Em seu artigo para o Nossa Ciência, Ricardo Ojima analisa os desafios da China com a revogação da “política do filho único”
Motivado pelo receio de uma explosão populacional, há cerca de 3 décadas atrás, a China estabeleceu uma política de controle de natalidade radical. Denominada como “politica do filho único”, o país restringiu de modo radical o número de filhos que cada casal poderia ter. Do ponto de vista demográfico, para que uma população mantenha seu volume absoluto estável, seria necessário que cada mulher tivesse, em média, dois filhos. Portanto, a política chinesa de controle da natalidade tinha um objetivo muito claro: reduzir o volume absoluto de sua população, pois se cada mulher podia ter 1 filho em toda a sua vida reprodutiva, o resultado só poderia ser o decrescimento da população.
No senso comum, isso poderia ser considerado uma conquista. Entretanto, há muitos aspectos negativos que merecem ser explorados quando há uma redução acelerada da sua natalidade. Antes de tudo é importante destacar que quando a política do filho único foi implementada em todo o território chinês, as taxas de fecundidade (que mede o número médio de filhos por mulher) já não era muito elevado, pois estava próximo de 3 filhos por mulher (GRAF 1). Mas a política teve seus efeitos e reduziu essa taxa a valores abaixo dos níveis de reposição da população já na década de 1990.
Gráfico – Taxa de Fecundidade Total, China, 1950 a 2015
A recente revogação da política do filho único na China é decorrente dos efeitos dessa redução drástica da natalidade e que, na verdade, se constitui como uma bomba demográfica muito mais complexa e letal ao desenvolvimento de um país. Um dos aspectos é que há uma redução muito rápida da quantidade de crianças e, proporcionalmente, a população de adultos e idosos passa a ser mais importante naquela sociedade. Com o número reduzido de nascimentos, rapidamente a proporção de crianças na população começa a reduzir. Mas o que parece ser um alívio para as políticas públicas de educação no início, posteriormente passa a criar novos desafios para os outros grupos de idade. E o aumento, principalmente da proporção de idosos em uma população, apresenta custos sociais muito mais elevados para o Estado. A população de idosos na China já representa 10% da população total e as estimativas apontam para um crescimento acelerado até o fim deste século contribuindo para o agravamento dos custos com a previdência social e os serviços de saúde.
Outro fator importante na China é a preferência por sexo das crianças. Por questões culturais, as famílias preferem ter um filho homem e, com a restrição de um filho único, aumentou drasticamente a participação de homens na população total. A diferença entre homens e mulheres na população chinesa é de 42 milhões a mais de homens. E o desequilíbrio entre sexos só aumentou a partir da implantação da política do filho único.
Mas o que se discute hoje é: será que a revogação da política do filho único terá efeitos sobre estes aspectos negativos inesperados? É muito provável que não. Dificilmente, pois passados 30 anos de vigência da lei draconiana, o comportamento social irá mudar radicalmente. Espera-se um efeito “baby boom” inicial, onde a demanda reprimida de parte das famílias irá fazer com que a natalidade aumente, pois algumas famílias passarão a poder ter dois filhos ao mesmo tempo. Entretanto, baseado nas experiências de outros países que já apresentam taxas de fecundidade abaixo dos níveis de reposição da população há mais tempo, poucas políticas de incentivo à fecundidade surtiram efeitos que fizessem a população retomar o crescimento vegetativo absoluto. Mesmo quando havia incentivos financeiros. Da mesma forma, dificilmente haverá uma mudança na preferência pela escolha do sexo dos filhos, pois se trata de um aspecto cultural e que não mudaria repentinamente.
Desde 2013 o governo chinês já havia identificado os desafios futuros e passaram a flexibilizar essa política. Em 2013, os casais poderiam ter um segundo filho se um dos pais fosse filho único, mas poucas famílias se valeram desse benefício. Enfim, desarmar a implosão populacional é um desafio muito maior, pois há muito pouca margem de manobra para contorna-la.
Ricardo Ojima é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Demografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
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