As novas (e velhas) regras Artigos

quinta-feira, 6 agosto 2020

O que muda para as eleições de novembro de 2020?

(Por Homero Costa)

No dia 02 de julho de 2020 foi promulgada pelo Congresso Nacional a Emenda Constitucional 107, que, em função da pandemia do novo coronavírus, adiou as eleições deste ano. Estavam definidas para os dias 4 e 25 de outubro (primeiro e segundo turno) e foram adiadas para 15 e 29 de novembro, respectivamente.

O prazo de apresentação das candidaturas passou a ser 26 de setembro e dois dias depois, no dia 28, terá início o período de propaganda eleitoral, em rádios, TVs e internet.

E também por causa da pandemia, o presidente do TSE vetou a biometria com a justificativa de que era para evitar aglomerações e filas e uma das razões é porque o equipamento que identifica as digitais não pode ser higienizado com frequência, o que atrasaria a votação.

Para as eleições municipais deste ano, há algumas alterações em relação às que ocorreram em 2016. Uma delas diz respeito à justiça eleitoral e a atuação em relação às fakes news e seu uso nas redes sociais. Como se sabe, elas tiveram um papel importante (e muito danoso) nas eleições tanto de 2016 como especialmente nas eleições de 2018. Pelas novas regras ficou definido que os juízes eleitorais de primeira instância podem determinar, a partir de denúncias, a retirada de conteúdos nas redes sociais que sejam considerados irregulares.

Para notificações relacionadas às irregularidades na campanha eleitoral o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, acatou as sugestões apresentadas no relatório elaborado por um Grupo de Trabalho designado para definir as instruções para o funcionamento de um aplicativo chamado Pardal, específico para estes fins.

Para sua formalização, o TSE exige que haja detalhamento da identificação dos denunciantes, que devem se fundamentar em provas e documentos.

Outra mudança é quanto ao número de candidatos por partido. Com o fim das coligações para eleições proporcionais, cada partido terá direito de lançar até 150% do número de vagas existentes na Câmara Municipal. Antes, com as coligações, o índice era de 200% (que permanecem apenas para municípios com até 100 mil eleitores).

No caso de Natal, por exemplo, vale a regra dos 150%. Como a Câmara Municipal tem 29 vereadores, cada partido poderá lançar no máximo 43 candidatos (desprezada a fração do cálculo, que é 43,5, ou seja, 29 mais 50%, 14,5).

Continua vedado o registro de candidatura avulsa, ainda que o requerente tenha filiação partidária, mas as regras para as eleições majoritárias (presidente da República, senadores, deputados federais estaduais e, no caso das eleições deste ano, para prefeitos) são as mesmas, e estabelece que o voto seja dado ao candidato (ou legenda) e o mais votado se elege (valendo o mesmo princípio para onde houver segundo turno).

O mesmo vale para as eleições proporcionais, só que com o fim das coligações, não serão mais contabilizados os votos da coligação, apenas dos partidos, ou seja, a soma de votos de todos os candidatos de um partido e mais os votos dados à legenda, cuja quantidade será calculada em função do quociente eleitoral, ou seja, é o quociente que define o número de vagas ocupadas por partido.

Como se calcula o quociente eleitoral? Somando-se os votos válidos (excluídos nulos e brancos) divididos pelo número de assentos nas respectivas casas legislativas.

Em relação ao número de vereadores de cada município, as regras são definidas pelo artigo 29 da Constituição. O número mínimo é de nove em cidades com até 15 mil habitantes e o máximo é de 55 para municípios com mais de 8 milhões de habitantes (caso de São Paulo).

Há, portanto, há uma grande variação na composição das Câmaras de vereadores que são proporcionais ao número de habitantes (no caso de deputados federais, o Art. 45. § 1º  da Constituição estabelece que “o número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados” e o Art.27 estabelece que o número de Deputados nas Assembleias Legislativas corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze”).

Existe outro quociente, o partidário. No caso das eleições majoritárias é o resultado da divisão da soma dos votos válidos de cada partido político ou coligação pelo quociente eleitoral. O resultado indica o número de vagas que o partido ou coligação obteve. As vagas são preenchidas pelos candidatos que alcançaram o maior número de votos dentro do partido ou coligação. Caso o resultado seja menor que um, o partido ou coligação não elegerá nenhum candidato. (Fonte: agência Senado).

No caso das eleições proporcionais, como não haverá coligações, para definir os eleitos, os votos dos candidatos são somados e depois divididos pelo quociente eleitoral.

Esta é a principal mudança em relação às eleições municipais deste ano. No dia 4 de outubro de 2017 foi aprovada a Emenda Constitucional n. 97 que proíbe coligações para as eleições proporcionais (deputado federal, estadual, distrital e vereadores).

As eleições de 2020 serão as primeiras eleições em que os candidatos a vereador somente poderão participar em chapa única dentro do partido.

Uma das críticas às coligações é que visavam apenas às eleições, sem qualquer principio programático e/ou ideológico e sem continuidade, ou seja, depois das eleições, era cada partido por si, podendo fazer parte ou não de outras alianças ou coligações nos respectivos parlamentos.

Uma das estratégias dos partidos era buscar o que se chama de “puxadores de votos” que ajudavam a eleger outros, tanto do seu partido como também da coligação. E não era raro alguém votar num partido e ajudar a eleger um candidato de outro partido da mesma coligação. Com a reforma de 2017, isso não ocorrerá mais. Um candidato com muitos votos pode até ajudar a eleger outros com votação inexpressiva, aumentando o índice do quociente eleitoral, mas serão da mesma legenda (se o quociente eleitoral for, por exemplo, 10 mil e um candidato tiver 20 mil votos, o partido elegerá dois do mesmo partido).

No entanto, com a manutenção do sistema de listas abertas (ou seja, o eleitor vota em qualquer um da lista que os partidos apresentarem) continuará a haver disputas não apenas contra candidatos de partidos adversários como entre candidatos do mesmo partido.

Uma saída seria aprovar, como a maioria dos países, o sistema de listas fechadas, ou seja, os partidos apresentam uma lista ordenada e serão os eleitos por ordem da lista (se um partido tiver direito a 4 vagas, serão os 4 primeiros da lista). Mas esta proposta tem tido enorme dificuldade de prosperar no Congresso Nacional, até porque há uma questão relevante a ser respondida: como se dará o processo de indicação das listas pelos partidos nas suas respectivas convenções? Se não houver uma ampla e democrática discussão e decisão nesse sentido, deixada para que as cúpulas partidárias decidam, não vai alterar nada substancialmente.

Uma questão importante é saber se com o fim das coligações nas eleições proporcionais haverá mudanças na representação das legendas nas respectivas casas legislativas (Câmara Municipal, Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados). Um estudo de Lara Mesquita e Gabriela Campos, do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas feito em 2019, afirma que a mudança das regras não deve provocar alterações significativas no quadro de representação das legendas, pelo menos nas capitais. Elas fizeram uma simulação de como teriam sido as disputas de 2012 e 2016 se a nova regra estivesse em vigor. E concluem que o número de partidos nas Câmaras Municipais variava pouco nas 26 capitais. Em 2012 haveria uma diminuição de 28 para 26 e em 2016 passaria de 32 para 33.

O estudo são apenas projeções levando em conta a composição das Câmaras Municipais das eleições de 2012 e 2016. Como houve alterações nas bancadas, com a mudança de legenda de muitos vereadores, é difícil prever o que poderia ocorrer se mantida as mesmas bancadas e muito menos se estas projeções serão as mesmas nas eleições de novembro deste ano.

A Câmara Municipal de Natal, por exemplo, tem hoje 29 vereadores de 15 partidos, sendo que 10 tem apenas um vereador (Republicanos, PP, PSL, MDB, PSB, PC do B, PV, PSD, Avante e Pros), três tem 2 vereadores (PT, PL e Solidariedade) e os demais são o PSDB com 5 e o PDT com 8 (alguns foram eleitos por outras legendas e mudaram de partido).

Uma questão que talvez muitos não saibam é o número de vereadores das Câmaras Municipais. Por que, por exemplo, a Câmara Municipal de Natal tem 29 vereadores? O número de vereadores de uma cidade está relacionado com a quantidade de habitantes. No entanto, o número exato de vagas disponíveis é definido pela Lei Orgânica de cada município, respeitando o que diz o art. 29 da Constituição Federal, que relaciona o limite de vereadores de acordo com a quantidade de habitantes do município.

No dia 23 de setembro de 2009 foi aprovada a Emenda nº 58 Art. 1º O inciso IV do caput do art. 29 da Constituição Federal que define o número de vereadores por número de habitantes. No mínimo (9) para municípios com até 15 mil habitantes e máximos (55) para cidades com mais de 8 milhões. Há uma espécie de tabela definindo o número de vereadores conforme a população. Natal tem 29 vereadores porque tem entre 750 e 900 mil habitantes (e Mossoró, por exemplo, tem 21 porque está entre as cidades que tem entre 160 a 300 mil habitantes).

Já na Assembleia Legislativa, tem 24 deputados (nesse caso, a lei estabelece outro cálculo. No caso específico, o Rio Grande do Norte está entre os estados que o número de deputados estaduais é o triplo do número de deputados federais) de 13 partidos, sendo sete com apenas um deputado (PSOL, MDB, DEM, Republicanos, Avante, PSC e Pros). PT, PSD e PSB tem 2, PL e Solidariedade tem 3 e PSDB, 5.

Com o fim das coligações em eleições proporcionais, uma das suas possíveis consequências poderá ser a diminuição do número de partidos com representação nos parlamentos e a possibilidade de para sobreviveram, especialmente os pequenos partidos, haver fusões.

É provável que haja uma diminuição da fragmentação partidária, o que pode ser positivo para o sistema partidário e mesmo para a governabilidade. Para as eleições proporcionais, cada partido terá de concorrer sozinho e tentar obter o maior número de votos (o cálculo do quociente eleitoral permanece o mesmo, ou seja, divide-se o total de votos válidos pelo número de vagas).

Embora tenha havido algumas mudanças para as eleições deste ano, o fato é que foram pontuais, que não devem alterar substancialmente o sistema partidário e eleitoral brasileiro. As distorções da representação devem continuar, assim como as regras de distribuição dos recursos (públicos) do Fundo Partidário (Como e quem define?). E como foram proibidas coligações apenas para as eleições proporcionais, para as eleições majoritárias (no caso de 2020, para prefeitos) será mantido o mesmo processo que caracterizou as eleições gerais anteriores, ou seja, permissão de coligações circunstanciadas, sem programas e consistência ideológica, portanto seguindo a mesma lógica do atual presidencialismo de coalizão. Pode até haver diminuição do número de partidos, como é esperado para estas e as próximas eleições, mas sem mudança nos partidos – o que dificilmente ocorrerá – continuará a haver os mesmos problemas, para tanto em relação ao sistema partidário e eleitoral, como para a governabilidade que caracteriza hoje o atual presidencialismo de coalizão.

Nossa Ciência firmou parceria com a Saiba Mais – Agência de reportagem e jornalismo independente do Rio Grande do Norte. Saiba Mais.

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Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Homero de Oliveira Costa

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