Para uma startup, a maior barreira não é, ironicamente, o Mercado; é não saber ser uma startup
Vez em quando, sou convidado a compor bancas de seleção de empreendimentos nascentes. Pela primeira vez, deixarei o nome startup de lado. Na verdade, todo o nosso ecossistema empreendedor também deveria fazê-lo. O conceito de startup, segundo Eric Ries, deve conter os termos modelo de negócio, disrupção, repetibilidade, escalabilidade, flexibilidade e risco.
Pergunto-vos então: algo que se submete a um concurso, não deveria ter as características mínimas para tal? É como se, pegando o meu caso, tivéssemos um vestibular/ENEM para engenheiro. Você não entra engenheiro; você se submete à entrada em Engenharia! Sair engenheiro “são outros quinhentos”! O mesmo para as bancas de seleção de startups. Quem pode dar este brevê é o Mercado, não a banca, e depois de um certo tempo. Validar e verificar são ações que dependem de atores externos ao momento da banca.
O “não saber o que é” cria uma diferença abissal entre a expectativa dos empreendedores e o grau de cobrança da banca. De um lado os proponentes – que pensam já ser uma startup -, são via de regra modelos que não sabem bem no que se enquadram.. Imagina se vão decolar? Do outro, uma banca que não tem como dizer se aquela proposta é ou será uma startup; que não pode reprovar todas e, por consequência, terá de relativizar notas para contemplar as vagas abertas no certame. “Escolhemos as melhores!”, é o refrão padrão. Resultado: frustração a curto prazo em ambos os lados e a pior parte: um longo e tenebroso inverno dentro de uma incubadora, também perdida, que não saberá lidar com uma não-startup.
Portanto, a maior barreira de uma startup não é, ironicamente, o Mercado; é não saber ser uma startup. O restante das sequelas são consequências desse erro de origem.
Nossa aula condensada tem por objetivo rascunhar uma identidade mais apropriada para estes empreendimentos nascentes e sugerir uma forma para os certames. Quem sabe, “conhecendo a nós mesmos”, poderemos reduzir as frustrações.
O que eu sou? Delineando uma identidade!
Indo diretamente às questões-chave:
Prontinho: se seu empreendimento nascente se encaixa em metade destes seis mais um itens, está com chance de passar no teste vocacional e ser enquadrado no seleto hall startupeiro.
Qualificando previamente o time e o empreendimento
Falando em teste vocacional, etapa imprescindível e antecessora à qualquer certame, quero deixar bem claro que a banca de seleção não pode ser, simultaneamente, qualificadora e classificadora. O juri deveria estar preocupado apenas com métricas reais e não no enquadramento ou tipificação do empreendimento.
Surge então um nicho a ser contemplado: a qualificação de empreendimentos nascentes! E quem deveria se ocupar disto? Quem, quem, quem? Aha, ela mesma, a incubadora de empresas, já que é a maior interessada nas startups.
A etapa de qualificação do futuro negócio é puramente teórica-conceitual. Ela deveria ser ministrada em forma de curso de capacitação pela incubadora para empreendedores. Não carece de uma internação ou incubação raiz em uma estrutura. Poderia ser 0800, pré ou pós-paga, mas imprescindível. Nesta etapa, a audiência deveria ser capacitada em tipos de modelos de negócio, inovação incremental e de ruptura, escalabilidade, formação de times, precificação, atração de novas conexões/leads, marketing. Conceitos sobre produto, serviço, processo. Decorar o dicionário em inglês: cap table, ROI, design thinking, lean cycle, networking, valuation, smart money, NDA, intellectual property, pitch, deck, break even, hackathon, IPO, B2B, B2C, Crowdsourcing, Crowdfunding, analytics, Budget, spin-off, seed capital Early-stage. Entenderia, por exemplo, se seu negócio é uma Edtech, Fintech, Govtech, LawTech, AgriTech, Adtech, “All-in-one tech” etc. Se seu modelo de negócio é freemium, long-tail, fundraising… Vou parar por aqui. Ou seja: tudo o que não dá para ser aprendido no momento da seleção.
Finalizando… Como deveriam ser os certames
Em um “céu de brigadeiro”, vislumbrem o aumento do nível da qualidade dos certames e, na esteira, do ecossistema de inovação, fora o trabalho da banca que passaria a ser extremamente categórico.
As novas seleções teriam um tom bem mais profissional. A banca focaria em KPIs, elementos frios, o que diminuiria consideravelmente a subjetividade nas escolhas. Escolhendo-se (de fato) startups, as incubadoras trabalhariam com sua matéria prima ideal, diminuiriam o turnover de empreendimentos não-apropriados, aumentariam o desired outcome e, como consequência, seu respectivo ROI. Teríamos, quem sabe, inúmeros IPOs no Mercado. Imaginem a quantidade de endowments que receberíamos dos ilustres egressos desse sistema.
Nos impomos uma barreira de entrada bem anterior ao Mercado, que não tem ciência de nossa existência ainda por não sabermos o que somos e, por consequência, não nos comportarmos como startup. E já que o Mercado é uma guerra, aproveito também pra conceituar o último item, risco:
“Se você conhece a concorrência e conhece a si mesmo, não precisará temer o resultado de cem investimentos. Se você se conhece mas não conhece a concorrência, para cada aporte recebido sofrerá também um prejuízo. Se você não conhece nem a concorrência nem a si mesmo, afundar-se-á em dívidas e frustrações.” (A Arte da Guerra no Mercado. Sun Tzu & GBB-San).
Você é livre para escolher o tamanho do seu risco.
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Leia a edição anterior: A inovação e a arte do improviso
Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Gláucio Brandão
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