Rihanna e sua revolução afrofuturista na indústria da beleza
Por: Kelen Gladson e Richardson Souza
Na história da colonização de África, um dos primeiros passos dados pelos europeus, após sequestrarem africanos para a escravização, era raspar os seus cabelos e acabar com qualquer símbolo cultural daquele povo, na intenção de destruir a conexão deles com suas origens. No decorrer do tempo, os brancos colonizadores potencializaram uma visão em que os cabelos crespos e os penteados como tranças e dreads, antes exaltados pelas nações africanas, eram associados a sujeira, passando assim, a serem vistos com mau-olhado. A existência dos pretos, então, é condicionada a uma visão animalesca, o “indivíduo afro” passa a ser repulsivo, não só pela sua cultura, mas, principalmente por seu corpo.
Devido a toda essa trajetória, crescer sem reconhecer-se como uma pessoa bonita foi e é, muitas vezes, inerente à população negra. A estrutura racista, que firma a sociedade, antes de todas as outras violências explícitas, nos faz limitar e condenar nossas próprias subjetividades. Assim, antes de todo o resto, sentimos auto ódio e rechaçamos nossa cultura e estética, praticando a violência de nos negarmos enquanto pessoas negras que carregam ancestralidade. O caminho mais fácil para a “auto aceitação se tornou, então, o do embranquecimento, utilizar de estilos de roupas e padrões de beleza europeus na tentativa de um encaixe naquilo que é visto como belo.
Porém, graças a luta de muitos movimentos e, principalmente, pela difusão do movimento Black is Beautiful, que surgiu na década de 1960, nos EUA, na luta antirracista pela desconstrução da imagens distorcida dos padrões de beleza afro, hoje, é possível ver um orgulho maior da comunidade negra sobre quem somos e de como isso é valioso (embora a luta interna contra as cicatrizes do racismo seja constante).
Nesse sentido, a indústria musical também tem um grande papel de influência na construção dessa valorização. Alguns estilos, como o hip hop, por exemplo, carregam em si uma conscientização, humanização e promoção de representatividade, que vai além da música propriamente dita, já que os cantores e cantoras do estilo têm um jeito particular de se vestir e todo o cenário criado em seus videoclipes tem, muitas vezes, a intenção de os enaltecer. É uma indústria que absorveu este símbolo de ativismo e de tão efetiva se expandiu para o campo da moda. Não é à toa que vimos tantos jovens negros dos finais dos anos 1990 e início dos 2000 se inspirando no estilo de ícones do hip hop. Dentre eles, está Rihanna.
Robyn Rihanna Fenty nasceu em Barbados, em 1988, numa pequena cidade chamada Saint Michael. Ela sempre quis ser cantora e foi “descoberta” em 2003 pelo produtor Evan Rogers, assinando um contrato com a gravadora Jef Jam. Dali em diante, ela percorreu o caminho por onde se fez a cantora mais rica do mundo. Segundo a revista Forbes, seu patrimônio é estimado em 600 milhões de dólares¹. Apesar disso, hoje sua maior fonte de renda não é a música. Rihanna sempre teve produtos licenciados, parcerias com várias marcas e isso fez dela uma das maiores it-girls da atualidade. Qualquer coisa poderia parecer espalhafatoso demais, brega ou feio até Rihanna usar.
Com toda essa influência na moda, na música e na cultura do hip hop, difundida ao pop, ela fez uma grande empreitada em 2017: o lançamento da sua própria marca de maquiagens, a Fenty Beauty, com produtos específicos para nada menos do que 40 tons diferentes de pele (hoje, 50). Como era previsto, foi um sucesso estrondoso, não só pelo apelo da imagem vinculada à Rihanna, mas porque a marca Fenty Beauty atende um mercado consumidor gigante que vinha sendo negligenciado há muito, muito tempo: a comunidade negra.
Só que os planos empresariais de Rihanna eram muito maiores. Ainda em 2017, ela fundou a Fenty, sua marca de roupas de luxo, como subsidiária da LVHM, empresa responsável pelo gerenciamento da Dior; Louis Vuitton; Givenchy; Bulgari e mais uma infinidade de outras marcas de luxo. Assim, tornando-se a primeira mulher negra a comandar uma empresa de luxo na história. Em 2019 é lançada a primeira coleção da Fenty, com participação de Rihanna no design de todas as peças, e a Savage X Fenty, sua linha de lingeries, com preços mais acessíveis.
Ambas as marcas têm produtos para todos os tamanhos de corpos e publicidade com todos os tipos de modelos que se pode imaginar. Todas as minorias, principalmente pessoas pretas que até então não tinham destaque, passam a ser protagonistas nas campanhas da Fenty. E, assim, foi montado o império que vem transformando e rompendo com uma indústria que por mundo tempo se estabeleceu através de um padrão branco, elitista, magro, hétero, cisgênero, impactando com exclusão as subjetividades de todas as pessoas ao redor do globo fora desses espectros.
Talvez o primeiro grande sinal do impacto das marcas de Rihanna na cultura, além dos lucros bilionários e de que as coisas jamais voltariam a ser como antes, é a desvalorização² da marca Victoria’s Secrets, o bastião supremo do padrão de beleza eurocêntrico e esguio, desde a década de 1990, e um dos maiores concorrentes da Savage X Fenty. Poucos anos atrás Victoria’s era a maior grife de lingeries do mundo, tinha um fashion-show televisionado há mais de 20 anos, com audiência altíssima (um pico de 12,4 milhões de espectadores), mas que vinha em declínio há algum tempo. A marca decidiu não realizar seu evento maior justamente no ano de lançamento da Savage X Fenty, porque os proprietários se viram forçados a um reposicionamento de marca.
Rihanna começou a ser ainda mais aclamada por mulheres negras, que agora se sentiam acolhidas por sua marca, com maquiagens que entendiam tons do fundo de peles pretas e toda a diversidade do colorismo, entregando produtos que ao invés de apagar, valorizam a pele negra, assim como investir em roupas para modelos fora do que foi estabelecido como padrão. Isso fez com que a comunidade afro abrisse os olhos para o que eles consumiam da indústria da beleza. Em um mundo onde cada vez mais o padrão de beleza é questionado, aqueles que não se veem representados exigem essa representatividade e, nessa onda, a Victoria’s Secrets – e qualquer outra marca semelhante, que decide apagar a existência preta ou colocá-los num lugar de exotismo, marginalidade, assim como corpos gordos, trans, etc. – tentar manter suas modelos de corpos quase inatingíveis, é sinônimo de anacronismo.
Então, quando Savage X Fenty lança seu próprio fashion-show, com performances extremamente elaboradas que atestam a funcionalidade das peças; com modelos de todos os biótipos (negros, amarelos, gordos e magros); de todas as sexualidades e gêneros (inclusive drag queens e não bináries), pessoas com deficiência e de diversas faixas etárias, é um golpe, sem nenhuma misericórdia, ao modelo de negócios excludente, antiquado e desgastado que vinha predominando na indústria da moda. O futuro do que será belo não é reservado para limitação em padrões e estereótipos e sim aos mais variados corpos e modos de existir. Não porque “lacrar dá lucro”, mas porque é pura burrice manter a indústria inerte e ignorando as demandas e diversidade das pessoas “comuns”.
A Fenty Beaty já está presente em 35 países, inclusive, no Brasil, onde a população negra movimenta cerca de 704 bilhões de reais anualmente, como atesta o Instituto Locomotiva, em pesquisa, de 2019, encomendada pelo Jornal Folha de São Paulo³. Na sociedade regida pelo capital, uma das formas mais eficientes de mudança social é pelo uso do poder econômico. Empresas tão grandes e com tanto capital, como A Fenty, tem poder de instituição, e principalmente poder de grande influência na área da comunicação. Mesmo que parte das pessoas não possa consumir os produtos por eles serem cotados em dólar e às vezes terem uma discrepância entre o valor “comum” e o convertido, a publicidade da Fenty abre mercados e cria uma tendência que outras marcas começaram a seguir. Nossa querida Riri não apenas revolucionou o universo da beleza, mas vem construindo um império do antipadrão, comandado por uma NEGRA e se você não entendeu onde o afrofuturismo se encaixa nisso tudo, bom, você ainda não entendeu nada.
*Kelen Gladson Ferreira dos Santos é carioca que reside há 5 anos em Natal, onde se formou em Audiovisual pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e hoje é graduanda do curso de Jornalismo na mesma instituição. Participa do projeto de pesquisa Olhos Negros e tem interesse nos estudos afrofuturísticos.
**Richardson Alexandre Soares Souza é estudante de jornalismo na UFRN, integrante do projeto de pesquisa Olhos Negros, entusiasta da fotografia e interessado em afrofuturismo e decolonialidade.
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“Epistemologias Subalternas e Comunicação – desCom é um grupo de estudos e projeto de pesquisa do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte”.
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