A ideia deste texto foi a de mostrar que a criatividade, assim como qualquer habilidade, pode e tem de ser treinada
Vez por outra, rascunho no NC (Portal NossaCiência) uma aula condensada sobre criatividade. Não que eu manje do assunto ou que me declare super criativo, mas pelo fato de considerar a criatividade a semente da inovação. Assim, quando me perguntam sobre o potencial determinado de um PPS (produtos-processos-serviço) para sua respectiva startup, devolvo a pergunta: quais outras funcionalidades teu PPS apresenta? Quais serão as outras aplicações? O quão simples ou complexo você pode tornar este teu PPS? Quais outros produtos você pode derivar destes?
As perguntas não são em vão. Acredito que a longevidade de uma startup está diretamente associada à quantidade de derivações que ela possa gerar e a forma de como responderá quando for perturbada pelo Mercado, o que depende intrinsecamente do potencial criativo de sua equipe. Maior fluência de PPS, maior permanência no Mercado, pois a cópia e a melhoria contínua são as características mais perseguidas em uma economia de escala. Lance um único produto, e veja os atores ávidos do ecossistema tomarem seu “pimpolho”, lançarem-no melhorado e com um preço mais competitivo. Assim, estejam prontos para lançar derivações do PPS original em alguns meses. Afinal, a inovação tem de ser contínua.
Com o intuito de aumentar a diversidade de artigos sobre esta pauta até ter massa crítica para compor um e-book temático, contemplo vocês com mais este, que fala sobre conceitos, quando e como usar, e métodos para treinar a criatividade. Não posso prometer que você criará um PPS fantástico, mas, sem treinar a criatividade, não dá nem pra começar, pois a criatividade é a gênese, o improviso seu catalisador e O PPS a consequência.
Alguns conceitos (adaptados) do ponto de vista da inovação.
A bibliografia está repleta de bons textos sobre os conceitos que se seguem. Neste artigo entretanto, vou colocar alguns a la GBB-San, para que possam dar sentido à mensagem que quero deixar. Seguem:
Objetivo
Aquilo (função) que se deseja alcançar através da dupla decisão-ação.
Foco
Processo mental de mergulho em uma quantidade cada vez menor de alternativas. Quando falo em “cada vez menor” quero dizer que a coisa toda é dinâmica e cíclica.
Divergência
Forma de gerar ideias através de possibilidades exequíveis.
Improvisação
A arte de exercer a criatividade sob risco. Risco, nesse caso, aquilo que nunca foi tentado.
Divergindo & Focando: “pulsando” um PPS
Inspirado no Design Thinking e em técnicas de brainstorming, bolei o diagrama de concepção pulsátil de um objetivo, ou PPS, para uma dada startup.
Supus dois tipos de demandas geradoras de objetivo ou de um PPS: planejada (P) ou por improviso (I). Uma demanda tipo P surge, geralmente, da necessidade de readequação do PPS a um novo contexto: procura-se a incógnita, compilam-se os dados e molda-se tudo de acordo com as condicionantes de Mercado, pois trata-se de um problema de determinação.
A demanda tipo I nasce, normalmente, de uma falta no Mercado ou da percepção que se pode criar um novo nicho. Nesse caso, temos em mãos um problema de demonstração, já que teremos de validar uma ideia e depois verificar na praça.
Para alcançar o objetivo impulsionado pela demanda tipo P, contamos, via de regra, com métodos já bastantes difundidos, inclusive aqui na coluna do NC. Ambas demandas necessitam de criatividade. Entretanto, a tipo P pode seguir um script, um template pré-definido. Para contemplarmos o objetivo demandado pela demanda por improviso, tipo I, temos que acrescentar a experiência e rasgar os scripts, pois este tipo de demanda exigirá muita criatividade para “misturar” métodos já existentes e/ou criar novos.
Pelo diagrama, a forma de criar um PPS robusto se dá por um processo pulsátil: abstraia muito, divirja, e depois elimine os excessos: foque! O processo de divergir e focar pode ser visto como o coração de uma ideia. A criatividade é seu nódulo sinoatrial, aquele que dá origem à batida. Tem e pode ser treinado.
RAT e FRAT: treinando a criatividade
Embora lembrem nomes de rappers, o RAT ou Remote Associates Test (Teste de Associados Remotos) e o FRAT ou Functionally Remote Associates Test (Teste de Associados Funcionalmente Remotos) são, segundo a Wikipedia, os processos mais utilizados para medir o grau de criatividade ou treiná-la.
O RAT é composto por trinta a quarenta perguntas, cada uma das quais consiste em três palavras-estímulo comuns que parecem não estar relacionadas. A pessoa sob teste deve pensar em uma quarta palavra que unifique as três primeiras. As pontuações são calculadas com base no número de perguntas corretas e o tempo levado para concluí-las. Dou alguns exemplos em Como criar criatividade.
O FRAT é seu irmão mais aprimorado, pois leva em consideração não a questão semântica, mas as funcionalidades. Então, dentro de restrições contextuais de Mercado, pensasse em tantos objetos possíveis, cujas funcionalidades podem ser comparáveis ao objeto original escolhido. Segue-se então os critérios:
Assim, caso falte criatividade, você pode implementar o RAT abrindo um dicionário em três páginas quaisquer e tentar encontrar uma palavra que una as três. Quando tiver aquecido o cérebro, busque funcionalidades em seu ambiente de trabalho, ou no Mercado, e tente uni-las. Você acabou de implementar o FRAT. Exemplo: conecte Carro-GPS-Cartão de Crédito! Ouvi Uber? Novamente: conecte Quarto-Plataforma-Turismo! Duvido que alguém tenha pensado Airbnb! Pronto: você não pode mais dizer que não é criativo.
Agora que conhecemos o FRAT, podemos utilizá-lo na parte de baixo do gráfico pulsátil e misturar métodos para criar novos PPS. Isso é o que comporá sua experiência e vai te livrar de apuros quando o Mercado pedir.
A Ordem no Caos e o Caos na Ordem
Juntando o método pulsátil ao RAT e ao FRAT, chegamos ao mote inspirador deste artigo: a arte do improviso! Este papo surgiu de um vídeo sobre o magistral músico Jojo Mayer, colocado no grupo de whatsapp Café-Rede pelo amigo Alexandre Rocha. Sob permissão (eu acho), posto aqui seu comentário.
O comentário do rapaz definiu o que é ser um tomar de decisões em tempo de incertezas: é criar ordem no caos. E eu acrescento que o contrário serve para gerar inovação: colocar caos na ordem. Criar broncas. O caos pode ser associado à parte divergente do gráfico. A ordem, ao foco. Em uma única frase, Rocha definiu o perfil do gestor brasileiro e a ferramenta necessária para que seja considerado um bom gestor: ordenador de caos!
Finalizando…
A ideia deste texto foi a de mostrar que a criatividade, assim como qualquer habilidade, pode e tem de ser treinada. À medida em que você exercita a sua, improvisar será apenas um exercício de busca de algo que você sabe e pode criar. Tornar-se-á algo tão natural quanto o determinismo. O caos não te pegará mais de surpresa. Então, vá lá é pegue um dicionário. Bote seu cérebro pra se divertir!
Referência:
Jojo Mayer https://en.wikipedia.org/wiki/Jojo_Mayer
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Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Gláucio Brandão
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