Saber fazer perguntas é o ofício que salvará a humanidade e nos deixará úteis por muitos séculos
Qual será o futuro das profissões? Já respondo: a dos ofícios perguntantes. Simples assim!
Ok, GBB-San: há dois artigos atrás você atacou com um neologismo de justaposição, inventando uma expressão que partiu de duas palavras comuns. O resultado, Heurística Artificial, tinha por objetivo questionar o quão poderosa é e/ou será a IA (Inteligência Artificial). Agora, neste texto, você junta “ofício” a “pergunta” com a intenção esdrúxula de causar o mesmo efeito, that’s right?
Não é bem isso, pois me provocaram! Em alguns grupos de “zap” que participo e no Linkedin, muitos que leram o artigo gostaram da abordagem inédita, quando aponto que “a IA resolve ou resolverá qualquer problema, mas que ela ainda não sabe criar um bom problema”, parafraseando-me.
Ok, você conseguiu nos confundir ainda mais, mestre da IA (nesse caso, inovação aleatória). Entretanto, o que pretendes fazer para me convencer a ler o resto das linhas? Qual a relação que há entre saber fazer pergunta, problemas, IA, HA e o futuro das profissões? E eu te convenceria dizendo que é essa habilidade, a de saber fazer perguntas, que salvará a humanidade e nos deixará úteis por muitos séculos ainda. E aí, te convenci?
Portanto, nessa aula condensada de número 104, apresentarei um modelo matemático cujo intuito é apontar um futuro funcional para a nossa e as próximas gerações, baseado em meus escritos, o que talvez não seja algo encorajador. Peço então aos leitores que apenas curtam a viagem, admitindo as próximas linhas apenas como possibilidades. Afinal, como diria Richard Feynman, “A Ciência é a cultura da dúvida”.
Futurologia e despreparo
Muito de fala sobre o fim das profissões pela IA, fruto da eliminação de tarefas rotineiras.
Recorro então a um trecho do Fórum Mundial de 2016 para ressaltar isso:
“Pesquisa coordenada pelas quinze maiores economias do mundo estima que o uso da automação e da inteligência artificial pode dizimar milhões de empregos até 2020. Com uma economia ainda pouco diversificada, países como China, Índia, Brasil são os que mais tendem a fechar postos de trabalho. Somente em nosso país, 54 milhões de pessoas poderão ver suas funções automatizadas. Dentre as áreas que mais podem sofrer cortes estão a industrial (69%), a hoteleira (63%) e a de transportes (61%)”.
O interessante, e trágico, disso tudo foi que essa previsão de 2016 não se deu em 2020 por conta da IA, mas pela COVID. Ou seja, não foi uma inteligência artificial, mas a inteligência de um vírus que, biologicamente falando, nem é um ser vivo. Nisso, pelo menos, o coronavírus se iguala à IA, só que infinitamente mais simples. A bronca não estava na inteligência de um ser não vivo, digamos assim, mas no despreparo de gestores, entidades etc., por seres pensantes, assim como de nosso sistema imunológico. O paralelo que quero fazer entre a IA e o vírus é o de que nosso despreparo é o vilão. É ele quem está matando nossos cargos, não a IA, a qual, paradoxalmente, está viabilizando ações na indústria, comércio e varejo, criando milhares de emprego via gerenciamento do e-commerce e da logística, e ainda ajudando a encontrar a vacina.
O despreparo em habilitar o mindset desta geração na linha de utilizar cada vez mais o cérebro e menos o “braço” (ou dedo nas telinhas do celular), vai custar a capacidade de se gerar novos espaços criativos para a utilidade humana. Ocupar as mentes em angariar seguidores ou fazer movimentos repetitivos em games sem objetivo não dá trabalho a mais do que 3 neurônios; o restante dos outros 86 bilhões vão parar por inatividade, dando espaço à IA. Assim, pergunto: por que é que insistimos em capacitar pessoas em tarefas que já podem ser substituídas por máquinas? Não vou citar exemplos, pois tenho limite de escrita para este artigo. E, na sequência, por que estas pessoas aceitam? Um dos locais em que podemos encontrar a resposta é a telinha do celular. Portanto, o tempo de exercício criativo é inversamente proporcional ao tempo em smartphones e em fazer tarefas repetitivas “sem futuro”. Vou chamar esse tempo improdutivo de T_Imp.
Padrão versus Lógica
A evolução fez nosso cérebro adorar mais padrões do que a lógica. É o que mostro em Quer que eu desenhe?. Claro que havia um motivo: sobrevivência. Tentar pegar uma cobra sem proteção não era uma boa; comer cicuta podia dar uma dor de barriga mortal; um javali não é bem um bichinho de estimação, e por aí vai. Eram problemas já postos pelas natureza que precisavam ser resolvidos. E foram, por outros, ao custo de algumas vidas. Os primeiros “cientistas” foram aqueles que assistiram estes eventos e deixaram registrados de alguma forma.
Estabelecemos o portfólio do que se podia fazer ou do que não se podia, e deveríamos ter virado a página para a seguinte, a da lógica. Como estamos demorando a acessar as outras partes desse livro da humanidade por pura preguiça mental, repetimos padrões que nos manterão preparados para resolver problemas já resolvidos, e a almejar postos de trabalho já ocupados e com data de validade. Resultado: a IA vence novamente.
A mola que deveria nos impulsionar à frente e fazer acessar a próxima página, tem um nome peculiar: criatividade, capacidade de extrapolar funções com as mesmas ferramentas (definição minha). Se estivéssemos preocupados em capacitar às pessoas no flexibilizar de seus mindsets para a criatividade, ao invés de enxertar padrões em seus cerebelos, poderíamos iniciar, quem sabe, a era do “Homo logicus” ou “Homo criativus”, aquela espécie que saberá fazer perguntas novas, coisa que a IA ainda não aprendeu. Considere o potencial criativo, P_Criat, a variável que sai daqui.
Lean Education
“Gostou dessa tinta, ou prefere aquela? Acho que sua personalidade combina com o castanho claro…”. A IA ainda não faz isto, pois é uma ferramenta reativa. Ela só resolve broncas, e adivinha com o quê? Isso mesmo: com os padrões que enxertamos em seus “cerebelos” de silício, o que nos faz pensar se o que chamamos de “educação” não é, na verdade, “programação”. Será que estamos programando nossos filhos? Ou, ao invés de qualificarmos nossos descendentes, não deveríamos estar “criativando” eles?
Em Educação de travamento, falamos sobre o ciclo lean (construir, medir e aprender) originado na Toyota, que deu origem ao protocolo mais utilizado pelas startups na elaboração, lançamento, teste e adequação de seus produtos. Olhando para educação por este prisma, percebemos o quanto estamos defasados em aplicar estes conceitos a um produto que ficou estático, nosso diploma:
“Construir-Medir-Aprender o tempo todo, todo o tempo. Não dá pra esperar 05 anos pra então testar o que aprendi. Tem que ser em tempo real… A tecnologia não pára. As pessoas não param. Em 05 anos estarei defasado…”, diria nosso amigo Hiawatha, em Cara, onde é que você tava?.
À variável que extraímos desta seção terá o teor de uma “resiliência lean”. Vou chamar de Res_Lean.
Questionamento proativo
Observe: toda vez que se pergunta algo, um novo caminho é criado. Escolher o melhor caminho exige um esforço heurístico (procurar, parar e decidir), o que montaria um problema. Estamos acostumados a percorrer este sentido – quase que reativo -, de procurar soluções para problemas, que é o mais comum, alcançando, na maioria das vezes, soluções incrementais. “Forms follows function”, diria o arquiteto Louis Sullivan, ou “a forma segue a função”.
Mas, e se pensássemos ao contrário: “Ei boy: arruma aí um problema para solução que tenho aqui!”. Teríamos o caminho inverso: “Function follows form”, ou “a função segue a forma”. Ache um problema pro meu carro autônomo, pro meu detector de temperatura mastigável, para minha bolsa que muda de cor quando estou com raiva etc., etc., etc. Esta forma de perguntar ao contrário, que eu considero proativa, levaria à geração de questões inquietantes, fomentaria novos caminhos, levando a problemas para os quais a IA ainda não entende, pois não a programamos para a partir de soluções encontrar problemas. Esta é mais uma variável que entrará em nossa conta: o questionamento proativo, Q_Pro.
Capacidade de criar problemas
Agora que temos todas as variáveis, podemos determinar a capacidade de criar problemas. Baseado em nossos estudos (todos criados aqui, no Nossa Ciência), podemos inferir que a capacidade de criar problemas, C_Prob, é diretamente proporcional ao potencial criativo P_Criat (treino da lógica), à resiliência lean, Res_Lean (aprender e colocar os conceitos em prática o mais rápido possível), ao questionamento proativo, Q_Pro (questionar fatos e soluções na direção dos problemas), e inversamente proporcional ao tempo improdutivo, aquele que você já sabe qual é.
Em tempos algébricos, eis a equação:
Finalizando, a fórmula para o futuro das profissões!
Creio que muitos futurólogos já inferiram sobre este tema, mas não encontrei ainda quem o modelasse em forma de equação. Com o que desenvolvemos aqui, ficou um pouco mais fácil de responder qual o futuro das profissões.
Admitindo que todos os problemas que temos serão resolvidos por nós ou pela IA, podemos inferir que o futuro das profissões estará diretamente associado à nossa capacidade de criar perguntas geradoras de problemas e, na sequência, deixar que a IA, ou nós mesmos, resolvamos.
Teremos que encontrar o que gostamos, elaborar bem as perguntas e descobrir qual(is) problema(s) queremos resolver. Teremos de ser capacitados em ofícios perguntantes, cujo lema será: “Crie dúvidas; gere trabalhos!”. Um novo paradigma para a sociedade.
Referências:
Eliminação de tarefas rotineiras. – Época Negócios – O futuro das profissões
Encontrar a vacina – www.wired.com
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Leia a edição anterior: Redução aos Princípios aplicada aos negócios
Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Gláucio Brandão
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