É fundamental compreender o papel da Câmara Municipal, conhecer a trajetória de candidatas/os e votar para interferir na qualidade da representação
(Por Homero Costa)
Nas eleições de novembro de 2020 deverão ser eleitos (em algumas cidades, reeleitos) 5.569 prefeitos e mais de 50 mil vereadores. Assim, é importante entender os respectivos papéis. Muitos – inclusive candidato(a)s – desconhecem não apenas sua história, como principalmente o que faz o Poder Legislativo, em especial em nível municipal. E o desconhecimento facilita a enganação em especial em períodos eleitorais, com candidatos prometendo o que não podem cumprir porque não são de suas atribuições e competências.
Vereadores (as) integram as Câmaras Municipais, que foram criadas no Brasil colônia em função da necessidade da coroa portuguesa em controlar e organizar as cidades e vilas que se desenvolviam. A primeira foi formada em 1532, quando a capitania de São Vicente é elevada à condição de Vila (Em 1530 chegou ao Brasil à primeira expedição colonizadora, chefiada por Martim Afonso de Sousa). Em Natal, foi formada em 1611 (com o nome de Senado da Câmara)
Suas composições variaram do período colonial à República. No Brasil Colônia, eram compostas por três ou quatro vereadores, denominados como “homens bons”, que eram não apenas ricos (proprietários de terras) como homens: as mulheres eram excluídas e só foram ter direito a voto no Código Eleitoral Provisório de 24 de fevereiro de 1932, ainda com restrições (se casadas, com autorização dos maridos, e as viúvas e solteiras deveriam comprovar ter renda própria). Com a Constituição de 1934, acabaram-se estas restrições. Além das mulheres, pobres, escravos, judeus, estrangeiros e degredados não podiam ser eleitores, nem muito menos eleitos.
Na colônia, as Câmaras Municipais eram presididas pelo juiz ordinário. Como deveriam seguir as determinações da coroa portuguesa, representada pelo governador-geral, caso criassem leis que contrariassem os interesses de Portugal, havia intervenção e a Câmara era deposta e substituída (casos raros).
O processo eleitoral era indireto: os votantes escolhiam os eleitores que determinariam a escolha dos nomes, com mandato de três anos.
No livro Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial (Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1985) resultado de uma pesquisa coordenada por Graça Salgado (Arquivo Nacional) há uma minuciosa reconstituição do sistema administrativo nos períodos colonial, monárquico e republicano. Em relação às Câmaras Municipais no período colonial, cabia aos vereadores entre outras funções, a de determinar os impostos, fiscalizar os oficiais da municipalidade e a aplicação da lei pelos juízes ordinários, zelar pelas obras e pelos bens do lugar, vistoriar as contas do procurador e do tesoureiro, determinar os preços de alguns produtos etc. (p. 132-133).
Entre 1580 e 1640, o trono português foi unido à Coroa Espanhola e com a chamada Restauração (separação de Portugal e Espanha e a restauração do domínio português no Brasil e colônias e significou o fim da União Ibérica e da Dinastia Filipina) houve a necessidade de ampliação do controle sobre a administração colonial (custos financeiros decorrentes da defesa na guerra da Restauração) e nesse sentido as Câmaras Municipais tiveram um papel importante. Devido à complexidade e especificidades das funções judiciais da época (administrativas e também policiais), os vereadores, assim como os chamados chanceleres e contadores, eram os responsáveis pela efetivação das atividades jurisdicionais nas comarcas.
Havia também os juízes de fora, nomeados pelo rei. O primeiro foi o da Bahia, em 1696, seguido por outros ao longo do século XVIII. A historiadora Maria Fernanda Bicalho no artigo As Câmaras Ultramarinas e o governo do Império, no livro O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII) (Editora Civilização Brasileira, 2001) analisa as Câmaras Municipais e dá vários exemplos de como a sua composição (e competências) variava tanto na Colônia como no Império, de acordo com a importância da vila ou cidade.
Após a Independência, com a Constituição de 1824, houve maior restrição às suas funções e competências, passando a ser mais estritamente administrativa, excluindo a função judicial. A duração do cargo foi fixada em quatro anos (e se mantém até hoje) e o mais votado assumia a presidência da Câmara Municipal.
Com a Proclamação da República, em 1889, as Câmaras Municipais foram dissolvidas e foram criados os conselhos de intendência, nomeados pelos governadores dos Estados (O Brasil passou a ser uma República federativa). Em 1905, criou-se o “intendente geral” e a “intendência municipal“, que durou até 1930.
De 1930 a 1960, os prefeitos eram nomeados pelos interventores e depois de 1945, pelos governadores. Em Natal, a primeira eleição direita para prefeito foi em 1960 e elegeu Djalma Maranhão. Na ditadura militar, iniciada em 1964, houve eleição para prefeito em 1965 (eleito Agnelo Alves, do MDB, depois cassado) e após só em 1985, no fim da ditadura (eleito Garibaldi Alves Filho). Nesse interregno, os prefeitos eram nomeados pelos governadores, sendo restauradas as eleições diretas para senadores e prefeitos, exceto das capitais em 1972.
Durante a ditadura militar as Câmaras Municipais continuaram funcionando (exceto quando houve fechamento do Congresso Nacional) com vereadores eleitos pelos dois partidos permitidos: Arena e MDB.
Em 1982 são restabelecidas eleições diretas para governador e em 1985, eleições para as capitais de estados, territórios e estâncias minerais (para assumirem os mandatos em 1986) e que se mantém até hoje.
Em relação às Câmaras Municipais, é importante saber quais são as atribuições do Poder Legislativo Municipal. Ao longo da história, houve alterações, tanto na sua composição quanto nas funções, do Brasil Colônia à República.
Definidas pela Constituição Federal de 1988, mais especificamente nos artigos 29 a 31, os vereadores como membros do Poder Legislativo têm como função legislar, isto é, criar leis e fiscalizar o Poder Executivo (os atos do prefeito). Essa fiscalização deverá ser feita tanto com o controle externo, como pelos sistemas de controle interno. O externo será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.
Portanto, são duas funções básicas: legislar e fiscalizar os atos do Poder Executivo. Ocorre que, com a necessidade dos prefeitos de formar alianças com os partidos para dar sustentação política e ter maioria nas câmaras municipais, com as conhecidas negociações e trocas de cargos, a fiscalização dos atos dos prefeitos fica mais comprometida.
Cabe ainda à Câmara Municipal a aprovação da Lei Orgânica do Município. Segundo a Constituição, o município será regido por uma Lei Orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, aprovada por pelo menos dois terços dos seus membros.
Quanto à sua composição, está definida no capítulo IV (Dos Municípios) da Constituição Federal de 1988, incluída pela Emenda Constitucional nº 58 de 2009, que estabelece o mínimo de nove vereadores em municípios com até quinze mil habitantes a no máximo 55, para municípios com mais de oito milhões de habitantes. A composição vai de dois em dois – sempre ímpares – de 9 até 55, ou seja, 11 vereadores para municípios entre 15 e 30 mil habitantes, 13 para entre 30 até 50 mil, 15 para entre 50 e 80 mil e assim por diante. Natal, por exemplo, tem 29 vereadores porque tem entre 750 e 900 mil habitantes e São Paulo têm 55 porque tem mais de oito milhões de habitantes.
Um aspecto importante em relação à função legislativa, é que há no Brasil tanto em nível municipal, como estadual e federal, um número expressivo de leis aprovadas que são de iniciativa do Poder Executivo, em especial em questões orçamentárias, assim como um número grande de leis de homenagens e datas comemorativas, muito superiores ao que se poderia considerar como leis relevantes para os Municípios, Estados e o País.
Segundo levantamento do Poder360, em 2019 os congressistas apresentaram 100 Projetos de Leis de dias, semanas, meses e até biênios comemorativos. O aspecto importante é que houve uma diminuição expressiva em relação a 2018 (65% a menos), sendo apenas 6 aprovadas e incluídas no calendário nacional.
Em relação às eleições municipais de novembro de 2020, uma mudança importante será a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 97 de 2017, que estabelece o fim das coligações para eleições proporcionais (vereadores e deputados) e normas sobre acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuito no rádio e na televisão.
Outra mudança importante é que só serão eleitos os que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, que é determinado pela divisão da quantidade de votos válidos pelo número de vagas a preencher – são excluídos os votos em brancos e nulos, ou seja, são válidos apenas os votos dados a candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias (art. 5º. da Lei nº 9.504/1997). Por exemplo: Natal tem 560.929 mil eleitores. Se o total de votos válidos for 406 mil, então se divide 406 por 29, que dá 14. Assim, o quociente eleitoral será de 14 mil. Quem atingir o quociente eleitoral elege um, caso tenha o dobro de votos (28 mil) elege dois e assim por diante. Como não se sabe com antecipação o total de votos válidos, não há como calcular os votos necessários para eleger um (a) vereador (a).
Outro aspecto relevante é que, em função da pandemia, os palanques dos candidatos serão fundamentalmente virtuais. Em entrevista sobre as expectativas em relação à eleição de novembro, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luis Roberto Barroso, disse que gostaria que esse “palanque” fosse uma grande esfera pública de discussão construtiva, uma espécie de Ágora grega. No entanto, a exemplo do que ocorreu nas eleições de 2018, com os impulsionamentos (permitido pela primeira vez em eleição municipal), disparos em massas, uso de whastApp e em especial depfake e fakenews, que certamente influenciarão o processo (e o resultado) eleitoral, a justiça eleitoral ainda não tem mecanismos eficazes principalmente para combater o que não é permitido.
De qualquer forma, num cenário de desqualificação da política, do parlamento, dos partidos e dos políticos, é importante destacar a relevância dos processos eleitorais para a democracia. É evidente que existem distorções da representação, com a eleição de espertalhões que usam o mandato para se beneficiarem, mas que não são inerentes às atribuições e funções de um mandato parlamentar, ou seja, o fato de existirem oportunistas e desonestos, pleiteando ou querendo ser reeleitos, não significa que todos são assim. Muitos exercem seu mandato com dignidade.
Nesse sentido, num momento tão importante, com as ameaças que rondam a democracia, é fundamental votar e para isso, conhecer a trajetória dos candidatos, dos que já exercem mandatos, não renovando os que traíram a confiança dos que o elegeram e melhorar a qualidade da representação, elegendo os que sejam aquilo no sentido exato do termo: legítimos representantes do povo no parlamento. Quer em mandatos individuais, como prevê a legislação em vigor, quer com mandatos coletivos, uma inovação que tem sido discutida e levada a cabo em algumas cidades, com resultados promissores.
Referências
Congresso sugeriu mais de 100 novas datas comemorativas em 2019, aprovou 6
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Homero de Oliveira Costa
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