trabalhava, namorava etc., seguindo as bolinhas pretas da figura, promovendo minha evolução pessoal linear, sofro uma paulada e começo a projetar minha vida à frente do ponto Jhon”. Com base nas outras pandemias que já presenciou (H1N1, dengue, chicungunha etc.), você especula várias coisas sobre 2020, pra gerar alternativas (o A do ERA) plausíveis :

  • Como de praxe, será um ano de experimento político-epidemiológico. O mundo entrará em euforia, com arautos anunciando a mortandade de milhões de pessoas em semanas, depois ficará disfórico, com a economia parada e ninguém podendo sair de casa. Só para votar!
  • Será um ponto fora da curva, gerando singularidades, o que forçará uma carreira não-linear, deixando obsoleto tudo que aprendi.
  • Devemos eliminar ou aprender a trabalhar em singularidades, já que nelas se é difícil planejar ou aplicar qualquer protocolo lógico de modo trivial. Além disso, daqui pra frente, acontecerão com maior frequência. As recidivas da COVID já começaram, indicando isto. E não será a última.
  • Por conta de tudo isto, 2020 não será um ano efetivo, apenas um espaço para validações e verificações diversas e alheias. As bolinhas vermelha e verde terão de se sobrepor para que se elimine essa anomalia, como um band-aid temporal. Resumindo: do ponto de vista profissional-convencional, 2021 ainda será 2019. Expliquei o título dessa novela!

Já que será trash, você começa a se perguntar:

  • Se é assim, por que eu continuo fazendo as coisas do mesmo jeito e agindo como se o mundo fosse linear? Por que continuar agindo de modo tão ineficiente?
  • A faculdade, a estrutura organizacional de minha empresa, a conjectura política, não são fins, mas meios. Não aposte nelas, pois, se Jhon estiver certo, tudo estará ultrapassado! 

Você pensa: então, Para o que eu não fui formado?. E chega a uma retumbante conclusão: recebi uma insight privilegiado. Tenho que repensar minha vida e trabalhar meu perfil para 2019, já que 2020 não vai simplesmente acontecer; vai nos testar, pois suspeito que não haverá mais um ontem?. Para ser produtivo ao mundo terei de começar por mim mesmo.

Montando meu perfil para decolar em 2019

Em Forjando um perfil empreendedor, mostro que a criatividade é a base para movimentar-se em direção a revoluções pessoais e que ela pode ser trabalhada. Massa! E sendo um pouco mais radical, no futuro das profissões, ouso propor uma fórmula para desenhar este  perfil, a qual está intimamente ligada à capacidade de criar problemas, ao questionamento de hipóteses básicas e ao tempo improdutivo frente à tela do smartphone.

De posse da informação de Jhon, admitindo que você deseja realmente mudar seu perfil para 2019, e se posso dar um conselho, na questão de capacitação, não importando a área em que você tenha afinidade, trocaria a matemática estática por uma coisa mais dinâmica, como data science e uma linguagem de programação. Estudaria IA, Ciências da Vida, Analytics etc., não se prendendo apenas à combalida educação brasileira. Várias opções existem mundo afora e em todas as áreas do conhecimento. No site World Top 100 Universities by MOOC Performance, que lista os MOOC (Massive Open Online Course), pode-se encontrar cursos ministrados por quem inventou a coisa toda. A Udemy possui mais de 100.000 cursos online. A EDX, por exemplo, disponibiliza sua plataforma mundial para qualquer país (incluo Brasil aqui, claro) lançar seus cursos lá. Nela existem milhares gratuitos e já traduzidos, caso você ainda não tenha fluência no inglês. Uma excelente opção são os Micromasters oferecidos pela EDX. Alguns são pagos, muitos gratuitos. Nos Master’s degrees on edX, por exemplo, existem mestrados oferecidos pelo MIT, Harvard, Stanford e universidades europeias TOP 10 que se podem concluir sem sair de casa, e ainda forçar as duas linguagens universais: o inglês e os algoritmos. Estes cursos estão promovendo o que os ingleses chamam de brain drain (evasão de cérebros) ao redor do mundo. Cursos de qualidade reconhecidos internacionalmente, que alcançam países como China, Índia e Brasil, formam as mentes e as levam embora, sem precisarem levantar um único escritório aqui, e nós insistindo em nossa educação de travamento, queda após queda no PISA, sem levar em conta que IDH e Economia andam de mãos dadas com a Educação.

Já no quesito de negócios promissores, desenharia modelos baseados em fintechs, edtechs, martechs, lawtechs, alimentação, logística e outras ideias que propus em Preparando-se para o futuro iminente. A reportagem Setor de serviços tem 4ª alta seguida, mas segue abaixo do nível pré-pandemia, mostra, em números, a tendência dos serviços. Recomendo repensar sua atual formação tradicional…

Finalizando e caindo na real…

Jhon nunca precisou existir de fato; mas se existisse, 2019 seria o futuro dele. Observe que as perguntas que se fez lá em cima independiam de saber o futuro, pois, a rigor, futuros não existem: são fabricados. Se você sabe de tudo isto, por que está esperando 2020 passar para voltar a fazer tudo que fazia antes? Você parou no tempo, lá em 2019. Então, meu amigo Nohj (nome herdado de seu bisavô, um imigrante theco), você se dá conta da brincadeira que teu cérebro fez: Jhon é a grafia invertida do teu nome. Seu “cabeção” quis dizer que é assim que você está agindo, ao contrário do que deveria. Está se cristalizando ao invés de se expandir. Dando ré em um mundo que precisa de mentes que façam do ato de aprender uma constância e do observar uma filosofia de vida, o que eu defino como uma mente empreendedora. Então, brother, comece a mudar seu perfil desde já. Tente evitar ser seu próprio mendigo em 2021: esgotado mentalmente, endividado, lamentando o curso de 10 semestres que fez com tanto afinco para aproveitar apenas 30% dele. Ainda há tempo, pois, profissionalmente, estamos em 2019. Você precisa acordar e conversar com você. Encontre Jhon urgentemente!

Referências

A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.

Leia a edição anterior: Conversando com um unicórnio

Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Gláucio Brandão

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